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A experiência do ipac na preser vação do patrimônio cultural na Bahia

No documento Políticas culturais para as cidades (páginas 63-69)

F r e d e r i c o M e n d o n ç a *

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Arquiteto, Diretor Geral do Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (ipac).

Agradeço a oportunidade que o Conselho Estadual de Cultura criou, particularmente a Albino Rubim, ao juntar esse conjunto de inteligências e de sensibi- lidades, para que se discuta o tema de cultura e cidade, porque, de fato, as cidades tornam-se o grande local, a grande construção cultural deste século que se inicia, o século xxi. Estamos cada vez mais concentrados nessas mudanças urbanas e num contexto.

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Quero dar continuidade ao que o Eugênio Lins falou, mas destacando um tema com o qual temos nos defrontado desde que cheguei ao ipac, no começo do ano passado: o que é patrimônio, nas diversas cidades que nós estamos percorrendo, neste “país” chamado Bahia? Temos observado que várias cidades de porte médio têm sentido um fluxo econômico mais dinâmico e uma pressão imobiliária, ambos acompanhados, em alguns casos, pela demanda para que o órgão de Patrimônio do Estado vá em socorro dessas prefeituras; em outros casos, as prefeituras não querem conversa e já vão fazendo transformações, moderni- zações, o que nos coloca, enquanto órgãos de patrimônio, com uma super-responsabilidade.

O que é patrimônio num contexto em que a sociedade se torna muito mais fragmentada e em que as questões acontecem numa velocidade que nos indica que não estamos mais no século xix? Como o Eugênio Lins pontuou, no Brasil, a ideologia de patri- mônio está conectada à noção de identidade nacional. A noção de identidade continua muito colada à de patrimônio, assim como à herança. O patrimônio é uma herança, é uma referência. Mas como é que a gente vai falar de referências num mundo que está mudando tão rapidamente e de forma tão fragmentada? A dicotomia entre a cultura popular e a cultura de massa está no cerne dessa questão.

A cultura de massa é muito homogeneizadora e o padrão de urbanização que ela traz, também é homogeneizador. Vejamos os lançamentos do mercado imobiliário em Salvador. Com al- gum atraso, estamos importando uma tendência de urbanização que é completamente atomizada, que não dialoga com a cida- de. Então, quando a gente fala de cultura nas cidades, de quais grupos culturais nós estamos falando? De que tipo de cultura? Porque a cultura fica muito diversificada. Cada grupo social, nesse momento em que se fala da diversidade que é a nossa for- mação social, reivindica suas referências identitárias e culturais,

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o que torna um pouco mais complexa a ação do Estado, seja no âmbito Federal, Estadual ou Municipal.

Que política você vai adotar com relação ao patrimônio, por- que a sociedade está mais fragmentada e, com a velocidade das transformações, nós podemos observar algumas tendências. Uma tendência modernizadora, uma versão modernizada da- quele urbanismo demolidor que, aqui, está tomando formas de guerrilha “derruba aqui, derruba ali”. Há grupos sociais que querem uma modernização, que reagem a “essa cidade velha, cheia de coisa velha, cheia de rua estreita”, como se almejasse um padrão Miami beach. Então, esse é um padrão de urbaniza- ção que nós temos em todo o vetor de expansão norte da cidade, enquanto o Centro Antigo, as referências da Bahia colonial, da gentileza do baiano e tudo mais vão se tornando um mito para toda uma juventude, para toda uma parcela da população que está morando na faixa de expansão, sob outra ótica urbana; que está achando ótimo morar naquele empreendimento em que você faz tudo no mesmo lugar. Então, o urbano aí, o parâmetro de referência cultural fica um pouco mais complicado, como te- mos observado em algumas cidades, e Salvador não escapa disso. O urbanismo do século xix não vai se repetir, a não ser com outra forma de apropriação. Encaminharam-me pela Internet um artigo de um português chamado Antônio Conceição Júnior sobre cidade criativa. Ele coloca um tema que discutimos com o iphan, recentemente, que é a noção de patrimônio, hoje, in- dissoluvelmente ligada à discussão sobre a expansão urbana. Por quê? Como o patrimônio resgata elementos de memória, de identidade, muitas das pessoas que moram nas cidades per- cebem que suas referências estão desaparecendo, e começam a se movimentar. Assim, enquanto nós temos o movimento dos novos demolidores, nós também temos, talvez na mesma inten- sidade, o movimento daqueles que não querem mexer em nada. As coisas estão mudando tão rapidamente que é preciso que você

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mantenha o que já tinha antes, a exemplo das pedras portugue- sas do Porto da Barra que, de repente, viraram um elemento cultural, uma referência cultural muito importante, enquanto, para outros, nem tanto assim. Então, a questão que se coloca é: o que constitui uma referência cultural num momento em que a sociedade está mudando tão rapidamente?

Não estou trazendo reflexões acadêmicas, mas reflexões de quem está na gestão de equipes acostumadas aos órgãos de pa- trimônio, como o iphan e o ipac. Não se pode falar de política patrimonial para Salvador porque não temos, não é verdade? Infelizmente. Mas esperamos ter, em breve.

Então, com quê nos defrontamos? Tivemos uma formação e uma prática muito voltadas para os monumentos, os monumen- tos dissociados de dinâmica urbana. Já estou entrando um pouco no tema de amanhã, que são as políticas, mas não temos como fugir disso. Como é que vamos intervir em um contexto tão mu- tável e, ao mesmo tempo, com quadros técnicos que não foram formados para entender o monumento, a referência cultural de determinados grupos culturais, no âmbito de uma dinâmica ur- bana, também, muito intensa. Temos vivenciado essa dificuldade no ipac assim como no diálogo com o iphan e na assistência que damos a municípios que nos solicitam normas para proteger a ambiência e a visibilidade – que são as duas palavras chaves para a preservação – dos monumentos tombados ou daqueles que os grupos sociais consideram merecedores de proteção.

Esse desafio perpassa não apenas os órgãos públicos, mas, também, os grupos sociais. Um grande exemplo é, ainda, o Porto da Barra, pois mostra como os grupos sociais estão divididos em relação a essa abordagem. Temos enfrentado essa dificuldade, internamente no ipac, com as oficinas de educação patrimonial, quando percebemos o nosso discurso, o nosso escopo teórico para abordar essa questão. Os grupos sociais precisam urgente- mente de mais estofo, de mais discussão, porque esse é um tema

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muito escorregadio, tipo massapé, e muito subjetivo; temos que ir com muito cuidado. Hoje, não contamos com um único parâ- metro cultural apenas, mas temos múltiplas referências culturais e os grupos sociais realmente reivindicam, à medida que estão mais ou menos organizados, uma atenção maior.

Diferença versus Identidade nos processos culturais

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