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3.3 : A “EXPLICAÇÃO” DA SECA PELO VIÉS TECNICISTA

Convencionou-se entender que o problema da seca era, a priori, falta de água. E

este pensamento alijava as questões religiosas sobre o fenômeno de maneira a explicar

suas causas através de questões estritamente técnicas, fatores ambientais por assim

dizer. Este sistema de ideias permeou as políticas publicas imediatas pós-seca de 1877- 79, pela qual empreendeu uma série de investimentos para contenção de água através da construção de açudes e barragens em diversas localidades do Ceará e do Nordeste.

Este forte investimento do governo gerou um outro problema que

pejorativamente foi batizado de Indústria das Secas, aonde os governantes se utilizavam

da máquina pública para fins diversificados, desde os constantes desvios de dinheiro para beneficio próprio, ate construção de obras publicas em áreas privadas, beneficiando, por assim dizer, a terceiros em um esquema de corrupção. Uma estratégia entendida aqui como contraditória ou até mesmo ineficiente, sendo que não se pensava em um plano de uso e nem de que forma a água acumulada seria utilizada. Sobre a utilização de políticas publicas para a contenção de água e construção de açudes, Assunção e Livingstone (1993, p. 426) escrevem:

A política de construção de açudes têm-se baseado no conceito de que desde que a seca é um conceito de falta de água a situação deve ser resolvida com a acumulação de água em grandes quantidades o que tem sido chamado de

“solução hidráulica”. É de chamar a atenção o fato de que até bem pouco

tempo a grande maioria dos açudes tem sido escassamente usadas por que nunca se pensou seriamente de que maneira esta água chegaria aos usuários.

Esta reflexão de certa forma insere um aspecto pertinente que se desdobra nos debates públicos sobre o combate a seca ao longo da história. A construção de barragens e açudes pelo DNOCS e depois SUDENE como órgão que representavam o poder publico se mostram ineficazes, uma vez que a ausência de planejamento para o uso adequado da água armazenada é trazido para o debate. Desta forma de nada adiantava

conter grandes quantidades de água, uma vez que as políticas de uso se mostravam deficientes.

No Ceará a construção de açudes começou logo depois da seca de 1877. Temos a importante obra do açude de Cedro, em Quixadá, ordenado pelo Imperador D. Pedro II, mas que foi iniciado nos governos republicanos entre 1890 e 1906, e tem a capacidade superior à 126 milhões de metros cúbicos. O açude Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, também conhecido como Açude de Orós, também se mostra de grande importância para a região. Com suas obras construídas em 1961 tem capacidade superior a 2 milhões de metros cúbicos de água, ganhando a posição de segundo maior reservatório de água do Estado do Ceará. Outros açudes de menores portes também foram construídos no Ceará e ainda acumulam grandes quantidades de água. Abaixo transcrevemos uma tabela de gastos do DNOCS entre os anos de 1909 a 1959, em milhares de dólares.

Tabela I

Gastos do DNOCS em milhares de dólares durante as secas35

1909 0.416 1926 1.423 1943 10.308 1910 1.025 1927 1.927 1944 8.320 1911 2.189 1928 2.771 1945 8.281 1912 5.938 1929 3.807 1946 6.886 1913 6.160 1930 3.490 1947 7.978 1914 1.784 1931 4.340 1948 10.664 1915 7.401 1932 62.786 1949 11.772 1916 2.241 1933 52.339 1950 13.683 1917 3.021 1934 16.626 1951 29.210 1918 1.399 1935 13.363 1952 27.252 1919 3.576 1936 12.096 1953 22.026 1920 14.069 1937 17.167 1954 24.857 1921 69.196 1938 12.348 1955 27.093 35

Fontes: DNOCS, 1983.p 85-87; relatórios anuais do DNOCS. Boletim mensal. Banco Central do Brasil.

1922 68.052 1939 11.554 1956 34.693

1923 29.153 1940 11.123 1957 47.518

1924 4.265 1941 10.407 1958 114.528

1925 1.298 1942 17.553 1959 86.203

Analisando o quadro acima percebemos uma variação no que diz respeito ao direcionamento de recursos quando da ocorrência das secas. Percebemos um aumento expressivo de recursos, por exemplo, quando comparamos o ano de 1931 com 1932, na ocasião de mais uma seca atingindo a região. Assim, mais uma vez indagamos se de fato estes investimentos se mostram eficientes no combate a seca.

A construção de açudes e barragens são uma constante expressiva no século 20. Justamente por que a falta de água se apresentava como o problema maior, e para que isso fosse resolvido, o armazenamento se fazia necessário. Enquanto, por um lado a igreja defendia suas posições religiosas sobre o fenômeno da seca, o governo e os técnicos discutiam possíveis soluções e estudos para contrapor-se cientificamente, estudando possíveis causas e medidas a serem tomadas. Assim as muitas comissões cientificas enviadas a região Nordeste entenderam que o problema da seca era tão somente a falta de água relegando para segundo plano as questões sociais que permeavam a sociedade naquele momento.

Os problemas sociais, econômicos e políticos verificados durante a seca de 1877

não eram, portanto, visíveis naquele momento. Foi somente no inicio do século XX,

com a criação na Inspetoria de Obras Contra as Secas, que uma equipe de técnicos

ingleses e americanos veio analisar os solos da região e estudar as possíveis causas:

A seca torna-se um empecilho ao progresso, ao desenvolvimento da região do país como um todo e por isso passa a ser um problema não somente de caráter regional, mas nacional, para o qual exigem-se medidas não apenas assistencialistas por ocasião das estiagens, mas uma política planejada a longo prazo, que permitisse um combate permanente ao flagelo (ALBUQUERQUE, 1988, p.185-186).

A segunda metade do século 19 marca o inicio, o aprimoramento e a difusão dos ideários positivistas no pais, a qual trazia a idéia de progresso de desenvolvimento do

Estado brasileiro. Desta forma, a seca funcionava como uma barreira que impedia o desenvolvimento, e seu ‘combate’ fazia-se necessário. Neste sentido como trouxemos anteriormente, os estudos apontados pelos pesquisadores caminhava para a conclusão de que a ausência de água era o problema maior naquele momento pensamento este que organizou diversas operações e criações de órgãos governamentais para a construção de diversas obras e planejamentos, como mostrado antes.

Por muitos anos o problema da seca se limitava a falta de água, necessariamente. Claro que a obviedade desta argumentação perpetuou por anos, e por isso as medidas de contenções de água se mostraram, a principio, necessárias. Obras gigantescas construídas com dinheiro público em propriedades privadas não resolviam o problema como se pensava. Assim, observamos que os maiores beneficiados não eram, por assim dizer, aqueles que praticavam a agricultura de subsistência. Estes se beneficiavam temporariamente com os trabalhos nos programas emergenciais para construção de obras publicas, sendo que posteriormente a situação se repetia a cada seca.

Governantes se aproveitavam da seca como justificativa de atração de capital, e em um sistema de trocas e favores eram beneficiados através dos constantes desvios, já que as medidas de fiscalização eram insuficientes naquele momento.

Passaremos agora a analisar as secas na região do Cariri cearense, especialmente as secas de 1958 e 1970. Nossa escolha deveu-se ao fato da região se apresentar como sendo uma particularidade climática no Ceará ou até mesmo no Nordeste, através do clima ameno e verde, resultado da localização geográfica beneficiada pela chapada do Araripe. A análise das secas aqui apresentadas se mostraram constantes nos documentos encontrados e nas narrativas orais até aqui encontrados, às vezes pelas muitas noticias e obras de investimentos na região pelos governantes da época; enquanto a outra seca, por assim dizer, registrou forte insatisfação pela população em geral e várias criticas nos veículos de comunicação. Desta forma, passaremos a analisar cada uma delas separadamente, almejando encontrar e discutir cada aspecto particular que as preconizam.