• Nenhum resultado encontrado

3 MODALIDADE FACULTATIVA NOS ESTUDOS LINGUÍSTICOS

3.2 A expressão da modalidade facultativa: aspectos gerais

Nesta seção iremos tratar de aspectos da modalidade facultativa postos em prática, ou seja, faremos uma breve indicação de como podemos encontrá-la no português brasileiro.

Conforme acabamos de observar, a modalidade facultativa encontra-se no âmbito referente aos aspectos da habilidade e da capacidade. É importante frisarmos em quais contextos geralmente podemos encontrar a modalidade em língua portuguesa e, além disso, quais os meios utilizados pela expressão modalizadora facultativa que podem intensificar ou atenuar sua força de acordo com os valores pertinentes, ou seja, dependendo do seu contexto de enunciação e das crenças pessoais do falante e do ouvinte podemos ter efeitos de sentido referentes a noção de habilidade/capacidade intrínseca ou adquirida.

56 Dall’Aglio-Hattnher e Hengeveld (2015) atualizaram a noção de evidencialidade estudando detalhadamente sua arquitetura hierárquica e, com base na GDF, ao analisar uma amostra de 64 línguas nativas do Brasil, chegaram a definir quatro categorias de evidencialidade: a) a reportatividade, cuja fonte da informação que o falante está transmitindo é outro falante; b) a inferência, que o falante pode usar para indicar que ele infere uma certa parte da informação com base em seu próprio conhecimento; c) a dedução, na qual a informação presente do falante é deduzida com base em evidências perceptivas; por fim, d) percepção do evento, por meio da qual o falante indica se ele testemunhou ou não o evento descrito com base em sua inserção na cena e através de seus próprios sentidos.

Uma das autoras que estudou aspectos relacionados à modalidade foi Neves (1996a, 2016). Segundo ela, podemos encontrar a modalidade expressa através de:

a) verbos auxiliares modais (ex. dever, poder), considerados uma das principais formas que encontramos a modalidade em geral;

b) verbos de significação plena indicadores de opinião, crença, saber e habilidade. Geralmente mostram evidências do comprometimento do falante com o que está sendo dito;

c) advérbios, associados ou não a um verbo modal, podendo indicar a força ou enfraquecimento da modalidade em questão, evidenciar a incerteza do falante sobre sua intenção comunicativa ou mesmo fazer uma persuasão implícita; d) substantivos na posição de objeto de verbo-suporte:

e) adjetivo, podendo estar ou não em posição predicativa;

f) categorias gramaticais do verbo, como tempo, modo e/ou aspecto, que podem incidir sobre a força do que está sendo dito.

Além desses recursos lexicais elencados acima, há outros dois, de cunho puramente sintáticos, que podem ser relevantes para identificação e análise da modalidade, em especial a modalidade. São eles (i) a unipessoalização (minimiza o comprometimento do falante com a proposição) e a (ii) intercalação de orações (intensifica o comprometimento do falante com o que está sendo dito, ao contrário do recurso anterior). Esses elementos aqui descritos pertencem aos valores indicados no nível de representação morfossintática e, a eles, juntam-se todos os outros analisados até o presente momento e como consequência temos aí um panorama geral de nossa pesquisa acerca da modalidade facultativa no português brasileiro. Identificaremos, portanto, quais destas situações podemos encontrar a modalidade facultativa no português falado no Ceará a fim de caracterizá-la e descrevê-la.

A análise de Neves (2016) baseou-se na modalidade em geral, não tendo ela especificado uma ou outra categoria modal, mas sim um apanhado geral de como podemos identificar traços linguísticos da modalidade em língua portuguesa, sejam eles deônticos, epistêmicos, facultativos, volitivos ou evidenciais. Isto posto, seguimos seus pressupostos e partiremos da premissa de que a modalidade facultativa será encontrada no português oral do Ceará com estas mesmas feições, resguardando-nos do fato de que podemos observá-la ainda em outras formas linguísticas não enumeradas pela autora.

3.3 Síntese conclusiva

Conforme observamos no início deste capítulo, o ponto de vista teórico desta pesquisa é o funcionalista e, por essa razão, procuramos analisar a língua por um caminho que vai desde a intenção comunicativa dos participantes do ato comunicativo até a expressão linguística efetivamente realizada.

Vimos também que nossa base teórica está apoiada no modelo proposto pela GDF, a qual nos coloca uma visão da produção do Ato Discursivo em componentes distintos, três não verbais (Componentes Conceitual, Contextual e de Saída) e um caracterizado por ser puramente verbal, o Componente Gramatical, sendo o único puramente linguístico e subdividido em quatro níveis de organização: os níveis Interpessoal e Representacional, nos quais há a operação da Formulação e, respectivamente, relativa a aspectos pragmáticos e semânticos; e os níveis Morfossintático e Fonológico, correspondentes à operação da Codificação. Todos esses níveis são dispostos em ordem descendente, caracterizando assim a estrutura top down típica da GDF. A disposição destes níveis em camadas interage com os outros três componentes: o Conceitual, o Contextual e o de Saída.

Em seguida, apresentamos um panorama geral da inter-relação entre os níveis do Componente Gramatical e o Componente Contextual, analisando o porquê de sua complexidade e como ele pode interferir no Componente Gramatical e, ao mesmo tempo, sofrer influência deste. Fizemos também nossas considerações sobre pesquisas recentes que mostram o Componente Contextual como reflexo do Gramatical organizado em quatro estratos correspondentes aos quatro níveis gramaticais e possuidor de informações situacionais e discursivas. Tais avanços são importantes por abrirem um leque maior de possibilidades sobre como podemos encontrar aspectos da modalidade facultativa no português falado no Ceará.

Fizemos em seguida também uma explanação geral da tipologia das modalidades, focando em algumas tipologias-chaves: a) a ideia da modalidade dinâmica enquanto parte da modalidade alética descrita por Wright (1951), ainda no âmbito filosófico, bem diferente da visão defendida nesta pesquisa; b) a visão de Carretero (1991); c) o ponto de vista de Olbertz (1998) sobre a modalidade inerente; d) a tipologia das modalidades descrita por Palmer (2001) colocando a modalidade dinâmica junto à deôntica e inserindo nela também a dimensão volitiva e, por fim, e) a tipologia modal descrita no principal aparato teórico de nossa pesquisa, a Gramática Discursivo-Funcional, de Hengeveld e Mackenzie

(2008), que elencaram a modalidade facultativa como uma modalidade independente de outras noções que dizem respeito a modalidade deôntica e volitiva.

Com o propósito de ambientarmos a nossa pesquisa quanto ao período cronológico e os pontos de vista apresentados aqui referentes a modalidade facultativa, bem como os principais termos utilizados pelos autores elencados neste capítulo e suas principais ideias, apresentamos o Quadro 5, que sintetiza os principais conceitos expostos em nossa fundamentação acerca da modalidade facultativa contendo os teóricos que mencionamos neste capítulo e o marco cronológico de cada ponto de vista:

Quadro 5 - Síntese tipológica da modalidade facultativa

(continua)

Autor Ano Categoria Conceito

Wright 1951 Modalidade dinâmica

• Noções de habilidade e disposição; • A lógica das habilidades e disposições

estaria sujeita às mesmas regras formais das modalidades aléticas.

Palmer 1986,

2001

Modalidade dinâmica

• Há circunstâncias no mundo real que tornam necessária a relação do estado- de-coisas;

• Subdividida em modalidade dinâmica neutra (circunstâncias gerais) e modalidade dinâmica orientada para o sujeito (circunstâncias características do sujeito);

• Passível de ser descartada da tipologia das modalidades.

Carretero 1991 Modalidade dinâmica

• Age sobre fatos do estados-de-coisas e refletem a possibilidade ou necessidade de acordo com as leis naturais, compreendendo (i) possibilidade (capacidade) e necessidade inerente a algo ou alguém ou (ii) possibilidade e necessidade circunstancial.

Olbertz 1998 Modalidade facultativa / inerente

• Noções de habilidades inatas e adquiridas;

• Dividida em intrínseca e extrínseca e ter orientação tanto para o participante quanto para o evento.

Quadro 5 - Síntese tipológica da modalidade facultativa

(conclusão)

Autor Ano Categoria Conceito

Hegenveld e Mackenzie

2008 Modalidade Facultativa

• Ocorre no nível Representacional e pode ser: (i) orientada-para-o-evento ou (ii)para-o-participante;

• Quando orientada-para-o-evento, designa o EC em termos de

condições físicas ou circunstanciais Quando orientada-para-o-participante, distingue a habilidade de engajamento do participante no EC entre habilidade/capacidade em intrínseca e adquirida. Neves 2016 Modalidade disposicional/ habilitativa

• Refere-se à dotação, habilitação e capacitação;

No fundo é uma possibilidade deôntica.

Fonte: Elaborado pela autora com base na leitura das obras propostas sobre modalidade facultativa

Por fim, fizemos uma breve discussão sobre algumas formas de expressão em que podemos encontrar para a modalidade facultativa no português brasileiro, a fim de explicitar as possibilidades de nossa pesquisa sobre o português no Ceará. Sendo assim, esperamos que possamos contribuir para a ciência no âmbito de ampliarmos as possibilidades de aprofundamento na análise da tipologia modal, sobretudo da modalidade facultativa em língua portuguesa.