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A EXPRESSÃO DO DESEJO PEDOFÍLICO NOS CONTOS DE

A EXPRESSÃO DO DESEJO

PEDOFÍLICO NOS CONTOS DE

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Neste capítulo, pretendemos analisar o desejo pedofílico em três contos de Autran Dourado, publicados nos livros Violetas e Caracóis (2005) e Armas e Corações (2006). Autran Dourado foi um escritor mineiro, cuja obra focaliza o interior de Minas Gerais. Em suas narrativas, são marcantes temas como solidão, morte e crime, que desencadeiam nas personagens sentimentos bem apurados em termos de verossimilhança. Dourado possui uma obra muito ampla, reconstruindo ficcionalmente assuntos sociais relativos ao contexto de Minas Gerais do início do século XX, complementando o lado psicológico de suas personagens. Dentre suas várias publicações destacam-se Teia (1947), Uma Vida em Segredo (1964), Ópera dos Mortos (1967), O Risco do Bordado (1970), Os Sinos da Agonia (1974), Armas e Corações (1978), As Imaginações Pecaminosas (1981) e Violetas e Caracóis (1987). Alfredo Bosi, em seu livro História Concisa da Literatura Brasileira (1999), afirma que:

A refinada arte de narrar de Autran Dourado […] move-se à força de monólogos interiores. Que se sucedem e se combinam em estilo indireto livre até acabarem abraçando todo o corpo do romance, sem que haja, por isso, alterações nos traços propriamente verbais da escritura. O que há é uma redução dos vários “universos pessoais” à corrente de consciência, a qual, dadas as semelhanças de linguagem dos sujeitos que monologam assumem um fácies transindividual. Assim, embora a matéria pré-literária de Autran Dourado seja a memória e o sentimento, a sua prosa afasta-se dos módulos intimistas que marcaram o romance psicológico tradicional (BOSI, 1969, p. 445).

Autran possui uma refinada arte de narrar, utilizando a técnica do discurso livre sem, contudo, alterar a norma culta da língua. Além dessa peculiaridade que enriquece sua narrativa, Dourado utiliza as memórias e os sentimentos como matéria-prima para construir suas histórias. Esses sentimentos e essas memórias possuem uma marca psicológica que vai além de um simples interiorano. Eneida Maria de Souza, em seu livro Autran Dourado (1996), pontua as semelhanças entre a escrita de Autran Dourado e as de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, afirmando que “Autran comporá, ao lado de Guimaraes Rosa, um universo ficcional mítico, no qual a história passa a ser regida pela natureza espiralada do tempo” (SOUZA, 1996, p. 20). João Luiz Lafetá, em seu ensaio “Uma Fotografia na Parede” (2004), declara que “Autran Dourado é também um contador de ‘assombros e anedotas’, um cronista dos anais do vento, um noveleiro atento para sabedoria e disparates popular […]” (LAFETÁ, 2004, p. 29). Lafetá, nesse mesmo ensaio, discute que essas personalidades “[…] é [são ]” muitas vezes o disfarce do

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‘espírito de Minas’, que encobre loucuras e ‘quarta feirices’ […]” (LAFETÁ, 2004, p. 29). No decorrer do ensaio Lafetá diz que Autran Dourado dever ser estudado psicanaliticamente, pois sua escrita mostra o tempo inteiro um estilo fosco e contido e que expressa angústias. Ele ainda afirma que Autran é um escritor sempre atormentado, o que faz com que suas obras sejam escritas de maneira meio psicológica e meio metafísica, centrando seus conflitos internos. O que Autran passa para sua escrita serve

[...] também para exprimir uma vivência local da cidade onde ‘ puxar angustia” era prática existencial e literária, cotidiana, de jovens que se sentiam emparedados, nem tanto pelas montanhas de Minas, mas pela rigidez moral daqueles tempos de tradicional família mineira” (LAFETÁ, 2004, p.31).

No decorrer do seu ensaio, Lafetá diz que em Autran vimos a solidão, a loucura, o sufoco da vida, a culpa e a morte, constante em suas obras, como por exemplo no conto “Violetas e Caracóis”, que analisaremos posteriormente. Ao falar sobre o conto, Lafetá diz mais uma vez que, o conhecimento da psicanalise é um aspecto importantíssimo na obra de Autran, que sabe manejar com a perícia e a delicadeza de artista fazendo todos os símbolos e imagens transformarem em beleza enigmática. Em “Violetas e Caracóis” Autran retrata a volta da luz da razão para

[...]as trevas do inconsciente onde nascem nossos desejos, anseios, angústias. [...] Neste que é uma das obras primas do conto brasileiro, “Violetas e Caracóis”, a habilitade de Autran Dourado logra retransformar o conhecimento racional dos conflitos interiores. (LAFETÁ, 2004, p. 33-34)

O estudo do desejo pedofílico nos contos de Autran Dourado iniciou-se em um trabalho de conclusão de curso de graduação em Letras Português, também orientado pelo professor Dr. Osmar Oliva. Nas análises dos contos, percebemos que Autran, em suas narrativas, expõe o monstro que existe em suas personagens e a luta constante com o seu interior. As personagens autranianas representam da loucura do homem; os impulsos, as repressões, as limitações, que caracterizam o povo mineiro, e é com esse intuito que Dourado tenta decifrá-las. Nos contos analisados, as personagens femininas são minuciosamente expostas, propiciando ao leitor a percepção do erotismo reprimido que existe em Minas Gerais. Segundo Autran Dourado, em “Depoimento” (1996), essa “[…] repressão, que obriga à disciplina, esse culto ao grande superego que há em

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Minas, é o que forma, de certa maneira, a consciência do mineiro” (DOURADO, 1996, p. 52), fazendo com que essa repressão seja uma das razões do bem escrever mineiro.

Os contos discutidos no trabalho de conclusão de curso foram “Mulher Menina Mulher”, procurando analisar a infantilização da mulher adulta; “Mr. Moore”, no qual temos o desejo pedofílico encarcerado, estes dois contos serão retomados e analisados no terceiro capítulo desta dissertação, e em “Queridinha da Família”, onde se analisou a violação da infância feminina, como já discutimos no capítulo I. Esse desejo pedofílico é recorrente e notório em outros contos de Autran Dourado, e nesta dissertação daremos continuidade à discussão do tema por meio das análises dos contos já citados no início deste capítulo.

Um dos contos que aqui analisamos é “Remembranças de Hollywood”, publicado no livro Violetas e Caracóis (1987). Esta narrativa é um recorte da história “Queridinha da Família”, do livro As Imaginações Pecaminosas (1981), e podemos dizer que ele é uma introdução ao que viria a ser narrado sobre o Sr. Valdemar Filgueiras em “Queridinha da Família”. Por ser muito curta e um recorte de outra, em “Remembranças de Hollywood” o narrador nos apresenta as novidades cinematográficas que chegavam a Duas Pontes: o Cine Teatro-Estrela deslumbrava os moradores daquela cidade os filmes de Hollywood, que traziam as novas do mundo moderno para o interior, despertando-lhes sensações e desejos, principalmente nos homens e nos adolescentes. As atrizes são descritas de maneira sensual e erotizada, dentre elas Shirley Temple e Hedy Lammar, sendo a primeira uma criança sensualizada, que perde suas características de menina por ser vista pelos homens de maneira totalmente erotizada, desde o início da narrativa:

Ah, Shirley Temple das nossas aflições, das nossas alegrias, dos nossos pecados![…] Ah, quem vive hoje não pode saber o que era a emoção que Shirley Temple provocava na tela e na plateia como mascote querida do regimento colonial! Quem não apreciou ela cantar On The Good Ship Lollipot, quem não chorou as mais sentidas lágrimas e não vibrou com aquelas músicas todas, com todas aquelas histórias, não sabe de nada. Os vestidinhos curtos, pregueados ou plissados, feitos especialmente para facilitar a dança e mostrar as coxinhas, os passos corridos e aéreos. Ah, as pernas e as coxas! Diziam os mais taludinhos e safados já no vício da masturbação. Ah, as roupas depois imitadas, o uniformezinho do regimento, os sapatinhos de verniz e pulseirinha, com chapinhas de ferro na ponta! Diziam as comportadas meninas boazinhas de repente todas elas estudando música e dança com dona Ordália (DOURADO, 2005, p. 11, grifo nosso).

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família”, que foi analisado no capítulo anterior. Essa mesma passagem encontra-se em contos distintos e em livros diferentes. No conto em questão a queridinha da família é vista como responsável por todos os sentimentos que eram despertados em quem assistia as suas fitas. Não havia como decifrar a emoção sentida pelo público (principalmente masculino), as belas sensações que aquela menina fazia emergir. Shirley Temple é uma criança que acaba sendo erotizada e, ao ser descrita pelo narrador, ressaltam-se as características que causavam prazer, a ponto de levar seus espectadores a se entregarem ao vício da masturbação, são enaltecidas. A ousadia dos vestidos curtos usados pela personagem de Shirley Temple, deixando à mostra pernas e coxas, despertava prazer, fazendo desaparecer a figura da criança inocente e dando lugar a uma imagem sensualizada. Todas as novidades cinematográficas recém-chegadas a Duas pontes são vivenciadas pelo escritor João da Fonseca Nogueira1, conforme descrito no final dessa narrativa:

Tudo isso foi Hollywood na meninice do escritor João da Fonseca Nogueira. Como recuperar o tempo e reviver? Como voltar à mítica Duas Pontes, submersa pelas areias do tempo? É bom não forçar a mão por causa das coronárias. Tudo passou, só isso, nunca mais (DOURADO, 2005, p. 13).

Várias narrativas e histórias foram contadas por João da Fonseca Nogueira nos contos de Autran, e algumas dessas histórias nos revelam o desejo pedofílico das personagens, abarcando o aspecto psicológico e os conflitos interiores que fazem com que a explicitação desse desejo seja a causa da danação dos que não conseguem controlar seus impulsos sexuais.

2.1 — “VIOLETAS E CARACÓIS” — O DESABROCHAR VISCO RUBRO DO DESEJO PEDOFÍLICO

Nesta seção, buscaremos analisar o desejo pedofílico presente no conto “Violetas e Caracóis”, de Autran Dourado, que está inserido no livro homônimo publicado pela primeira vez em 1981. Nessa narrativa curta, Autran nos apresenta, em primeiro plano, a vida histérica de Luizinha Porto, uma menina que sofre de supostos

1João da Fonseca Nogueira é uma figura recorrente na obra autraniana, pode-se dizer que ele se

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ataques de histeria, que a levam a ter crises de risos. O gênero conto apresenta dois planos de histórias, a história 1, que é o visível e o que norteia o tema da narrativa, e a história 2, que é a que se encontra nas entrelinhas da história, ou que vai surgindo de acordo com o desenrolar da primeira história. Sobre o conto, Ricardo Piglia, em Formas Breves (2004), explica:

O conto clássico narra em primeiro plano a história 1 e constrói em segredo a história 2. A arte do contista consiste em saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Um relato visível esconde um relato secreto, narrado de um modo elíptico e fragmentário. O efeito de surpresa se produz quando o final da história secreta aparece na superfície. Cada uma das duas histórias é contada de modo distinto. Trabalhar com duas histórias quer dizer trabalhar com dois sistemas diferentes de causalidade. Os mesmos acontecimentos entram simultaneamente em duas lógicas narrativas antagônicas. Os elementos essenciais de um conto têm dupla função e são empregados de maneira diferente em cada uma das duas histórias. Os pontos de interseção são o fundamento da construção (PIGLIA, 2004, p. 89-90).

Em geral, os contos de Autran Dourado mantêm essa estrutura do conto clássico, em que há uma história cifrada na outra, revelando algo oculto. Em suas narrativas, nada é casual, sempre haverá um elemento tido como “detalhe”, e é esse detalhe o ponto metafórico que não pode deixar de ser reparado.

Na contemporaneidade, o gênero conto também se caracteriza por apresentar uma narrativa curta, e que mantém o seu tempo e espaço em um mesmo núcleo estrutural. A história de “Violetas e Caracóis” se passa na pequena e pacata cidade de Duas Pontes e restringe-se à casa de Luizinha Porto e os consultórios dos médicos Dr. Alcebíades e Dr. Viriato. O tempo dessa narrativa percorre desde a infância da menina até os anos iniciais da puberdade e pré-adolescência, havendo uma ordem cronológica na narração dos fatos, apesar do recuo no tempo por meio da recuperação psicológica do passado.

O narrador em terceira pessoa, de maneira onisciente, relata os fatos ocorridos com a moça e os dois médicos. Não podemos afirmar que esse narrador sabe de tudo o que acontece, pois percebemos que ele narra de acordo com o que os moradores da cidade relatam. Isso pode ser comprovado na própria narrativa, quando o narrador confirma que nem tudo ele sabe em todo o tempo como, por exemplo, uma das crises histéricas da menina. O narrador passa a conhecer os fatos somente depois de acontecidos, assemelhando-se a um narrador jornalista. A esse respeito, Silviano Santiago, em “O Narrador Pós-Moderno” (2002), diz que o narrador jornalista é “[…]

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aquele que só transmite pelo narrar a informação, visto que escreve não para narrar a ação da própria experiência, mas o que aconteceu com x ou y em tal lugar e tal hora” (SANTIAGO, 2002, p. 40). E é esse narrador jornalista que vemos na narrativa de Autran:

[…] a gente depois ficou sabendo de tudo através do Mané Canhoto, ele tudo viu e presenciou, só não escutando o que o médico falou para Luizinha lá nas alturas. Como não sabia da conversa que depois se deu no quarto entre o médico, dona Clementina e o major Porto. Muito menos foi do conhecimento da gente o diálogo Luizinha – dr. Viriato, no quarto. A gente teve de imaginar […] (DOURADO, 2005, p. 190).

O conto inicia-se com a descrição das características de Luizinha Porto, em como era quando criança, seu comportamento, e como ficou ao chegar à puberdade:

AINDA MENINA LUIZINHA PORTO (por que o diminutivo, se sempre foi uma criança desenvolvida?) era triste, fechada e solitária. Mais tarde, já mocinha, ela teria amigas e seria chegada ao riso. Apesar de que o seu riso era agudo e estridente, tinindo feito ferido cristal, tímpano ou prata (DOURADO, 2005, p. 171).

Como já apontamos, o narrador sabe muita coisa, mas não sabe tudo sobre as personagens, e isso fica evidente nesse excerto, pelo uso dos verbos no futuro do pretérito “teria”, “seria”, provocando o efeito hipotético, dedutivo. No trecho anterior a este, o que o narrador soube foi intermediado por outra pessoa, o Mané Canhoto, o mais, teve que imaginar. Podemos perceber que, mesmo menina, Luizinha Porto já se apresentava bastante desenvolvida para a idade que tinha. O narrador nos apresenta esta característica da personagem ao ironizar o uso do diminutivo para nomear Luiza: Luizinha, apelido que não se encaixava ao físico desenvolvido da criança. Ninguém imaginava que a menina triste e sossegada viria a ser a mocinha eufórica, com risadas altas, sem nenhum pudor. Apesar de viver em uma época em que as crianças não eram percebidas pelos adultos, Luizinha começou a receber a atenção da avó, que insistia em dizer aos pais que a menina era doente, pois frequentemente sentia dores de cabeça e ataques de nervos. Porém, os pais da menina não confiavam nos remédios naturais feitos pela avó Georgina, “[…] com seu olho clínico, certa na mezinha caseira, infalível nas simpatias […]” (DOURADO, 2005, p. 171).

Levaram Luizinha para os cuidados do Dr. Alcebíades, que “[…] não achou nada demais na menina. Esquisitice de criança arredia, disse na sua modesta ciência”

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(DOURADO, 2005, p. 171). Mesmo diante do diagnóstico do médico, a menina continuou a dar sinais de que não estava bem mentalmente, pois continuava sendo uma menina estranha, tinha convulsões, não saía com suas irmãs, ficava acanhada entre os adultos. Devido às inconstâncias de temperamento da menina, seus pais não quiseram colocá-la no colégio comum, como todas as outras crianças “normais”, pois sua saúde exigia cuidados. Assim foi contratada uma professora particular para a menina. Só depois de crescida, resolveram matriculá-la em uma escola mista, o Colégio Progresso de Duas Pontes.

Luizinha mostrou-se uma aluna brilhante, e a professora, dona Ofélia, “[…] passou a emprestar livros de Bernardo Guimarães, José de Alencar e de Machado de Assis. Deste último nem todos, só os da fase romântica […]” (DOURADO, 2005, p. 173). Podemos perceber que a indicação de livros realistas ajuda na construção da personagem Luizinha, porque os livros realistas apresentam mulheres com seus desejos e sexualidade aflorada e guiadas por seus instintos naturais, o que poderia “influenciar” na liberação de sua sexualidade precoce. É o controle dos instintos que produz a histeria, o que será sublimado pelos seus cuidados com as violetas. A menina aprendeu francês sozinha, e foi adquirindo sabedoria e conhecimento devido à sua esperteza e curiosidade:

[…] Luizinha Porto foi crescendo não só em sabedoria mas no corpo. Sua precocidade era não só intelectual, mas física também – num instante virou moça feita. Quem olhava para ela dizia que Luizinha tinha dezoito ou dezenove anos, quando na verdade não passava dos catorze (DOURADO, 2005, p. 173).

Neste trecho, o narrador nos mostra que, apesar de ainda ser uma menina, Luizinha já tinha corpo de mulher, o que já era notado por todos na cidade, pois aparentava ter uma idade que não tinha.

Até aqui, temos uma história em primeiro plano, tida como historia 1, que é a base visível do conto: a vida meio conturbada de Luizinha Porto, com seus problemas de saúde e com seus nervos à flor da pele. Mas, como já exposto, um conto não se mantém apenas na superfície. A história 2, ou seja, o segredo que é necessário ser revelado ao final ou no decorrer do conto, começa a aparecer sutilmente na narrativa. Piglia (2004), ilustrando com Jorge Luis Borges, afirma que:

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A variante fundamental que Borges introduziu na história do conto consistiu em fazer da construção da historia 2 o tema do relato. Borges, narra as manobras de alguém que constrói perversamente uma trama secreta com os materiais de uma historia visível (PIGLIA, 2004, p. 93).

Charles Kiefer, em A Poética do Conto (2011), diz que “[…] para a contista Elisabeth Bowen, um história, se é para ser uma história, precisa ter um instante de transformação psicológica” (KIEFER, 2011, p. 45). No conto “Violetas e Caracóis” não é diferente. Para manter essa estrutura clássica, colocada por Piglia e Kiefer, acontecimentos sutis começam a surgir na narrativa de Autran, nos revelando o oculto, e confirmando o que Piglia afirma em seu texto sobre a finalidade do conto: “O conto é construído para revelar artificialmente algo que estava oculto. Reproduz a busca sempre renovada de uma experiência única que nos permite ver, sob a superfície opaca da vida, uma verdade secreta” (PIGLIA, 2004, p. 94).

A história 2, ou seja, o tema oculto em "Violetas e Caracóis" é o desencadeamento do desejo pedofílico por parte dos médicos Dr. Alcebíades e Dr. Viriato em relação a Luizinha Porto. A precocidade da menina que, aos catorze anos, já possui um corpo sensual e chamativo de mulher, vai trazendo esse desejo à tona, revelando a inquietude dos médicos. De acordo com Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, espaço em seu Dicionário de Símbolos, a violeta significa “cor da temperança, de lucidez e de ação refletida, de equilíbrio entre a terra e o céu, também é vista como a cor do segredo: atrás dela realizar-se-á o invisível mistério da reencarnação ou, da transformação” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 1999, p.960). Já o caracol, ainda de acordo com Chavalier & Gheerbrant (1999) é o “símbolo lunar, indica a regeneração periódica, e do mesmo modo que os moluscos em geral, o caracol apresenta um simbolismo sexual: analogia com, matéria, movimento e mucosidade. Entre os astecas, o caracol simbolizava comumente a concepção, a gravidez e o parto” (CHAVALIER & GHEERBRANT, 1999, p. 186). Potanto o tema oculto já estaria prenunciado no título do conto e é desvendado ao leitor no decorrer da narrativa.

Após uma crise de risos histéricos, em um baile da cidade, Luizinha Porto sofre um desmaio e é atendida pelo Dr. Alcebíades – médico respeitoso, de boa conduta e querido por todas as famílias de Duas Pontes. Apesar de ser inteligentíssimo e de ter grande conhecimento de medicina, ele não consegue achar na menina nenhum problema neurológico grave, afirmando que deveria ser apenas uma crise de nervos. Logo, o

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médico sugere que ela faça jardinagem, porém a menina não se continha ao ver as plantas morrerem e se agitava ainda mais. Como o problema da garota não se resolveu com a atividade de jardinagem, ela volta ao consultório. Contudo, sua inteligência desperta no Dr. Alcebíades um sentimento de incômodo, um certo desejo por aquela menina:

[…] você é delicada como uma violeta, disse o dr. Alcebíades, a voz rouca e trêmula feito suas mãos pálidas, os dedos compridos e brancos, débeis. […] O coração lhe batia incontrolável no peito, como em plena crise cardíaca. Olhou o belo rosto da adolescente em idade, no corpo já mulher. Os olhos brilhantes, profundos, o sorriso ambíguo. […] De repente tudo ameaçava ruir. A máscara que de tanto usar se colara à pele ameaçava soltar, cair.

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