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2. AS ARTES E O LÚDICO

2.2 A literacia artística

2.2.2 A expressão musical

Tradicionalmente a música é vista como um fenómeno sociocultural embora possa ter outras funções: recreativa, cultural, promotora de equilíbrio e terapêutica. Pode ser uma forma de ocupação de tempos livres, não só a sua audição mas até mesmo a sua prática (recreativa). Sendo um elemento cultural ela permite que o conhecimento musical seja parte integrante da cultura geral de cada um de nós. Permite melhorar a expressão corporal divulgando entre as crianças o património histórico-cultural musical da comunidade ou do país onde esta inserida.

Esta arte permite a expressão de sentimentos e ideias, traduzindo num equilíbrio entre o seu mundo interior e o exterior (fator de equilíbrio) como o exemplo das obras de Saint Saes na peça “Carnaval dos animais” ou as obras compostas que personificam o som dos relógios. Estes autores explicam que as crianças manifestam vários sentimentos (entre alegria, tristeza, lamento, queixume) na apreciação/audição de várias obras musicais.

riem-se quando os timbres dos instrumentos fazem lembrar pessoas e fazer vozes esquisitas, batem palmas e pulam quando a música parece que está a saltar, assustam-se quando a música ribomba como um travão. (Godinho& Brito 2010, p. 65)

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As atividades musicais podem proporcionar dentro da sala de aula experiências (de audição, de oralidade, de execução instrumental/corporal de fruição) que permitam compreender/observar alguma falha auditiva ao nível da discriminação, da atenção/deteção sonora, do desenvolvimento de motricidade fina, falhas de memória ou da oralidade da criança e também da sua personalidade afetiva/emocional ou psicológica (no caso de crianças que ficam hipersensibilizadas a determinados sons). Sousa, A (2003c) afirma que alguns estados afetivo emocionais podem gerar situações concentração ou dificuldade de atenção. O autor explica que

os centros neurológicos da atenção situam-se no interior do cérebro, no tálamo, estreitamente ligados ao sistema límbico, pelo que a atenção está particularmente ligada às emoções. (Sousa 2003c, p. 47)

A memória, por exemplo, pode ser um processo cognitivo muito ligado ao processamento auditivo, na medida em que o ser conservará ou enfraquecerá o registo de determinadas experiências de aprendizagem de acordo com o registo de prazer ou desprazer que o indivíduo possa experienciar. Reis (2003) partilha da mesma ideia ao defender que a memorização de quadras ou rimas, de pequenos poemas ou canções se tornam bons exercícios para a memória, para a dicção e audição musical. A autora explica que para que se melhore esta capacidade

é necessário que a experiência seja «compreendida», que faça sentido. Assim, a audição de obras far-se-á com outras atividades (e.g.mímica) em paralelo e sincronizadas, permitindo assim a partilha de significados e o fortalecimento mnemónico das músicas. (Godinho& Brito 2010, p. 100)

Com estes exercícios de expressão, e na presença de pequenos excertos musicais, a criança poderá começar a reconhecer sentidos e conotar significativamente sentimentos ao ritmo, à intensidade, velocidade, a altura da voz ou da melodia. Treina-se o canto, depois as discriminações auditivas, pratica-se um instrumento e em alguns casos a música é uma ferramenta para uma metodologia de educação pela música.

O Currículo Nacional – Competências específicas (ME/DEB 2001) demonstra a importância que a música apresenta em ligação com outras áreas de saber,

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nomeadamente Língua Portuguesa e estrangeira, Matemática, Ciências (Sociais e físico-naturais), nas Tecnologias, com outras Artes conferindo-lhe assim uma importância na mobilização de saberes e conhecimentos dos alunos. Este documento solicita que se realizem atividades que demonstrem a compreensão da música enquanto competência que permitem as habilidades de “ouvir, interpretar e compor” inseridas em situações pedagógicas que possibilitem aos alunos o entendimento do caráter cultural que esta área apresenta. (ME/DEB 2001, P. 170). Solicita-se que os educadores proporcionem contextos e ambientes onde se faça a interpretação e comunicação (cantar ou tocar individualmente ou em grupo com recursos a notações e instrumentos convencionais ou não convencionais), a criação e experimentação (compõe, recria, improvisa) através da exploração, análise, compreensão da utilização de diferentes fontes sonoras (convencionais ou não) que desenvolvam uma perceção sonora e musical, para uma contextualização da utilização e necessidade da linguagem musical enquanto meio de expressão pessoal e social.

Sousa, A (2003c) afirma que não é necessário o educador saber a técnica específica da escrita da música, nem saber tocar nenhum instrumento para poder proporcionar atividades educativas musicais que produzem efeitos de expressão pessoal e emocional, bem como desenvolvimento de motivações ou criações. O educador deve permitir um trabalho de enriquecimento e desfrutação dos repertórios musicais humanizados e não humanizados para que em idades mais autónomas e dentro já de alguns códigos e linguagens musicais aprendidos ser capaz de criar para que ele próprio se torne um ator num palco e divulgue as suas potencialidades expressivas. Ou seja o objetivo não é a música, mas o desenvolvimento da criança. Este autor explica que, entre a idade dos 9-10 anos, os alunos têm interesse em ter o seu próprio instrumento e a executar peças musicais. Tem uma maior facilidade discriminativa e percetiva o que torna a aprendizagem mais complexa dos códigos musicais bem mais interessante para eles. É mais sensível às características do som: timbre, intensidade, altura, dinâmica dos sons. Este investigador defende que quando mais cedo se iniciarem o desenvolvimento de experiências musicais melhor será para o desenvolvimento integral do indivíduo. Então para uma abordagem metodológica a seguir para o desenvolvimento das capacidades de perceção, memória,

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sensorialidade, expressão, cognição e socialização é importante que os educadores tenham em conta determinadas técnicas educativas como a utilização de jogos musicais expressivos. Os jogos musicais são uma técnica rica para o desenvolvimento de capacidades cognitivas de atenção, memória, fala, raciocínio. Jogos de ritmo, de atenção, de discriminização auditiva, de movimento, a expressão oral com variadas entoações e sentires são ferramentas de trabalho muito importante para que o educador observe o desenvolvimento da criança e a partir deste intervenha precocemente no caso de haver essa necessidade.

Existem metodologias criadas para o facilitar da compreensão da linguagem musical, bem como o ajudar a que a maioria dos educadores consiga (mesmo sem grande formação musical) implementar técnicas de animação musicais para que estas permitam que se consiga desenvolver nos seus alunos essas áreas todas de desenvolvimento: São, entre outros não citados no projeto, os métodos, Dalcroze e a metodologia de Willems (seu discípulo), o método Ward, o método de Orff e de Jos Wuitack (seu discípulo), a metodologia Kodaly e os mais recentemente criados, método de Schafer (autodidacta) e método de Gordon.

Nos finais do século XIX, a música erudita era um privilégio das elites. Os concertos eram frequentados por pessoas de classes abastadas, sendo a música popular não valorizada. Nessa altura Dalcroze, afirmava que a música era um património de todos e que devia ser generalizado, acessível e difundido criou um método (aplicado nas escolas de Inglaterra) que tornasse o ensino/aprendizagem da música acessível como o eram a aprendizagem das letras, da escrita e das ciências. Dalcroze contesta então o ensino da altura formal e ditatorial e defende que o ensino da música deveria ser baseado em atividades de ritmo, discriminação auditiva (o autor defendia que o treino auditivo era extremamente importante), execução instrumental e fruição de músicas clássicas e populares. Utiliza-se então, neste métodos, os ritmos do corpo (coração, respiração) e a movimentação (andar, marchar, correr, saltar, acelerar, desacelerar) para que se torne um abstrato em concreto. Dalcroze argumentava que o desenvolvimento de capacidades como concentração, memória, estruturas espácio- temporais, coordenação motora era fundamentais para um desenvolvimento harmonioso da personalidade. Edgard Willems defendia a par do seu mestre a técnica

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do adestramento do ouvido. Ou seja este autor não colocava de parte a prática de execução instrumental mas sim a insistência na técnica de educação do sentido da audição. Para esse autor a prática de exercícios de discriminação auditiva, o desenvolvimento da acuidade auditiva desenvolve processos de memorização, perceção, atenção, seleção que consequentemente desenvolverão a parte cognitiva. Willems argumentava que o som estava intimamente relacionado com os estados emocionais e acreditava que trabalhando a técnica da discriminação auditiva desenvolvia não só as capacidades cognitivas bem como as emocionais. É uma metodologia baseada na educação dos sentidos, neste causo da audição e sensibilidade auditiva. O método Ward nasce no princípio do século XX pela autoria de Justine ward, musicista que se interessava por assuntos de educação. Nesta criação, Ward defendeu uma didática muito voltada para a prática da voz, o ritmo, a altura, a dinâmica e a palavra cantada. A possibilidade de cantar e de expressar pela música deveria estar ao alcance de todos (por a música ser um património de todos) e não limitado a quem tivesse talentos. “Ward recorreu a uma notação numérica, representando os sons da escala diatónica central de dó a si, pelos números 1 a7. Os sons da oitava superior é representada por um ponto a seguir e os da oitava menor com um ponto anterior.” Sousa (2003c, p. 105) Carl Orff foi um compositor e experiente músico que criou um método que lhe permite que os alunos toquem e dancem ao mesmo tempo, aliando a música ao movimento- Método Orff. A partir da experimentação dos ritmos do corpo o aluno inicia a exploração de instrumentos de percussão (criados pelo próprio). Jos Wuitack foi seu discípulo. Na Hungria, (1968) através de Zoltan Kodaly, surge a ideia que as crianças devem experimentar várias sessões de fruição de música (incluindo pequenos excertos de música clássica) para que compreendam a sua beleza e saibam usufruir dela só por prazer. Este autor defendia também o uso de movimentação e gestos acompanhando a música para uma maior facilitação da aprendizagem da mesma bem como uma consciência rítmica que a mesma podia apresentar. Utilizava muito as canções populares no seu método - Metodologia Kodaly. Gordon – contrabaixista na América defende que o papel do educador para ensinar conceitos e teorias musicais é de criar estratégias programáticas que o façam ter vontade de aprender música por si mesmo, em função dos seus gostos e das suas capacidades musicais. Para este autor a capacidade de

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interpretar o som e de lhe dar significado é que futuramente os distingue de virem a ser reprodutores ou criadores das suas próprias músicas. É investigador em Educação Musical na Universidade de Filadélfia. Criou o método Gordon. Schafer (autodidata) objetiva a criação e exploração de novas sonoridades baseadas no contexto em que o indivíduo está inserido. À semelhança de outros teóricos citados, Shafer considera que um dos grandes objetivos da educação pela música é a formação integral da pessoa e o desenvolvimento da criatividade. Desenvolver habilidades cognitivas, sensitivas, expressivas e criativas, bem como a colaboração, a socialização e a estimulação de valores estéticos, parecem para este autor ser para Shafer estratégias musicais que desenvolvem e aperfeiçoam a personalidade do indivíduo. Este autor não considera importar saber corretamente os códigos e linguagens musicais porque considera que qualquer pessoa pode tocar um instrumento baseado em experiências sonoras obtidas. Para este músico a educação musical deve proporcionar experiências para que os indivíduos criem e não apenas fruam ou reproduzam. – Método de Schafer. Com a finalidade do desenvolvimento de experiências musicais o autor defende que se inicie pela audição de sons do ambiente próximo da criança e só depois se vá enriquecendo com outros contextos sonoros. A partir destas explorações as crianças são convidadas a procurar objetos ou instrumentos que recriem o som original: por exemplo o som de um raio xis que reproduza uma trovoada, o raspar de uma garrafa de plástico que pode lembrar um ronco de porco. Este professor é um motivador constante e recorre à sonorização de histórias, desenhos, fotografias para criar sons (sonoplastia) que representem as ações e as expressões humanas.

Godinho& Brito (2010) sugerem algumas técnicas que facilitam a pesquisa por qualquer educador na procura na internet de algumas obras tornando assim uma ferramenta pedagógica que pode ser bastante enriquecida. Os autores também defendem que a técnica da repetição é importante para consolidação de aprendizagens uma vez que se torna uma arte mais abstrata.

Convém portanto, que uma obra musical trabalhada num dia seja ouvida posteriormente várias vezes, para que passe a ser melhor preservada na mente e na memória. (Godinho, J. C., & Brito, M. J.2010, P. 13)

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De acordo com os autores acima citados a criação musical torna-se mais abstrata tanto ao nível de movimento (dança) como execução instrumental. Sugerem portanto que o registo em forma de áudio, gravação, fotos ou vídeos para posterior fruição são atividades importantes. Com este tipo de estratégias, as aprendizagens não só ficam consolidadas como se preservam trabalhos realizados, mas também a observação, escuta e análise por parte de todos. Será assim estimulada a crítica e a avaliação por parte das crianças, face aos seus próprios desempenhos e aos dos outros.

2.2.3 A expressão motora (dança)

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