Diante do exposto, o objetivo geral deste trabalho é atingido, na medida em que,
à luz da CRFB
235, do CDC
236e do arcabouço jurídico apresentado, especialmente,
neste capítulo 4, independentemente de lei esparsa a respeito do tema, é possível
afirmar que a omissão quanto à utilização dos agroquímicos nos produtos alimentícios
fere direitos básicos do consumidor. Esse dever faz parte do que se denomina custo
da atividade – o fornecedor não pode aderir apenas às benesses da inserção no
mercado, mas deve respeitar também os obrigações e ônus que lhes são impostos
para que façam gozo dos benefícios, como os custos de produção, dos acidentes, de
segurança e custo-base
237.
Toda relação jurídica deve ser dotada de informação, transparência e boa-fé. Na
de consumo, pela presunção de desigualdade
238, essas obrigações se destacam e
são consideradas principiológicas, em razão da vulnerabilidade que se encontra o
consumidor, parte vulnerável da relação, frente ao fornecedor. Não há qualquer
ressalva para a observação desses direitos no fornecimento dos produtos do gênero
alimentício. Pelo contrário, já que, dentre outros direitos básicos, amplamente
reconhecidos, está primordialmente o direito à vida, à saúde e à segurança
239. A
omissão da informação pelo fornecedor estaria amparada apenas na falta de lei
expressa sobre o tema, ou há um vício na falta de apresentação da informação? Sem
dúvida, a resposta à pergunta está na segunda alternativa, pois o consumidor deve
consentir livremente e de forma esclarecida
240, ademais, a informação deve ser dada
235 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
236 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União: p. 1 (suplemento), 1990.
237 CARNAÚBA, Daniel Amaral, Distribuição de Riscos nas Relações de Consumo: uma Análise Econômica, in: LOPEZ, Teresa Ancona; LEMOS, Patrícia Faga Iglecias; JUNIOR, Otavio Luiz Rodrigues (Orgs.), Sociedade de Risco e Direito Privado: desafios normativos consumeristas e ambientais, São Paulo: Atlas, 2013.
238 MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
239 BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos e; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe, Manual de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
240 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. A Oferta no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Lemos Editorial, 1997.
também com base no princípio da lealdade, que é maior do que o da veracidade, tendo
em vista que o primeiro exige contribuir, positivamente, com o interesse alheio
241.
É possível afirmar que a omissão apontada neste trabalho caracteriza uma
publicidade enganosa, já que, nos termos do artigo 37 do CDC
242, é proibida toda
publicidade enganosa ou abusiva. A partir de uma interpretação simples deste artigo,
pode-se afirmar que a publicidade é considerada enganosa a partir da indução do
consumidor ao erro, independente do caminho que se utilize para isso. O legislador
preferiu ser enfático e fazer menção específica à omissão, mesmo não sendo
necessário, já que se referiu a qualquer modo. Logo depois, o legislador ainda
complementa, com muito acerto, que a publicidade é considerada enganosa por
omissão quando deixa de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. Ora,
mas o que seria um dado essencial do produto ou serviço? Aquele capaz de eliminar
a intenção do consumidor em materializar o negócio, se este tiver conhecimento,
principalmente, associados a adequação, preço e/ou segurança
243. Obviamente que
substâncias cancerígenas utilizadas na fabricação de alimentos são um exemplo de
dado essencial.
Todavia, cabe questionar se, tecnicamente, trata-se de uma publicidade
enganosa por omissão ou de um vício no dever de informação. Pode-se defender a
segunda possibilidade, na medida em que, como ressaltado, a publicidade tem
finalidade econômica, não objetiva trazer informes ao consumidor, mas de
convencê-lo a consumir. Cavalieri Filho apresenta diferenciação entre o princípio da
transparência e da veracidade. Segundo ele, publicidade e informação não se
confundem e, enquanto a primeira está mais ligada ao princípio da veracidade, a
segunda, ao da transparência. De acordo com o primeiro princípio, o fornecedor não
pode apresentar informações falsas como se fossem verdadeiras, enquanto pelo
segundo, o fornecedor deve informar, por exemplo, sobre quantidade e qualidade
244.
241 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: critérios para a sua aplicação. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2015.
242 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União: p. 1 (suplemento), 1990.
243 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e, Das Práticas Comerciais, in: GRINOVER, Ada Pellegrini et al (Orgs.), Código de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do Anteprojeto, São Paulo: Editora Forense, 2019.