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A segunda etapa, de acordo com o referido modelo explicativo da evolução profissional, ocorre entre os quatro e os seis anos de prática docente e denomina-se fase de estabilização (Huberman, 1989, p. 7). Gonçalves (2009, p. 26), por seu lado, referencia este período da carreira entre os cinco e os sete anos do percurso profissional, podendo prolongar-se, em alguns casos, até cerca dos dez anos.

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Esta etapa é associada, em ambas as análises, ao estabelecimento de um compromisso deliberado com a profissão, através do ajustamento gradual às exigências da prática docente. Marcelo (1998, p. 66) afirma que este período se caracteriza por um maior sentimento de facilidade no desenvolvimento do trabalho educativo, no domínio do repertório essencial de técnicas instrucionais, assim como na capacitação para selecionar métodos e materiais apropriados em função dos interesses dos alunos. Nesta etapa do seu percurso profissional, os professores atuam de forma mais independente e, na maioria, sentem-se razoavelmente bem integrados com os colegas, começando a pensar numa evolução na carreira docente ou nas estruturas educativas confluentes.

Tardif e Raymond (2000, p. 227) referem que “os cinco ou sete primeiros anos da carreira representam um período crítico de aprendizagem intensa da profissão, período esse que suscita expectativas e sentimentos fortes e, às vezes, contraditórios, nos novos professores”. Esses anos constituem, para os referidos autores, uma fase realmente importante no historial profissional do professor, determinando inclusive o seu futuro e a sua relação com o trabalho docente.

A nível pessoal, este período da carreira significou uma relativa estabilização e sedentarização num âmbito geográfico mais restrito, através da colocação, durante três anos consecutivos, no concelho de Cinfães. Devido às particularidades da escola de colocação, neste caso São Cristóvão de Nogueira, pois funcionava como escola de Área Aberta/tipo P3, foi necessário efetuarmos um processo de ajustamento profissional que se revelou extremamente profícuo.

A tipologia de escolas de Área Aberta referencia uma experiência pedagógica importada dos países nórdicos nos finais da década de sessenta e que se prolongou até ao início dos anos noventa. Tinha adstrita uma filosofia específica, em que uma equipa de professores punha em prática uma pedagogia de individualização/diferenciação que implicava mudanças significativas a nível das estruturas, dos meios de ensino e das relações humanas. Em Portugal, as derradeiras reminiscências deste modelo não-diretivo de ensino/aprendizagem encontramo-las, atualmente, no projeto educativo da Escola da Ponte, com a sua priorização dos valores da autonomia, responsabilidade, democraticidade e solidariedade.

Segundo Meireles-Coelho e Silva (2007, p. 72), a experiência pedagógica das escolas P3 baseava-se no “respeito pelas diferenças individuais e pelo ritmo de cada aluno” que participava ativamente no plano do seu próprio desenvolvimento pessoal e social. Eram enfatizados os comportamentos de liberdade e autonomia, pois os alunos podiam, individualmente ou em grupo, escolher algumas atividades, constituindo-se “grupos

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permeáveis e temporários consoante as afinidades, o interesse e a aprendizagem de cada aluno” (Idem, p. 73).

Do ponto de vista estrutural, cada edifício era concebido com uma estrutura modular, adaptando-se facilmente a diferentes tipologias de terreno. No entanto, a característica educacional mais inovadora das escolas de área aberta (open space) estava no seu interior, uma vez que propunha “segmentar” o ensino da “classe”. Em vez da tradicional sala fechada, os professores tinham à sua disposição núcleos com o espaço equivalente a duas ou três salas de aula, aglutinados entre si e com espaços de apoio em comum, permitindo diferentes tarefas, com diferentes grupos de alunos, num espaço considerado como mais variado e criativo (Martinho, 2011, p. 11).

Além destas particularidades, introduzia também um espaço polivalente (não existente nas escolas do Plano dos Centenários) que funcionava como área de ligação entre os vários núcleos da escola, permitindo as mais diversas funções. Assim, as áreas de Expressões poderiam tirar proveito da sua utilização (a Expressão e Educação Física e Motora, a Musical, a Dramática e a Plástica, por exemplo), podendo servir como espaço de recreio, de refeitório e, na sua ampla utilização, poderia ainda estar ao serviço da comunidade local.

Estas singularidades estruturais implicavam também um reposicionamento do professor pois este surgia sobretudo como um promotor de educação, na medida em que coorientava o percurso educativo de cada aluno e a apoiava os seus processos de aprendizagem. Esta mudança radical de paradigma não era, no entanto, consensual entre os docentes e uma rejeição larvar foi imergindo, radicada essencialmente na incompreensão do projeto-tipo, dos seus pressupostos, da finalidade dos espaços e da sua organização.

Fruto de múltiplos impasses e incompreensões, no início da década de noventa, altura em que lecionámos em São Cristóvão de Nogueira, e no que a Portugal se refere, os fundamentos pedagógicos inerentes a estas escolas tinham-se gradualmente desvanecido, estando em refluxo final. Daí decorreu uma experiência pedagógica com alguns traços do projeto inicial, como a importância da interação da escola com a comunidade, ou a intercomunicação dos espaços polivalentes, em que as paredes fixas interiores foram reduzidas ao mínimo, sendo substituídas por mobiliário amovível. Em contraponto, as estruturas pedagógicas tradicionais, com a “classe” como núcleo basilar das dinâmicas de ensino/aprendizagem, foram substituindo paulatinamente este projeto de inovação e mudança que, passado algum tempo, acabou por desaparecer, enquanto projeto autónomo de transformação institucional.

Embora com os cambiantes anteriormente assinalados, esta experiência pedagógica configurou-se como estruturante no início da nossa carreira profissional. Como refere

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Goodson (2003, p. 752), a investigação sobre as carreiras dos professores salienta que há incidentes críticos nas suas vidas e, mais particularmente, na sua atividade no começo do percurso docente que podem afetar crucialmente as suas perceções e práticas, destacando a importância destes eventos na formação dos estilos profissionais.