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CAPÍTULO II. O CENÁRIO DE CONCENTRAÇÃO DO PODER POLÍTICO NO

2.7. A fase de transição e a Constituinte de 1988

Geisel abriu espaço para a propaganda eleitoral da oposição e, em 1978, o Congresso votou o fim do AI-5, com o restabelecimento do habeas corpus e a atenuação da Lei de Segurança Nacional. No mesmo ano, findou-se o sistema do bipartidarismo, havendo a criação de novos partidos políticos376. Em 1982, foram realizadas eleições diretas para governadores e, não obstante mantidas as eleições indiretas, os militares concordaram com a escolha de um civil para a Presidência da República em 1985377.

A Emenda Constitucional n. 7 de 1977, baixada pelo Presidente Geisel durante o fechamento do Congresso Nacional, estabeleceu a necessidade de lei complementar, de

372IGLÉSIAS, Francisco. op. cit., p. 213-214.

373 Alude-se à atribuição do Ministério Público de intervenção nas causas em face da presença do interesse

público evidenciado pela natureza da lide ou pela qualidade da parte (art. 82, III, do CPC).

374ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 34-35. 375Id. Ibid., p. 37.

376Durante a ditadura, vigorou o sistema de bipartidarismo, com a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e

o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

iniciativa do Presidente da República, para instituir normas gerais sobre a organização do Ministério Público dos Estados. O objetivo “era buscar um perfil nacional da instituição, que reduzisse suas discrepâncias regionais”378. Foi editada, assim, no início do governo de João Batista Figueiredo, a primeira lei orgânica nacional do Ministério Público (Lei Complementar 40, de 14. 12.1981), que, procurando uniformizar alguns princípios de organização e competência, acabou principiando a construção da unidade nacional do Ministério Público379.

O diploma consagrou ao Ministério Público o caráter de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, responsável pela defesa da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis da sociedade. Também foram antecipadas algumas garantias institucionais confirmadas, posteriormente, na Constituição de 1988. Além dos princípios da unidade e indivisibilidade, a autonomia funcional constou daquela lei, com a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos aliando-se a outras vantagens e benefícios relacionados ao serviço público em geral.

O processo de incorporação de prerrogativas foi um aspecto relevante na reconstrução institucional, revelando-se constante, progressivo e linear, desde a edição da Lei Complementar 40/81 até as leis orgânicas de 1993, posteriores ao ordenamento constitucional380. A partir dessa lei complementar, o Procurador-Geral de Justiça passou a ser escolhido entre os integrantes das carreiras estaduais. Até então, o chefe da instituição era de livre escolha do governador, normalmente recaindo em pessoas estranhas ao quadro das carreiras. A Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar Estadual 304, de 28.12.1982) previa que a escolha do governador deveria advir de um dos nomes indicados em lista tríplice, cuja elaboração competia ao órgão especial do Colégio de Procuradores de Justiça, composto por membros do Ministério Público que oficiam junto aos tribunais381.

378MAZZILLI, Hugo Nigro. op. cit., p. 51. 379ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 44 e ss.

380Id. Ibid., p. 47-48. A LOMPU (Lei Complementar 75/93) é a lei orgânica do Ministério Público da União,

dispondo sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União; e a LONMP é a Lei Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93), dispondo sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados. No Estado de São Paulo, a LOEMP rege a organização de seu Ministério Público (Lei Complementar Estadual 734/93).

381Iniciou-se, na instituição paulista, um movimento em prol da ampliação do colégio eleitoral para que a

escolha dos integrantes da lista tríplice passasse a ser feita por todos os Procuradores de Justiça, e não apenas pelos membros do órgão especial do Colégio de Procuradores. A reivindicação foi alcançada com a Emenda à Constituição Paulista n. 56 de 1986. Anote-se que, sancionada a Lei Complementar 40/81, a Emenda Constitucional 33, de 30.6.1982, promulgada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,

Ainda em 1981, a Lei 6.938, de 2 de setembro, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, atribuiu ao Ministério Público, privativamente, a função de promover a ação de responsabilidade civil e criminal por dano ambiental. O diploma é considerado o primeiro a reconhecer a categoria de direitos ou interesses transindividuais no sistema jurídico brasileiro. Note-se que a Lei Complementar 40/81 já definia, como uma das funções institucionais do Ministério Público, “promover ação civil pública, nos termos da lei”382. No Estado de São Paulo, a atribuição do Ministério Público nessa área foi ampliada por sua Lei Orgânica (Lei Complementar 304/82) para alcançar, além da proteção do meio ambiente, os interesses do consumidor, e o patrimônio cultural e natural do Estado383.

Durante o período de transição democrática, a preocupação doutrinária com a criação de um sistema processual para a defesa dos direitos ou interesses transindividuais passou a dominar alguns círculos de notáveis processualistas brasileiros. E o Ministério Público colocava-se como o agente concebido para a função, em virtude das atribuições já conquistadas em precedentes legislações. Mas a sua semelhança com a figura do juiz sugeria certa neutralidade e distanciamento incompatíveis com o dinamismo que a defesa dos novos direitos realmente demandava. Outro ponto desfavorável era a ligação da instituição com o Executivo, desqualificando-a para defesa de direitos ou interesses que, muitas vezes, eram lesionados por agentes deste órgão estatal384.

Assim, a possibilidade de conferir ao Ministério Público a legitimidade ativa para a ação civil pública dividia as opiniões. A ideia era centrá-la nos corpos intermediários, para prestigiar o acesso à justiça por meio da sociedade civil organizada. Graças, porém, à ação eficiente do lobby do Ministério Público do Estado de São Paulo junto ao Congresso Nacional e ao Ministério da Justiça, o projeto aprovado originou a Lei da Ação Civil Pública, de 27.07.1985, fortalecendo a posição do Ministério Público em detrimento do papel das associações civis385. A exigência de um prazo mínimo de constituição das conferiu ao Ministério Público a autonomia administrativa e financeira, dispondo de dotação orçamentária própria. A emenda também atribuiu ao Colégio de Procuradores de Justiça a competência para destituir o Procurador-Geral em caso de abuso de poder. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. op. cit., p. 54-55.

382É a redação do art. 3º, III, da Lei Complementar 40/81.

383ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 52-53. Nesse período, no Ministério Público de São Paulo, foram

criadas as primeiras Promotorias de Justiça especializadas para a proteção dos direitos difusos. Havia um dispositivo na Lei Orgânica prevendo a existência de um Promotor de Justiça em cada comarca para atuação na área, sob a designação do Procurador-Geral de Justiça.

384É a opinião do processualista italiano, Mauro Cappelletti, que influenciou o desenvolvimento doutrinário

brasileiro a respeito do tema (cf. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 51-52).

385Em 1982, em nome da Associação Paulista dos Magistrados, formou-se uma comissão de juristas

entidades para a utilização do mecanismo, conjugada à disposição do inquérito civil apenas em prol do Ministério Público, acabou desestimulando a participação dos corpos intermediários na defesa dos direitos de titularidade coletiva. O caminho mais natural era o recurso à ação do Ministério Público, que, por muitos anos, monopolizou o patrocínio das causas de tal natureza. Fortaleceu-se a relação tutelar entre uma forte instituição e uma sociedade incapaz de zelar por seus próprios interesses. Realmente, causa e efeito interagem de modo significativo: “uma sociedade civil incapaz requer um Ministério Público forte e um Ministério Público deve ser forte porque a sociedade civil é incapaz”386. Por outro lado, com o agravamento da situação econômica e dos escândalos de corrupção, o governo militar veio a se ressentir de sustentação no Congresso Nacional387. O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) encabeçava a coligação partidária para encontrar uma solução capaz de superar o impasse gerado pela ordem estabelecida e reconduzir o país à democracia. Nesse passo, a partir de 1984, intensificou-se uma forte mobilização da sociedade em torno da abertura democrática, com o movimento por eleições diretas, de enorme repercussão política e participação popular. O objetivo da campanha das “Diretas Já” era compelir o Congresso a aprovar uma emenda constitucional destinada a possibilitar a eleição direta do próximo Presidente da República. O projeto fracassou, mas o candidato lançado pela oposição, Tancredo Neves, então Governador de Minas Gerais, sagrou-se vencedor nas eleições realizadas pelo colégio eleitoral. Foi o primeiro civil eleito para a presidência depois de 1960, morrendo subitamente pouco antes de sua posse. O exercício do mandato coube, então, ao candidato à Vice-Presidência, José Sarney, indicado pelo PFL (Partido da Frente Liberal). Porém, o clima de otimismo não abandonou o ambiente da Nova República, que seguia premida pelo entusiasmo das manifestações cívicas em favor das eleições diretas. Sucederam-se assim as eleições de 1986, para formar a quarta Assembleia Nacional Constituinte da República.

À época da Constituinte de 1988, nas carreiras do Ministério Público, expandiram- se os debates em torno do rumo da instituição a partir da redemocratização do país. desse grupo, formado por Ada Pellegrini Grinover, Candido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Mariz de Oliveira Júnior, foi encaminhado ao Congresso Nacional no início de 1984. Outro projeto, porém, foi lançado por membros do Ministério Público do Estado de São Paulo, o qual foi encaminhado pela CONAMP (Confederação Nacional do Ministério Público) para o Congresso Nacional também em 1984. Após um período de intenso debate no parlamento, os pontos relevantes em benefício do fortalecimento da atuação do Ministério Público acabaram sendo acatados, com a promulgação da Lei da Ação Civil Pública (cf. ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 57-60).

386ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 75. 387IGLÉSIAS, Francisco. op. cit., p. 214.

Contando com grande mobilização de seus agentes, principalmente do Estado de São Paulo, o resultado foi o encaminhamento de um documento versando sobre uma redefinição radical da organização do Ministério Público, com vistas à inclusão no novo texto constitucional. O projeto ficou conhecido como Carta de Curitiba, porquanto ter sido aprovado no Primeiro Encontro de Procuradores-Gerais de Justiça e Presidentes de Associações do Ministério Público, realizado em junho de 1986, na Capital do Estado do Paraná.

No curso dos trabalhos da Assembleia Constituinte, a CONAMP encaminhou ao Congresso aquela proposição, que teve origem, principalmente, em cinco fontes: a) o aparato jurídico preexistente (a Carta de 1969 e a Lei Orgânica 40/81); b) as teses aprovadas no VI Congresso Nacional do Ministério Público de 1985; c) uma pesquisa formulada pela CONAMP contando com um questionário respondido por 977 (novecentos e setenta e sete) membros do Ministério Público; d) o anteprojeto apresentado pelo então Procurador-Geral da República, Sepúlveda Pertence, à Comissão de Estudos Constitucionais, conhecida como Comissão Afonso Arinos; e) uma consolidação provisória elaborada pela própria CONAMP para aquele encontro de Curitiba388.

Um ponto-chave para a organização constitucional do Ministério Público era a sua chefia. A pesquisa realizada pela CONAMP em 1985 revelara que 62% (sessenta e dois por cento) dos entrevistados preferiam que o Procurador-Geral fosse eleito apenas por seus pares; 22% (vinte e dois por cento) dos entrevistados aceitavam a nomeação pelo chefe do Executivo; e apenas 1,5% (um e meio por cento) concordavam com a livre escolha da chefia do Executivo389. No entanto, a histórica hegemonia desse órgão não poderia deixar de frear o ímpeto de independência do Ministério Público, restando atribuída ao governador a escolha do Procurador-Geral de Justiça, entre os nomes indicados em lista tríplice formada pelos membros das carreiras estaduais. Para a cargo de Procurador-Geral da República, a própria Carta de Curitiba, não só mantinha intacta a escolha do nome pelo Presidente da República, como possibilitava que ela recaísse em figuras estranhas aos quadros funcionais do Ministério Público. A Constituinte corrigiu apenas a última

388MAZZILLI, Hugo Nigro. op. cit., p. 86. Cf. também ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 77-78. 389ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 81. A pesquisa da CONAMP também revelara que 76% dos

membros do Ministério Público entrevistados consideravam que o Ministério Público deveria figurar na Constituição em um título alheio aos da organização do Executivo, Legislativo e Judiciário; 10% queriam vê-lo no capítulo do Executivo; 8,7% no capítulo do Judiciário, e apenas 0,5% no capítulo do Legislativo.

distorção para impor a condição de membro da classe à assunção da chefia do Ministério Público da União390.

Também foi objeto de discussão o sistema de incompatibilidades para os membros da instituição. Segundo a pesquisa da CONAMP, os agentes entrevistados não atribuíam grande importância à questão das vedações. O exercício da advocacia foi condenado por 40% (quarenta por cento) dos entrevistados como a atividade mais incompatível com as funções do Ministério Público. Logo em seguida, vinha o exercício de atividade político- partidária, por 24% (vinte e quatro por cento) dos entrevistados, mas apenas 2% (dois por cento) consideravam a inviabilidade do exercício de algum cargo no Executivo do Estado391.

“A Constituição confirmou a proibição à advocacia, à atividade político-partidária

(...) e ao exercício, ainda que em disponibilidade, de qualquer outra função pública, exceto uma de magistério”392. Ficaram também vedadas a prestação de serviços de consultoria e a representação judicial de entidades públicas, com a confirmação do princípio já consagrado na Lei Complementar 40/81 do exercício das funções institucionais apenas por integrantes das carreiras393. Mas o tratamento casuístico conferido às vedações refletiu-se no direito de opção pela permanência no regime anterior ao diploma constitucional, para os integrantes das carreiras que nelas tivessem ingressado antes de 1988. O precedente sistema da Lei Complementar 40/81 e da Carta de 1969 só impedia a participação em sociedade comercial e o exercício da advocacia. “Paradoxalmente, ingressar ou não na nova ordem constitucional – no que diz respeito aos impedimentos – tornou-se uma questão de escolha pessoal dos membros da instituição”394. Apesar de concebidas para conferir maior independência no desenvolvimento das funções institucionais, as vedações foram deixadas ao alvedrio da vontade pessoal dos interessados.

390Sepúlveda Pertence, então Procurador-Geral da República, teria influenciado a proposta sobre a forma de

escolha do Procurador-Geral da República que acabou constando da Carta de Curitiba. (ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 81).

391Id. Ibid., p. 82-83. 392Id. Ibid., p. 83.

393O regime de vedações constou do art. 128, § 5º, II, a a f, da CF de 1988. A norma do § 2º, do art. 129,

trouxe a prescrição do exercício das funções do Ministério Público apenas por integrantes da carreira, enquanto a proibição de representação judicial e de consultoria jurídica das entidades públicas veio explicitada no art. 129, IX.

394ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 83. A possibilidade de opção pelo regime anterior para os

membros do Ministério Público admitidos antes da promulgação da Constituição foi introduzida no art. 29, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

Com a Lei da Ação Civil Pública, abriram-se as portas para a ampliação das atribuições conquistadas posteriormente na Constituinte de 1988. A introdução do

ombudsman na Lei Fundamental foi afastada por influência do Ministério Público, que insistiu em incorporar a correspondente função, inserindo-a no sistema da justiça brasileira395. Sem prejuízo do monopólio da propositura da ação penal, a utilização do instrumento da ação civil pública foi elevada ao plano constitucional para a defesa de qualquer direito ou interesse transindividual, com a expressa menção à proteção do meio ambiente e do patrimônio público e social. Também não foi afastada da instituição a ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos, somente sem o êxito de mantê-la sob o seu exclusivo monopólio396.

Os esforços do Ministério Público junto à Constituinte tiveram também um papel decisivo para a introdução de suas garantias no texto constitucional. Não faltou a autonomia funcional, administrativa e financeira, com a inclusão da inamovibilidade, vitaliciedade, irredutibilidade de subsídios e, em especial destaque, a independência funcional397. Todas as garantias eram apontadas como essenciais ao desenvolvimento do rol das tarefas atribuídas à instituição. Não abandonando a posição de neutralidade exigida dos integrantes do Judiciário, a estratégia política adotada pelo Ministério Público foi a de ir se distanciando, ao máximo, da ideia de proteção do interesse público vinculado ao interesse do Estado.

De forma bastante ambígua, muito embora procurasse apresentar-se como uma instituição concebida para a defesa dos interesses gerais da sociedade, a prática corporativa era bem diferente. O Ministério Público continuava à sombra do Executivo, com o afastamento de vários de seus integrantes para o exercício de cargos e funções de primeiro

395ARANTES, Rogério Bastos. op. cit., p. 87-88.

396A intenção dos membros do Ministério Público era manter o monopólio da instituição sobre a

representação de inconstitucionalidade perante a Suprema Corte. O Procurador-Geral funcionaria como um agente intermediário, decidindo sobre o encaminhamento da representação formulada pelos sujeitos que sagraram colegitimados para o ajuizamento da ação. O legislador constituinte, no entanto, optou por incluir o Procurador-Geral num rol de nove titulares para ação, contrariando, nessa área, a proposta da instituição. Porém, antes da ruptura da exclusividade do Ministério Público para a iniciativa, no período compreendido entre 1985-1988, houve o crescimento do número de representações por inconstitucionalidade. A maioria das hipóteses incidia sobre leis estaduais contestadas em face da Constituição Federal. O fato se explica pela evolução do federalismo brasileiro, ao longo da transição do regime autoritário para a democracia. A redemocratização política brasileira começou no plano estadual, com as eleições em 1982. A partir de então, aumentou o grau de autonomia das unidades federativas estaduais, com o enfraquecimento do governo federal. É possível supor, então, que o crescimento do número de representações por inconstitucionalidade durante o período de 1985-1988 resultou da tentativa de controlar a produção normativa estadual para mantê-la em consonância com os interesses da União. Cf. ARANTES, Rogério Bastos. Ministério Público e política no Brasil, cit., p. 91-92 e 94.

escalão junto aos governos estaduais e também junto ao governo federal, em relação ao qual a vinculação do Ministério Público mostrou-se, sem dúvida, intransponível durante o regime ditatorial. Os membros do Ministério Público afastados das carreiras representariam importante instrumento da política institucional, de cunho altamente corporativista, para a efetivação do projeto de garantias e “vantagens (...), inclusive de ordem econômico-financeira relacionadas ao sistema remuneratório e orçamentário”398

A Constituinte trabalhou mais de um ano para a promulgação da Constituição em outubro de 1988, com a preocupação central de garantir os direitos fundamentais da pessoa humana. Houve a ampliação da universalidade do voto, tornando-o facultativo para os analfabetos, além da possibilidade de exercício desse direito pelos jovens a partir de 16 (dezesseis) anos de idade. Restrições à formação e ao funcionamento dos partidos políticos também foram eliminadas. E a extinção da exigência de fidelidade partidária propiciou a constante troca de partidos por senadores, deputados, vereadores, governadores e prefeitos. Do excesso de restrição durante o governo militar “passou-se a grande liberalidade”. Subsistiu a distorção regional na representação parlamentar, com o princípio de “uma pessoa, um voto”amplamente violado pela legislação brasileira. O desequilíbrio do sistema de representação democrática foi reforçado pelo fato de todos os Estados elegerem o mesmo número de senadores, acentuando a sobrerrepresentação das unidades federativas do Norte. Centro-Oeste e Nordeste399.

Ao lado dos direitos civis e políticos, o reconhecimento dos direitos sociais dotou- se de considerável abrangência, não obstante a persistência de “grandes desigualdades sociais que caracterizam o país desde a independência, para não mencionar o período colonial”400. De natureza racial e regional, não foi afastada da sociedade brasileira a desigualdade que concentra nas mãos de poucos a riqueza nacional, provocando “níveis dolorosos de pobreza e miséria”401. De todo modo, após 1985, recuperaram-se os tradicionais direitos civis, como a liberdade de expressão, imprensa e de associação. O racismo foi previsto, na Constituição, como crime inafiançável e imprescritível, e a tortura

398MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Ministério Público brasileiro: um novo ator político: o Ministério

Público e as organizações não governamentais sem fins lucrativos: estratégias para o futuro. In: VIGLIAR, José Marcelo Menezes; MACEDO JR., Ronaldo Porto (Coords.). Ministério Público II: democracia, cit., p. 111.

399CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: um longo caminho, cit., p. 201-202.

400Id. Ibid., p. 207. O sistema de proteção dos direitos humanos constou do Título II da Constituição, com a

especificação dos direitos econômicos, sociais e culturais nos subsequentes Títulos VII e VIII.

como crime inafiançável e não anistiável402. Próprio das chamadas sociedades de massa, assegurou-se a proteção do consumidor também na condição de um direito fundamental, e a fundamentalidade do direito à propriedade ficou condicionada ao atendimento da função social403.

Na esteira da criação da Lei da Ação Civil Pública, o legislador constituinte