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acontecer, Se eu desenhar

60 A filosofia discute amplamente esse conceito.

144 Então, longe de escolhê‐los aleatoriamente para a produção dos desenhos, a intencionalidade dessa escolha é fundamental pelo motivo de que compreendemos tais materiais como propulsores de experiências estéticas.

É factual que na instituição pesquisada há variedade de materiais para as produções infantis. Existe um ateliê disponível para os professores com grande variedade de materiais, além daqueles em estoque no almoxarifado. Seu uso é livre e estimulado pela coordenação da instituição, conforme foi observado e registrado durante a coleta de dados.

Ainda que haja tal disponibilidade de recursos para as ocasiões de desenho, encontrei uma pequena variedade disponibilizada de material pedagógico ao longo das observações realizadas. Esse fato me chamou atenção por não condizer com as produções expostas nas paredes da instituição, as quais, em sua maioria, empregavam diferentes materiais, cores, formas, texturas, elementos e propostas para o desenho das crianças. A multiplicidade encontrada nos desenhos expostos era consideravelmente maior do que as encontradas no dia‐a‐dia de qualquer um dos grupos. Diferente do que as produções expostas exemplificavam, o cotidiano apresentou‐se com pouca diversificação, sendo que os materiais privilegiados eram os que não dispensavam organização ou limpeza extraordinárias.

Isso nos possibilita refletir a respeito dos materiais expostos e materiais de uso cotidiano para que compreendamos de que modo os desenhos são escolhidos para serem colocados no ambiente externo. Por que somente os desenhos considerados “mais elaborados”, com os materiais diferentes do uso comum, estão expostos? Por que os desenhos considerados “informais” realizados com o material de uso cotidiano não são expostos? Que intencionalidade existe em socializar determinado tipo de produção em detrimento de outra? Para quem essas produções são expostas? O incomodo gerado por essas questões sugere que as aprofundemos no item seguinte deste capítulo.

145 Nos dias de observação em campo, foram presenciadas vinte e cinco produções de desenhos. É importante relembrar que as observações foram realizadas em dias não‐fixos, a fim de evitar que a expectativa pela presença da observadora fosse o mote impulsionador do planejamento do dia. Ou seja, como as professoras não sabiam o dia exato da observação, não poderiam planejar necessariamente propostas “mais elaboradas” para aqueles dias em específico.

Dessa maneira, as observações realizadas em dias aleatórios, possibilitaram organizar a seguinte tabela de uso do material:

Tabela 8 – Uso do material

MATERIAL GRUPO 1 GRUPO2 GRUPO 3 TOTAL %

Quantidade de ocasiões de desenho 4 8 13 25 100 Papel sulfite (Vários tamanhos) 3 4 7 14 56 Cartolina e Papel Cartão (Vários tamanhos) 1 2 3 6 24 Papel Craft 2 2 8 Maquiagem 1 1 4 Canetinha Hidrocor 3 4 7 28 Giz pastel 4 2 2 8 32 Guache (Várias cores) 2 2 8 Nanquim 1 1 4 Lápis de cor 1 3 4 16 Xerox ou recorte de revista 1 1 4 Socialização dos desenhos prontos ou em andamento 2 2 8

Fonte: Registros da pesquisadora

Apesar da disponibilidade de materiais diversificados por parte da instituição, o uso do material‐comum prevaleceu de forma considerável61. Considero material‐

61

O fato de os materiais‐comuns sobressaírem no cotidiano da instituição não implica que as crianças usem apenas giz, mas que a variação dos materiais é mais eventual do que diária.

146 comum aquele encontrado como base no trabalho da maioria das instituições: papel sulfite, canetinha hidrocor, giz de cera e lápis de cor. Na instituição em destaque, o giz pastel substitui o giz de cera, ampliando as possibilidades de utilização do giz, já que ele permite a mistura das cores (o que não ocorre com o giz de cera), além de possuir uma textura diferenciada. No entanto a maneira como é utilizado permaneceu produzindo sentido semelhante àquele nas propostas observadas. O fato de que 68,5% do material utilizado nas ocasiões de desenho ser material‐comum remete à reflexão dos motivos que levam as professoras a utilizar geralmente os mesmos materiais.

É habitual ouvirmos o discurso em instituições públicas de que não há variação de recursos por carência financeira. Esta afirmativa sugere para as instituições particulares o mito da melhor qualidade, pois, em geral, apresentam recursos materiais mais adequados ou em maior quantidade. Todavia o dado que se apresentou nesta pesquisa traz uma indicação contrária a tal afirmativa, tendo em vista que a não utilização de materiais diversificados ou alternativos inclusive quando há tal disponibilidade também se fez presente nesse espaço o que pode ser observado na fala de uma das professoras:

Pesquisadora: E com relação aos materiais, eu vi que eles têm giz pastel e outros materiais de uso individual. Em geral, são esses materiais que estão na sala que são utilizados?

Professora: Sim, é.

Pesquisadora: Mas os materiais que tu comentaste como guache e nanquim, não vêm pra sala?

Professora: É, a gente tem até todo o acesso aqui do lado [almoxarifado]. Tem tudo ali, mas estão sendo pouco utilizados. Têm tudo na escola, nanquim... Cola colorida, eu até tenho no meu armário...” (Trecho da entrevista com professora do grupo III, realizada em 10/05/2007).

A partir dessa fala, em que fica evidenciado o oferecimento dos materiais e sua falta de utilização, é possível afirmar que não variar os materiais se relaciona muito menos ao oferecimento e muito mais à opção das profissionais, que, em geral, preferem os elementos de fácil utilização, os quais necessitam de menos empenho em sua organização e limpeza. O fato de a escolha dos materiais estar mais relacionada ao interesse dos professores que do oferecimento da IEI não

147 exime a instituição da responsabilidade perante essa realidade, pois é preciso pensar juntamente com as professoras soluções para os dados apresentados. Será o caso, por exemplo, de ampliar a formação no que se refere ao uso e possibilidades de tais materiais? Ou alocar um profissional específico para organizar os materiais para as professoras?

De qualquer forma, é primordial compreendermos que considerar a variação de materiais importante para ampliação do vocabulário visual da criança não significa variar incondicionalmente os elementos para a ocasião do desenho. A importância do material está na materialidade que ele oferece ao desenho como linguagem.

Cada tipo de material oferece possibilidades diferentes para que as crianças experimentem seus desenhos. São linguagens diferentes, portanto possuem sua gramática. Cada material usado é uma abertura para outro mundo lingüístico, é uma maneira a mais de se comunicar e expressar‐se tanto no que se refere à sua subjetividade quanto sobre o que compreendem e o que e como se apropriam do mundo. Dessa maneira, oferecer materiais diversificados para as ocasiões de desenho é ampliar as possibilidades as quais a linguagem do desenho possui, é permitir que as crianças adquiram mais recursos para ampliar seus discursos, afirmando‐se como sujeitos que não carregam mais a concepção de infans atrelada à vivência no espaço educativo.

Ana Angélica Albano Moreira afirma que toda criança desenha e a maioria dos adultos afirma não saber desenhar. Esse fato ocorre porque o desenho, tal qual qualquer outra linguagem, é conquistado com exercício, repetição e aumento de vocabulário (ALBANO MOREIRA, 2007). Em geral,os adultos possuem o desenho muito semelhante à maneira que desenhavam aos sete anos, pois era o período que se deixava de desenhar para adquirir a linguagem escrita. Tal fato fazia com que o desenho fosse secundarizado, limitando desenvolvimento do vocabulário

visual e a comunicação realizada através dele. Dessa forma, é possível

148 possibilidade de desenvolvimento dessa linguagem. Todavia, se apresentarmos todos os dias uma novidade para a criança apropriar‐se através do ato de desenhar, como irá desenvolver as possibilidades que já possui?

Nesse sentido, importa não somente variar, mas desenvolver e aprimorar o uso dos elementos oferecidos para desenhar; pois, se cada dia trouxermos às crianças um tipo de material para ser usado na ação de desenhar e não repetirmos seu uso, tornando‐o eventual, como a criança poderá se apropriar de suas características para, enfim, utilizá‐las em favor de um desenho que comunica? A falta de recorrência implicará falta de aumento de vocabulário e, consequentemente, não haverá ampliação ou aprofundamento na comunicação da criança através do desenho. Na verdade, o uso de materiais diferenciados nas situações de desenho é como um desafio que deve ser estabelecido com as crianças, expandindo o grau de dificuldade (e profundidade) gradativamente. É preciso momentos para, primeiro, experimentar o material, perceber como funciona, sua consistência... E, depois de compreender como se dá o processo de marcar um papel ou outra superfície através daquele utilitário, empregá‐lo como recurso para alcançar determinada proposta.

Quando oferecemos o material e repetimos intencionalmente sua utilização a fim de que a criança refine sua forma de utilizar esses elementos, estamos ampliando a possibilidade de comunicação da criança a partir do desenho. A variação dos materiais utilizados nas ocasiões de desenhos na educação infantil não objetiva trazer novidades (como uma Pedagogia do Shopping Center62), mas ampliar as possibilidades de alfabetização visual.

Quando questionamos o uso do material nas ocasiões de desenho, buscamos trazer uma reflexão sobre sua utilização de forma intencional. Saber por que

62

Ana Angélica Albano Moreira (2007), afirma que algumas aulas de arte assemelham‐se à ideologia dos Shopping Center: cada dia, uma novidade para atrair a atenção do público. A partir de sua fala, é possível definir também como Pedagogia Shopping Center aquela em que, além da necessidade de sempre ter novidades, independente de tê‐las aprofundado ou as tornado significativa para as crianças, também oferece modelos comercializados que instigam as crianças aos estereótipos e ao consumismo.

149 estamos oferecendo esse elemento e não outro, ou por que estamos repetindo esse elemento hoje e variando as possibilidades em outro momento. Objetivando sempre que a criança amplie suas possibilidades e suas alternativas para se comunicar com o mundo, apropriando‐se de elementos novos que lhe ofereçam novos conhecimentos, sentido e significados.

A importância do material está, portanto, na materialidade que ele oferece à criação das crianças, oportunizando à criança plasmar as expressões em uma superfície. O professor, tendo a consciência tanto da necessidade da variação dos materiais quanto do refinamento deles, compreende que tal escolha é a chave que desencadeia as situações necessárias para presentificar essa materialidade.

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4.4 A hiperbolização do ‘produto’ ou do ‘processo’

durante e após o ato de desenhar

... Pois se vacas