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Na Antiguidade, antes de Platão, a conduta humana era guiada pelo que Nietzsche chama de moral do senhor. Tal moral consistia em haver um governante sobre todo um povo. Ele não cuidava somente dos afazeres da cidade. Era seu dever ordenar o que cada servo deveria fazer. Nesse sentido, o senhor era dono das terras e do povo que ali residia. Nietzsche defende este tipo de moral pelo fato do senhor ser aquele que vive segundo a sua vontade de poder. Os servos, por sua vez, são aqueles que não tem a vontade necessária para isso, vivendo subjugados a um senhor.

Deste modo, a moral do senhor consiste na obediência dos mais fracos. Aquele que, segundo Nietzsche, não tivesse a vontade necessária para controlar a sua própria vida, deveria entregá-la a alguém que a fizesse por ele. O senhor era aquele que além de controlar sua vida, controlava a dos seus servos. Com o tempo, porém, os servos reivindicaram uma moral para si. Isso fez com que Nietzsche apontasse para a existência de duas morais. “Há uma moral dos senhores e uma moral de escravos (...).” (NIETZSCHE, 2005a, p. 155). Assim, as duas morais identificadas por Nietzsche são: a dos senhores e a dos servos.

A moral do servo, no início, propunha que o homem deveria ser subjugado por seu senhor. Isso significa que o servo deveria seguir o seu senhor sem questioná-lo. Essa moral é fortemente criticada por Nietzsche, porque os servos deixavam de lado sua vida para viver segundo a vontade do senhor. Ao longo do tempo a moral dos servos evoluiu. Ela não subjugava mais os servos. A partir desta evolução, todos deveriam deixar de lado as suas vidas, suas vontades, seguindo uma conduta pré-determinada. Essa conduta era defendida, segundo Nietzsche, a uma entidade eterna, imortal e infinita. Assim, o senhor foi obrigado a abandonar sua vontade.

Neste sentido, a diferença entre as duas morais consiste no fato da dos senhores ser entendida como uma conduta aristocrata, onde a vontade do senhor era a coisa certa a se fazer e a dos escravos ter como objetivo fazer com que todas as pessoas sejam iguais, sem que haja pessoas melhores que outras. Para defender a igualdade, esta conduta cria uma entidade superior, fazendo com que todas as pessoas sejam subjugadas a este modo de vida.

Na obra ‘Genealogia da moral’, Nietzsche mostra a moral que precede a conduta platônico-cristã. O início da valoração, que é dividida em bom e mau, bom e ruim, é encontrado no passado da cultura grega. Esta divisão é encontrada, inicialmente, na relação entre a estirpe senhorial dos nobres e a baixa dos servos. “O pathos da nobreza e da distância, como já disse, o duradouro, dominante sentimento global de uma elevada estirpe senhorial, em sua relação com uma estirpe baixa, com um “sob” – eis a origem da oposição entre “bom” e “ruim”.” (NIETZSCHE, 1998, p. 19). O bom, aqui, é o nobre que nomeia as coisas ao seu redor, identificando-as.O ruim, por sua vez, é aquele que acata as ordens do seu senhor e aceita as identificações feitas por ele. Esta moral foi empregada pelo próprio nobre. Ele, enquanto autoridade, estabelece a conduta de maneira tal que o bom é aquilo que ele faz e o mau, inferior, aquilo que o plebeu faz. Porém, para Nietzsche, quem criou a visão dicotômica, bom e ruim, foi o próprio servo. Por existir alguém que se propôs a controlar a sua vida, ele identificou nesta pessoa o conceito de bom, enquanto ele se entendeu como ruim. O senhor não se preocupa com o que é bom ou ruim. Ele se preocupa apenas com a sua vida e a de seus súditos (coma a vida, sua vontade).

Neste sentido, os conceitos bom e ruim foram criados pelo servo para diferenciá-lo do senhor. Estes conceitos geraram a moral do senhor e, em seguida, a moral do servo. Os servos inverteram os conceitos que criaram, considerando sua moral boa. Com isso, as entidades criadas pela moral dos servos foram transformadas em bem e tudo o que se opunha tornou-se o mal. Assim, Nietzsche nega tanto os conceitos de bem e mal quanto de bom e ruim. Ser criações dos servos é outro argumento que defende a posição nietzschiana. Isso se deve ao fato de que os servos, segundo Nietzsche, apenas criam morais para limitar a vida. O homem que segue a sua própria vontade, não se considera nem bom nem ruim. Ele apenas vive a sua vida.

O nobre, segundo Fustel de Coulanges, é o homem responsável pela cidade grega. Sua responsabilidade consistia em cuidar do Deus que representava a sua família. Cada família

louvava um deus e tinha um representante na cidade grega. “Todas as famílias tinham seu chefe, como tinham seu deus e seu altar.” (FUSTEL de COULANGE, 2005, p. 97). Como representante da família, ele deveria cuidar não só do culto ao seu deus, como também deveria estabelecer as regras que os outros membros da família deveriam seguir. Além disso, o nobre era responsável pela manutenção das regras já existentes.

Segundo o exposto acima, o homem responsável pela família é considerado, por Nietzsche, o senhor, que controla a família e aqueles que vivem em suas terras. Assim, ele é o bom dos servos, enquanto os demais membros da família e os que vivem em suas terras seriam inferiores, o ruim. É importante ressaltar que esta é a visão dos servos perante o senhor. Nietzsche, por sua vez, põe-se a moral de servo, pois ela limita a vontade do homem. Sua oposição se dá pelo fato de tal moral persistir até o seu tempo. Por esta razão, o homem tornou-se niilista. Assim como Nietzsche, a moral de servo se opunha a do senhor pelo fato de ela ter se tornado niilista, ou seja, o homem, passou a negar todos os aspectos da vida em vez de negar aqueles propostos pela moral vigente.

Com isso, a moral anterior a Platão não visava ações que tem como objetivo tornar o homem igual a todos os demais. Ela não concebe a existência de um mundo superior ao dos sentidos e, não pré-determina condutas. Isso significa que a moral anterior à conduta platônico-cristã, não quer transformar o homem em um cumpridor de regras e nem fazê-lo acreditar em um mundo além deste. “Devido a essa providência, já em princípio a palavra “bom” não é ligada necessariamente a ações “não-egoístas”.” (NIETZSCHE, 1998, p. 19). A moral anterior classificava o homem em bom (nobre) e ruim (plebe). Segundo a visão dos servos da época. Nesse sentido, a diferença fundamental entre estes dois tipos de conduta é que, a moral mais antiga não tinha como objetivo impor regras a consciência humana, como faz a valoração platônico-cristã.

A moral platônico-cristã, entendida como sendo a dos escravos, é criada a partir da negação da moral dos senhores. A dos nobres é concebida como senhora de si mesmo, como aquela que conduz a própria vida utilizando-se apenas da vontade. A do escravo se utiliza da negação desta aceitação de si. “É do procedimento contrário que se origina a moral de escravo, que nasce de uma consideração do outro, de um não dirigido ao outro.” (MOURA, 2005, p. 123). Isto significa que o surgimento da moral do escravo se deve ao fato dela ter negado a moral dos senhores. Sua negação consiste no fato da moral dos servos privar a

vontade em si mesmo e a vontade existente nos outros. A igualdade proposta por esta moral é uma mútua negação da vida. Com isso, o homem deixa de aceitar a si mesmo como o dono de sua vida e vive com base na crença de que a vida pertence a Deus. A moral do escravo preocupa-se, então, com a igualdade entre as pessoas. Não é permitido que um homem viva segundo a sua vontade.

Portanto, a moral platônico-cristã tem sua origem na moral do senhor e do escravo. O fundamento da moral platônico-cristã encontra-se na negação da moral do senhor. Isto levou a uma inversão da moral do senhor, onde o mais forte controlava os mais fracos. A moral do escravo, por sua vez, tornou todos os homens iguais, ou seja, tanto os fortes quanto os fracos são considerados iguais perante esta nova moral.