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A Financeirização e o desempenho corporativo na indústria automobilística

2.3 A Financeirização e o Desempenho Corporativo

2.3.1 A Financeirização e o desempenho corporativo na indústria automobilística

A cada dia a lógica da financeirização predomina no setor automotivo, quando se constata uma contínua multiplicação da rede de subsidiárias financeiras deste ramo. Estes grupos de empresas passaram a atuar no mercado como agências do mercado financeiro, como uma espécie de instituições financeiras, que negociam, compram e vendem suas ações e de outras firmas, buscando o retorno sobre o investimento no curto prazo (STOCKHAMMER, 2000).

A nova agenda de pesquisa trouxe questionamentos quanto às abordagens dadas pelos estudiosos do ramo, contrapondo-se àqueles que apostaram na “era do Fordismo” (produção em massa e economia de escala). A partir desses estudos, novas formas de controle e de gestão surgiram, questionando a tendência predominante das pesquisas anteriores de Womack et al. (1990), descrita pela obra chamada “A máquina que mudou o mundo”. Esta obra reforçava a combinação da indústria com o capitalismo como “faces da mesma moeda”, como as combinações “carros e fábricas”, “produtos e processos”, dando à indústria o status de locomotiva da economia que sustentava o sistema capitalista. Assim, a nova agenda de pesquisa e o ambiente corporativo passam a questionar aquele modelo industrial e a reforçar o papel do mercado financeiro como protagonistas da nova concepção de controle (FROUD, JOHAL & WILLIAMS, 2002).

A evolução das pesquisas trouxe fundamentos sólidos com base em dados empíricos que confirmaram o aumento das atividades financeiras em diversos mercados, tais como as montadoras de veículos. Entre elas, menciona-se Daimler, Fiat, Ford, General Motors, Honda, Hyundai, Toyota e Volkswagen. Diversos estudos, como os de Borghi, Sarti & Cintra (2013), demonstram que todo esse movimento impactou na composição dos ativos das empresas, na sua estrutura de capital, no seu grau de exposição financeira e no seu endividamento. Por meio da Figura um, a seguir, tem-se as principais fontes de ativos das empresas anteriormente mencionadas (BORGHI, SARTI & CINTRA, 2013).

Figura 1 ― Origem dos lucros líquidos no período de 2000 a 2009 (%).

Fonte: Borghi, Sarti & Cintra (2013, p. 393).

Na Figura um, constata-se nas colunas que estão hachuradas o lucro líquido oriundo do segmento automotivo (produtivo) e nas colunas em branco o lucro líquido oriundo do segmento financeiro. Nas montadoras General Motors Company (GM) e Ford, como já esperado, prevalece na composição do capital aquele de origem financeira. Principalmente a Ford, em todos os anos. A Volkswagen apresenta resultados para os dois segmentos em equilíbrio, a maior para o ramo produtivo em todos os anos. As demais montadoras asiáticas

apresentaram um maior lucro líquido oriundo das atividades automotivas para todos os anos. Confirmando que GM e Ford (empresas americanas) apresentaram maior dependência de fontes financeiras de receitas e a Toyota, Honda e Hyundai (empresas asiáticas) apresentaram maior dependência de fontes produtivas de receitas (BORGHI, SARTI & CINTRA, 2013).

Chama-se à atenção para a mudança abrupta ocorrida do ano 2005 para o ano 2006 no gráfico referente à GM. Observa-se que os valores relacionados ao segmento financeiro eram de 66,4 % dos lucros em 2005. Já no ano de 2006, passaram a representar a fatia de 11,9 %. Esse fato ocorreu devido às dificuldades que estava passando o braço financeiro General Motors Acceptance Corporation (GMAC) da GM, o que levou a venda de 51% de suas ações. Dessa forma, a montadora sofreu o impacto evidenciado na Figura 1 (BORGHI, SARTI & CINTRA, 2013).

Por sua vez, por meio da Figura dois, tem-se o grau de endividamento das presentes montadoras no período analisado (2000 a 2009).

Figura 2 ― Grau de endividamento: passivos/ patrimônio líquido.

A Figura dois demonstra o grau de endividamento de cada uma dessas montadoras no período de 2000 a 2009. O elemento “Liabilities” (passivos) apresentou-se maior em todas as colunas, quando comparado ao elemento “Equility” (capital próprio) das colunas hachuradas. Isto indica que realmente o grau de endividamento está alto em todos os anos para todas as montadoras analisadas entre esses anos. Para as empresas americanas como a Ford e a GM, e a alemã Volkswagen constata-se um maior endividamento. Entretanto, para as demais empresas não americanas, como a Toyota e a Hyundai, o endividamento é menor. Contudo, pode-se se classificar estas últimas montadoras como uma financeirização tardia (BORGHI, SARTI & CINTRA, 2013). De acordo com a Figura 2, com o menor grau de endividamento, seguem, respectivamente, a Toyota e a Honda (empresas japonesas em mesmo nível) seguidas pela Hyundai (empresa coreana) e Daimler e Fiat (europeias).

Sendo assim, constata-se que todas elas apresentam um predomínio de práticas de gestão própria da lógica financeira, com o destaque da estrutura de capital das empresas americanas dependente de passivos de terceiros. Tais práticas, embora mais recorrentes em indústrias automobilísticas americanas, ocorrem também em outros países e em outras montadoras (BORGHI, SARTI & CINTRA, 2013).

Sobre esta mesma temática, demais trabalhos também evidenciaram os resultados anteriormente apresentados pelas Figuras um e dois, ou seja, que houve um crescimento exponencial nos últimos anos no lucro líquido de montadoras de veículos distribuídos aos acionistas. Carmo (2017), através de categorias de análises, ao agrupar dados por similaridade para demonstrar a ocorrência do fenômeno financeirização, constatou que as montadoras norte-americanas (GM e Ford) tiveram seu lucro líquido em torno de 70% a 100% distribuídos aos acionistas, nos anos de 2010 a 2015 (CARMO, 2017, p. 51, 67). “A Hyundai, quanto a esses pagamentos, registrou um crescimento que passou de 6% em 2012 para 17% em 2015, ou seja, um aumento três vezes maior em termos percentuais em quatro anos (...)” (CARMO, 2017, p. 87). Junto com o crescimento de mais de 100% no volume de dividendos em apenas quatro anos (CARMO, 2017, p. 82).

Em relação às demais montadoras, Carmo (2017), nesta mesma pesquisa, constatou que, a Volkswagen apresentou uma variação de 97% a 98% de seu lucro líquido distribuído aos acionistas entre os anos de 2011 e 2014. Por sua vez, a Ford e a GM, a primeira entre 2012 e 2015, e a segunda em 2015, distribuíram 100% de seu lucro líquido e dividendo para os acionistas.

Por sua vez, ao analisar a composição acionária destas empresas automotivas, verificou-se que “[...] pouco mais de 1% dos grandes investidores da Ford detêm mais da

metade das ações e grande poder de decisão (...)” (CARMO, 2017, p. 55) e que “ [...] pouco mais de 1% dos grandes investidores da GM detêm mais da metade das ações e grande poder de decisão (...)” (CARMO, 2017, p. 55). Ou seja, tais dados ratificam o quanto estas empresas são dependentes do mercado financeiro, uma vez que estes grandes investidores, na maioria, são bancos e fundos de investimento.

Por meio destes dados, é possível observar que o processo da financeirização acontece de modo semelhante em diferentes montadoras, mesmo em países distintos. Isso confirma a transformação do capitalismo ao longo dos anos e a sua diferença de comportamento gerado em países que apresentam distintas culturas e características locais próprias de seu mercado (CARMO, 2017).

Portanto, o fenômeno financeirização demonstra ocorrer de igual forma incisiva em diferentes montadoras, independente da região onde elas estão instaladas (CARMO, 2017). Acredita-se que essa tendência seria uma resposta natural das empresas ao presente fenômeno que foi evoluindo e transformando-se naturalmente ao longo do tempo. Este fenômeno foi induzido por um regime de controle corporativo com fundamentos baseados na lógica do princípio da maximização do valor ao acionista, fomentados por práticas da governança corporativa, tal como o sistema de gestão padrão. Este, que se subjugou à predominância da lógica do mercado financeiro, de modo que formatou a dinâmica de todos os agentes que atuavam no sistema capitalista (LAZONICK & O’SULLIVAN, 2000; FROUD, JOHAL & WILLIAMS, 2002; FROUD et al., 2006, 2010; BORGHI, SARTI & CINTRA, 2013).