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2. CAPÍTULO 1

2.6 A FISICALIZAÇÃO NO JOGO TEATRAL

No jogo teatral o aluno executa fisicamente as propostas, é no corpo que as ações se concretizam, e elas são vividas e praticadas por meio das brincadeiras que tem regras claras e estabelecidas. Para Spolin (2003) a realidade é conhecida, pois o mundo físico é capturado e expresso pelo artista que comunica sua intenção para a plateia através do seu corpo. O artista captura e expressa o mundo físico e comunica para a plateia por meio da linguagem física no palco. O ator empresta-se a esse trabalho e a expressão física cria a realidade.

O termo fisicalização se refere ao nível físico em que o material é apresentado na cena. É a experiência pessoal concreta que permite a fisicalização e dela depende o desenvolvimento posterior do aluno, pois cria um vocabulário de trabalho necessário e objetivo.

É a contribuição da fisicalização no jogo teatral que ocorre a promoção da experimentação no plano sensório-corporal e há o enriquecimento da escrita do protocolo com a vivência prática do aluno. É pelo exercício da escrita que o aluno reflete sobre a experiência do plano físico e depois pode debater com o grupo com o qual compartilhou a experiência prática, permitindo a ele avançar coletivamente em sua compreensão do processo vivido.

No protocolo que registrou o processo da encenação ‘A Ferida Woyzeck’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba onde Koudela propôs um jogo teatral para trabalhar o gesto e o ‘mostrar’, a aluna Natália Gregório escreveu no dia 27 de abril de 2009:

[...] Construímos uma imagem corporal, com ‘Onde’, ‘Quem’ e o ‘O quê’ e mostramos para a sala, como tableau vivant (quadro vivo). [...] Nesse jogo com provérbios surgiram várias imagens corporais. [...] O gesto resume e faz uma síntese do momento. Observamos todos os grupos e foi proposto que imitássemos um gesto do outro grupo que nos marcou. [...] Nasceram vários gestos, mas na reconstrução do gesto do outro aparece o gesto significativo, o gesto social para Brecht. ‘O gesto diz mais que palavras’ disse Ingrid Koudela [...]

Figura 5 - Os alunos na fisicalização do modelo de ação: provérbio

No processo de fisicalização da cena, a aluna Natália experimentou a criação de gestos significativos na vivência com o modelo de ação de um provérbio proposto pela professora, essa experiência a levou a uma posterior reflexão sobre a concretização da ação e na criação de um

vocabulário gestual necessário ao trabalho do ator. A aluna refletiu ao escrever seu protocolo e debater o assunto com o grupo na Roda do Grande Protocolo.

Buscando trabalhar com o plano físico e possibilitar a experiência sensório-corporal no processo de criação da encenação ‘A Ferida Woyzeck’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba, Koudela propôs o jogo da ‘Troca dos Quem’ e a aluna Giovana Lourenzetti refletiu na escrita do seu protocolo do dia 18 de fevereiro de 2009:

[...] Depois o Carlinhos e o Fábio jogaram e conseguiram montar imagens muito rapidamente. De uma cena de fé e devoção evoluíram para matar um pássaro, depois um funeral, depois Cachorros, galinhas, sambistas, uma situação de assalto, um ônibus circular e um videogame humano. O jogo atinge sua naturalidade quando não hesitamos em deixar vir à tona as imagens [...]

A reflexão da aluna Giovana demonstra a sua compreensão do processo vivido na fisicalização da cena teatral. Os alunos Carlos e Fábio tornaram concretos os gestos para a plateia através da ação física criada no jogo. A junção da reflexão com a prática na escrita do protocolo permitiu o entendimento da proposta metodológica utilizada por Koudela.

Na encenação ‘Chamas na Penugem’ do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba a aluna Alessandra Costa refletiu sobre o processo de fisicalização do gesto lido no quadro de Peter Brueghel trabalhado na montagem e escreveu no dia 01 de abril de 2008:

Ator, compositor construindo seu próprio gesto, identificando uma reação física que pretende explicar mais uma construção de uma partitura se fechando na leitura dos quadros [...]

A partir da experiência da leitura de imagem do quadro de Brueghel a aluna Alessandra refletiu em seu protocolo e no posterior debate sobre o ator compositor e a criação da partitura dos gestos na experiência da fisicalização. Essa reflexão permitiu a aluna um avanço na aprendizagem da linguagem teatral.

A proposta de Koudela para a sonoplastia da encenação “Chamas na Penugem’ era trabalhar com a percussão corporal. Devido a essa proposta ocorreu uma oficina com o ator e músico Maurício Maas do Grupo Barbatuques. A partir da experiência vivida na oficina a aluna Alessandra Costa do curso de Teatro da Universidade de Sorocaba no dia 07 de abril de 2008 escreveu:

Um novo processo para montagem a partir da utilização do corpo como meio de sensibilização para o processo ensino e aprendizagem. A música passa a ser um estímulo [...] a improvisação utiliza, explora o movimento corporal, a imaginação e a criatividade, a consciência de espaço e tempo, a flexibilidade e agilidade, a coordenação motora, a expressão corporal [...] Uma tomada de consciência corporal [...] a percussão corporal, explorar todos os sons possíveis de se extrair do corpo e da voz [...] Para chegar nesta concepção a maneira didática fundamental foi a concentração para você ouvir seu corpo [...]

Figura 7 - Alunos da encenação ‘Chamas na Penugem’ na criação da sonoplastia da cena

O corpo para a aluna Alessandra se tornou produtor de outros códigos não pensados anteriormente por ela. Na experiência da fisicalização do sensório-corporal e posteriormente na escrita e debate do protocolo, a aluna pôde tomar consciência sobre as possibilidades do corpo que modificaram sua compreensão do processo de ensino-aprendizagem do teatro.

A pesquisadora Heloíse Vidor do curso ‘Teoria e Prática da Peça Didática de Brecht’ da Pós- Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo no dia 17 de agosto de 2011 escreveu:

Ando pelo espaço (e adoro o que vem) sentir a substância que está no espaço, meu corpo, minha pele, meus poros em contato com a substância. Saio da substância, entro e sou levada pela substância… Ando pelo espaço e vejo o espaço, e vejo os outros e volto a atenção para mim. E num trio deixo a substância, o espaço, o meu corpo e o corpo dos outros conversarem, tentando afinar o nascimento dos gestos e das palavras. Que deliciosa a sensação da palavra PARIDA pelos três!

As palavras da pesquisadora Heloíse expressaram a sua alegria em jogar. As experiências físicas sentidas em seu corpo promoveram reflexões sobre o processo vivido, pois seu corpo de atriz criou a realidade da cena teatral que pôde comunicar à plateia a realidade do palco. Na escrita

do seu protocolo Heloise pôde refletir sobre o momento experienciado e compartilhar com os companheiros de jogo na Roda do Grande Protocolo.

Também sobre a fisicalização no jogo teatral, a aluna Vanessa Bordin do curso ‘Teoria e Prática da Peça Didática de Brecht’ da Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo no mesmo dia 17 de agosto de 2011 escreveu:

Espelho A e B foi bom para começar o contato com o colega estabelecendo o jogo. Porque depois o espelho Siga o Seguidor exigia uma cumplicidade maior entre os jogadores, não que o outro não exigisse, mas como alternava quem comandava o movimento, era mais fácil não se perder no jogo. No caso do Siga o Seguidor os dois jogadores tinham que estar muito conectados para ir percebendo o tempo do outro e deixar o jogo fluir. Penso que depois dessas duas modalidades do jogo de espelho, fazer ele com sons ou palavras é ótimo, porque é como se fosse uma fase a mais do jogo, foi difícil, mas no único momento que conseguimos foi mágico, pois estávamos muito conectadas e a palavra nasceu do impulso do movimento que nos levava.

A pesquisadora Vanessa reflete em seu protocolo sobre os jogos teatrais aplicados na concretude física do corpo. A pesquisadora compreende as dificuldades encontradas no jogo e afirma ser necessário o estabelecimento de uma conexão entre os jogadores. Vanessa ainda comenta que quando as dificuldades são superadas o processo é enriquecedor. A escrita do protocolo permitiu a pesquisadora escolher o que desejava refletir partindo do momento experienciado.

Nos fragmentos dos protocolos destacados encontramos a contribuição da reflexão escrita a partir da experiência física vivida no jogo teatral permitindo várias situações como a criação dos gestos, das partituras, das imagens e da percussão corporal. Os aprendizes demonstraram que a prática permite a compreensão do significado da ação física, das possibilidades de criação e do enriquecimento trazido pelas experiências na fisicalização em sua formação. Todas essas reflexões registradas nos protocolos permitiram o avanço do aprendiz que viveu a experiência, e pode ainda proporcionar a releitura do protocolo promovendo novas reflexões. A leitura e o debate do protocolo na Roda do Grande Protocolo permitem reflexões e avanços nos colegas de turma que ouvem e discutem coletivamente as experiências vividas no processo de criação da cena teatral.

São muitas as propostas que servem de modelo utilizada por Koudela para criar a cena teatral, veremos agora a colaboração do modelo de ação na escrita do protocolo.

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