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3. DE GESTIS PELAGII: O PROCESSO CONTRA PELÁGIO

3.2. A fonte: autor, conteúdo, contexto, motivações e polêmica

Assim Agostinho (De gestis, 1, 1, grifo nosso) inicia sua obra:

Assim que chegaram em minhas mãos, santo papa Aurélio, as atas do processo pelo qual catorze bispos da província de Palestina pronunciaram sua sentença declarando Pelágio como católico, cessaram minhas hesitações e resolvi escrever mais extensamente e com segurança sobre a justificativa com a qual Pelágio pretendeu ser sincero. É claro que eu já havia lido a tal justificativa em um breve escrito que ele tinha me enviado; mas, como não havia carta alguma acompanhada desse escrito, temi que minhas palavras não se ajustassem à verdade das cartas episcopais e que, portanto, se Pelágio por acaso negasse ter-me enviado aquele escrito, e não seria fácil convencer-lhe do contrário somente com meu testemunho, seus seguidores me condenassem como impostor ou, ao menos, como homem demasiadamente crédulo. Escrevendo, pois, agora, com as atas em mãos, e já dissipadas minhas dúvidas, segundo me parece, no que se refere às intenções mais interiores que guiavam Pelágio em seu comportamento, poderão julgar tua santidade e quais leiam este livro, mais facilmente e com maior certeza, tanto sobre a defesa de Pelágio quanto sobre o que aqui afirmamos.67

67 Posteaquam in manus nostras, sancte papa Aureli, ecclesiastica gesta venerunt, ubi Pelagius ab episcopis quatuordecim provinciae Palaestinae catholicus est pronuntiatus, cunctatio mea terminum accepit, qua disserere aliquid plenius atque fidentius de ipsa eius defensione dubitabam. Hanc enim iam in quadam chartula, quam mihi ipse miserat, legeram. Sed quia eius cum illa nullas a se datas litteras

De imediato, o autor identifica o destinatário de sua obra – Aurélio – a quem se refere respeitosamente como sancte papa (santo papa). 68 Mais à frente no texto, fica claro que esse Aurélio é ninguém menos que o bispo de Cartago e primaz da província de Africa

Proconsularis, a quem Agostinho dispensava um respeito recíproco: “Ao acusar Pelágio

destas doutrinas, se objetou que tua santidade e outros bispos contigo as haviam conhecido e condenado em Cartago. Não me encontrava na ocasião em Cartago, como

sabes [...]” (De gestis, 11, 23, grifo nosso). 69 Agostinho se refere a Aurélio na segunda

pessoa, corroborando que o texto se dirige a ele, e evoca a condenação de Pelágio ocorrida em Cartago, quando de sua ausência, liderada na ocasião por “tua santidade”, isto é, pelo bispo de Cartago, neste caso o referido Aurélio, e os “outros bispos” com ele. Por convenção e reverência, o bispo mais importante hierarquicamente é sempre citado nas relações vindo à frente dos demais.

Em seguida, o bispo de Hipona justifica brevemente o porquê de estar redigindo essa obra naquele momento em particular: ele finalmente havia recebido as atas do processo ocorrido em Palestina pelo qual Pelágio fora interpelado por catorze bispos e no qual fora declarado católico, ou seja, de acordo com a doutrina tida como verdadeira ou correta. O bispo vai ainda mais além, ao afirmar que não havia se pronunciado até aquele momento sobre o ocorrido justamente porque sem ter em mãos as atas oficiais do sínodo não pretendia fazer conhecido qualquer juízo seu sobre a sentença. Mesmo tendo recebido, ao que parece, do próprio Pelágio uma carta relatando o ocorrido, teve receio de que este negasse desonestamente ou que os seguidores deste pudessem acusá-lo de impostor, caso o expusesse em público, uma vez que para tanto não teria nada mais do que seu próprio testemunho em seu favor.

Com efeito, a parte final da passagem nos permite compreender que, apesar de destinada ao bispo Aurélio, esperava-se que essa obra fosse tornada pública. Além disso,

sumpseram, verebar ne aliquid aliter in meis verbis inveniretur, quam legeretur episcopalibus gestis: atque ita forsitan negante Pelagio quod ipse mihi illam chartulam miserit, quoniam facile convinci uno teste non posset, ego potius ab iis qui ei neganti faverent, aut suppositae falsitatis, aut, ut mitius dicam, temerariae credulitatis arguerer. Nunc ergo cum ea pertracto quae gesta testantur, iam quantum mihi visum est, videtur utrum pro se ille sic egerit, dubitatione sublata, profecto et de ipsius defensione, et de hoc opere nostro Sanctitas tua, atque omnis qui legerit, facilius et certius iudicabit (Tradução de Gregório Erce Osaba, OAR).

68 Com a designação “papa”, Agostinho se dirige de modo respeitoso ao patriarca do norte da África, e não ao bispo de Roma.

69 Haec ita obiecta sunt, ut etiam apud Carthaginem a Sanctitate tua et ab aliis tecum episcopis dicerentur audita atque damnata. Ubi quidem, ut recolis, ipse non fui, sed postea cum venissem Carthaginem [...] (Tradução de Gregório Erce Osaba, OAR).

deixa entender que havia até mesmo certa expectativa acerca dela, ou seja, acerca da posição de Agostinho sobre o processo em questão, nem que fosse uma expectativa do próprio bispo em escrever algo a respeito do assunto.

Em duas cartas destinadas ao bispo de Roma, Inocêncio I, no ano de 416, Agostinho (PL 33, Ep. 175, 4) admite nada saber dos processos do sínodo a não ser de ouvir falar: “Por isso, se é verdade que tua reverência crê como justa a absolvição de Pelágio nas atas episcopais que se dizem levantadas em Oriente, o próprio erro e a impiedade, que têm já muitos defensores espalhados por toda a parte, devem ser da mesma forma anatematizados pela autoridade da Sede Apostólica”. 70

Deve ser destacado que pelo menos um ano após o sínodo Agostinho ainda não tinha conhecimento dos pormenores do processo que absolvera Pelágio. Sua preocupação estava centrada em dois aspectos: a qualidade do julgamento dado a Pelágio e o posicionamento de Roma em relação ao mesmo. Quanto ao primeiro, não que duvidasse da fé ou da sensatez dos bispos presentes no sínodo ou mesmo na ratificação da sentença por parte de Inocêncio, mas para o bispo de Hipona, algo concernente ao processo precisava ser esclarecido. A maneira como ele se refere às atas episcopais dá a entender que o fato de as desconhecer o impede de tomar qualquer posicionamento seguro em relação ao ocorrido e que nelas estaria a chave para melhor compreender o que se havia sucedido de fato no julgamento para que Pelágio fosse, a seu ver, estranhamente absolvido.

Quanto ao posicionamento de Roma, Agostinho esperava que se por um lado Inocêncio acompanhou o parecer dos bispos do concílio absolvendo Pelágio, por outro deveria ser mais enérgico em relação àqueles que propagavam os ensinamentos errôneos imputados ao monge bretão, seguidores deste ou não. Ora, se Pelágio não apregoava as tais doutrinas contrárias à graça, tão combatidas pelos bispos africanos, alguém em seu nome o fazia. E Agostinho, como representante das lideranças episcopais da África romana, se mostrou bastante preocupado com o aparente alastramento do que ele chama de “erro e impiedade”.

É fundamental salientar aqui que o catolicismo africano tinha como característica de sua trajetória a preocupação com a ameaça no campo religioso de uma maneira talvez

70 Si ergo Pelagius episcopalibus Gestis quae in Oriente confecta dicuntur, etiam tuae Venerationi iuste visus fuerit absolutus; error tamen ipse et impietas, quae iam multos assertores habet, per diversa dispersos, etiam auctoritate apostolicae Sedis anathemanda est (Tradução de Lope Cilleruelo, OSA).

até mesmo um tanto mais radical e intensa que em outras regiões do império. Haja vista ser a África romana uma região conflituosa no campo sociocultural e político, as disputas mais recentes oriundas do cisma donatista e da corrente maniqueísta que acabaram por propiciar a ação da violência nas disputas entre os grupos adversários exigiram das lideranças católicas dessas províncias uma atenção muito maior no tocante a pregações e ensinamentos desviantes da tradição dominante, por menor que fosse (MORAIS, 2012, p. 772; TILLEY, 2006, p. 13-14).

Não é por acaso que a controvérsia pelagiana tenha tido seu início justamente quando da passagem de Pelágio e Celéstio pela África, após anos vivendo e pregando livremente em Roma sem relatos de qualquer grande polêmica.

A segunda carta, também de 416, esclarece algumas outras questões:

Ouvimos que na cidade de Roma, onde Pelágio viveu por muito tempo, há alguns que por diversas causas o favorecem; quer dizer, alguns que se deixaram persuadir por ele, e muitos que não creem que ele opine tal coisa. Especialmente porque se lhe julgou sem culpa no Oriente, onde agora vive, segundo atas eclesiásticas ali levantadas. Se lá os bispos admitiram sua ortodoxia, temos de crer que não foi por outra razão senão por esta: confessava a graça de Deus e que o homem podia viver justamente com seu trabalho e vontade, mas sem negar que a isso o obrigava a graça de Deus. Ouvidas estas palavras, os bispos católicos não puderam entender outra graça de Deus, senão a que somente se lê nos livros de Deus e se prega ao povo de Deus, essa graça da qual fala o Apóstolo71 [...] (AGOSTINHO, PL 33, Ep. 177, 2, grifo nosso).72

É possível presumir que até então, idos de 416, Agostinho ainda não havia tido qualquer contato direto com as atas eclesiásticas do sínodo hierosolimitano.

Outros aspectos dignos de nota também ficam evidentes. Por exemplo, que Pelágio tinha muitos seguidores e amigos em Roma, e para o bispo, que pretende não se comprometer ao ponto de emitir opiniões mais resolutas, parece que até mesmo entre as lideranças eclesiásticas romanas ou entre os setores políticos, quiçá próximos ao

71 Todos os momentos no texto em que Agostinho faz referência a Apóstolo, está se referindo a Paulo de Tarso, cujos escritos e memória muito contribuíram para a formação religiosa e para o ministério eclesiástico do bispo.

72 Audivimus enim esse in urbe Roma, ubi ille diu vixit, nonnullos qui diversis causis ei faveant, quidam scilicet, quia talia persuasisse perhibetur, plures vero, qui eum talia sentire non credunt; praesertim quia in Oriente, ubi degit, Gesta ecclesiastica facta esse iactantur, quibus putatur esse purgatus: ubi quidem si episcopi eum catholicum pronuntiarunt, non ob aliud factum esse credendum est, nisi quia se dixit Dei gratiam confiteri, et ita posse hominem suo labore ac voluntate iuste vivere, ut ad hoc adiuvari Dei gratia non negaret. His enim auditis verbis, catholici antistites nullam aliam dei gratiam intellegere potuerunt, nisi quam in Libris Dei legere, et populis dei praedicare consueverunt: eam utique de qua dicit Apostolus [...] (Tradução de Lope Cilleruelo, OSA).

episcopado romano. Isso explicaria o fato de ter sido absolvido no sínodo e pela própria sede apostólica; mas claro, não por aceitação de ideias ou desonestidade de julgamento em favor de sua pessoa, e sim pela suposta alta capacidade de persuasão do monge ou pela credulidade de cristãos sinceros que, por conhecê-lo tão bem devido às suas práticas e afeição que tinham, duvidavam que fosse capaz de disseminar tais doutrinas.

Ora, Agostinho não escreveu a carta a uma só mão e tinha plena ciência de estar se dirigindo ao bispo de Roma, para ele a maior autoridade eclesiástica reconhecida da Igreja. Sua insinuação não pode ser lida de modo algum como marca de afronta a Inocêncio, e sim como marca de autoridade eclesiástica. Agostinho não se eximia de fazer seus superiores usarem a “espada de autoridade” quando julgava necessário (BROWN, 2005, p. 254).

Quando Pelágio e Celéstio chegaram em África em 410 e logo em 411 os presbíteros locais realizaram um concílio em Cartago para questionar os erros imputados a Celéstio e, consequentemente, a Pelágio, que era tido como seu mentor, Agostinho estava envolvido na disputa contra os donatistas. Apenas algum tempo depois é que foi conhecer de fato a controvérsia e as disputas contra a graça (KARFÍKOVA, 2012, p. 167). Havia passado cerca de seis anos desde o início da polêmica e ao invés da condenação firme e definitiva do movimento, postura esperada por Agostinho principalmente por parte de Roma, a controvérsia chegava a um impasse, com três sínodos condenatórios (todos ocorridos em África), dois sínodos indulgentes (ambos ocorridos em Jerusalém), uma decisão do bispado de Roma contra os pelagianos e outra relativamente a favor. A atitude de Agostinho, inicialmente uma tentativa polida de desencorajar os teólogos apoiados pela influente aristocracia romana de seus ensinamentos tidos como perigosos, gradualmente se radicalizou em absoluta irreconciabilidade e se tornou uma campanha eclesiástico-política direcionada (KARFÍKOVA, 2012, p. 160).

O bispo de Hipona também não questiona a validade e nem a qualidade do julgamento dado pelos bispos orientais a Pelágio. Porém, uma primeira vez arrisca possível causa para a sentença dada: o entendimento que os bispos tiveram da graça a qual Pelágio defendeu era distinto da graça a que ele na realidade se referia. Na opinião de Agostinho, enquanto os bispos acreditavam que Pelágio defendia a graça baseada na compreensão paulina (graça de Cristo), o monge na verdade defendia a graça na

perspectiva de seus próprios escritos, a graça da natureza humana em si mesma, dotada de livre arbítrio:

Quando Timásio e Tiago, servos de Deus e homens bons e virtuosos, me entregaram o livro de que antes fiz menção, no qual Pelágio se propõe abertamente a questão da graça que tinha provocado uma grande censura contra ele, e que Pelágio resolve muito simplesmente chamando graça de Deus à natureza criada com o livre arbítrio e, alguma vez, ainda sem muito empenho nem abertamente, à natureza junto com a ajuda da lei, ou ao perdão dos pecados, então vi com toda clareza que tinha nesta doutrina um veneno de perversidade muito contrário à salvação cristã (AGOSTINHO, De gestis, 23, 47, grifo nosso). 73

É precisamente neste ponto sobre a compreensão da graça, resultado da falta de bom entendimento devido o grave entrave na comunicação entre o sínodo e Pelágio, que Agostinho assentou boa parte de seus argumentos para tentar explicar a decisão excepcional dos bispos.

Até aqui, temos que após aproximadamente um ano do concílio de Dióspolis, Agostinho ainda não havia tido acesso aos registros oficiais do que ocorrera no processo contra Pelágio. Entretanto, as notícias de sua absolvição, não em um, mas em dois sínodos, e de sua determinação como ortodoxo correram de tal modo que eram incompreensíveis para Agostinho e para grande parte dos bispos africanos, os quais já haviam condenado tanto Pelágio quanto Celéstio como hereges em concílios anteriores.

O assentimento de Roma tornou a controvérsia ainda mais acirrada. Isso explica o fato das duas epístolas acima terem sido escritas não a uma mão, mas a várias. No caso da primeira, os padres do concílio de Cartago, de 411, no da segunda Aurélio, bispo de Cartago, Alípio, Agostinho, Evódio e Possídio. A apuração dos fatos e as decisões conciliares recentes eram tópicos precípuos na pauta dos bispos africanos. E como porta voz destes, Agostinho ansiava ter acesso às atas do sínodo para escrever sobre os procedimentos tendo como base fontes confiáveis do processo.

73 “Cum vero mihi etiam liber ille datur esse a servis Dei, bons et honestes viris Timásio et Acovo, ubi pertíssimo Pelagius obiecta sibi a se ipso tamquam ab adversário, onde iam grande invidia laborava, de Dei gratia questionem non aliter sibi solver e visus est, nisi ut naturam cum libero arbitrio condita, Dei diceretur gratiam; aliquando, dique tenuit Er, nec aperte, ei conjunges vel legis, adiutorium, vel remissionem etiam peccatorum: tum vero sine ulla dubitatione mihi claruit, quam esset christianae saluti venenum illius perversitatis inimicum” (Tradução de Gregório Erce Osaba, OAR).

Por meio de uma epístola que Agostinho (PL 33, Ep. 179, 7, grifo nosso) escreveu ao bispo de Jerusalém, João, em 416, podemos assumir que este mesmo o teria enviado as atas do sínodo ocorrido no ano anterior:

Peço-te também que dignes remeter-me as atas eclesiásticas, nas quais se diz que Pelágio se justificou. Peço-te em nome de muitos bispos, pois a incerta fama sobre esse ponto nos perturba. Somente eu te escrevo porque não quero desperdiçar a ocasião do correio, que sai daqui com pressa e ouço que poderá voltar muito em breve. Pelágio nos tem remetido, não as atas ou parte delas, mas uma espécie de defesa que escreveu para contestar as objeções de alguns gauleses”.74

Nessa carta, Agostinho deixa evidente que o conhecimento das atas oficiais do sínodo era algo esperado não apenas por ele, mas por outros bispos. E o fato de ter tomado a iniciativa de pedi-las ao bispo João a uma só mão, revela não apenas a relativa liberdade de relação que tinha com o bispo de Jerusalém, mas também a pressa em obter os procedimentos do processo, tanto para conhecê-los em primeira mão quanto para tão logo pôr-se a escrever sobre eles, tomando uma posição mais embasada sobre a sentença.

O hiponense uma vez mais explicita sua correspondência com Pelágio e o fato deste lhe enviar material a respeito do sínodo, e obviamente em sua própria defesa, pois pelo que se pode pressupor os gauleses a quem se refere muito provavelmente seriam os bispos Heros e Lázaro, responsáveis pelas acusações contra Pelágio. Novamente, contudo, Agostinho demonstra insatisfação em utilizar algo que não fossem as atas a fim de iniciar a escrita do texto tratando do processo.

Na carta enviada por Agostinho e Alípio (PL 33, Ep. 186, IX, 33, grifo nosso) a Paulino, já em 417, constatamos que Agostinho naquele momento já se encontrava de posse das atas eclesiásticas anteriormente solicitadas ao bispo de Jerusalém:

As atas atestam que Pelágio condenou tudo isto, sem pretender discuti-lo ou defende-lo de modo algum. [...]. Confessa com simplicidade e sem rodeios tudo isto que queira estar de acordo com a autoridade católica e com as palavras do próprio Pelágio expressas nas atas eclesiásticas. Não temos de

74 Peto etiam nobis transmittere, quibus perhibetur esse purgatus, ecclesiastica Gesta digneris. Quod ex multorum episcoporum desiderio peto, quos mecum de hac re fama incerta perturbat: sed ideo solus hoc scripsi, quia occasionem perlatoris festinantis a nobis, quem cito ad nos audivi posse remeare, praetermittere nolui. Pro quibus Gestis iam nobis misit non quidem ullam partem Gestorum, sed quamdam a se conscriptam velut defensionem suam, qua se dixit obiectis respondisse Gallorum (Tradução de Lope Cilleruelo, OSA).

crer que anatematizou com verdade os pontos contrários a estes se estes não se mantêm com coração fiel e se declaram com manifesta confissão.75

O bispo além de conhecer o conteúdo do processo, se dispõe apto a julgar as intenções de Pelágio ante o concílio, em sua opinião, aparentemente discrepantes, para não dizer duvidosas. Em outro trecho, fica patente que àquela altura Agostinho já conhecia os pormenores de todo o processo: “Onde ficam os testemunhos que o bispo da Igreja de Jerusalém, segundo se lê nas atas, objetou a Pelágio como pronunciados por ele, a saber: ‘que afirmava que sem a graça de Deus podia o homem viver sem pecado?’” (PL 33, Ep. 186, X, 36, grifo nosso). 76

Para Schaff (1887, p. 390), supondo que tenha sido publicada imediatamente após Agostinho ter recebido as atas, a data de composição do livro sobre os procedimentos contra Pelágio poderia ser afixada para o início do ano de 417. Bonner (1999, p. 382), por outro lado, prefere estipular uma extensão de data um pouco maior, assumindo que a obra poderia ter sido escrita no início de 418.

No que concerne ao título da obra, em um livro escrito posteriormente, em 418, quando ainda estava em Cartago logo após a ocorrência do concílio que condenou Pelágio e seu movimento em definitivo – O pecado original – Agostinho (XIV, 15, grifo nosso) se refere ao texto da seguinte forma: “Sabeis muito bem, e o fiz constar naquele livro que escrevi a nosso venerável ancião Aurélio sobre as atas palestinenses, sabeis, repito, como me alegrara que toda essa questão tivesse chegado ao fim em vista daquela resposta de Pelágio [...]”. 77

O bispo designa sua própria obra como de gestis Palaestinis, ou seja, os processos que ocorreram em Palestina. E do mesmo modo procede Próspero de Aquitânia em sua

75 Haec omnia Pelagius sic anathematizavit, quod satis Gesta ipsa testantur, ut nihil ad ea quoquo modo defendenda disputationis attulerit; [...] Haec omnia simpliciter sine ullis fateatur ambagibus, si quis in