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A força do setor privado: do ambiente favorável ao boom da indústria

Foto 1 – Família Bowers no peru em 2001

4.1 A força do setor privado: do ambiente favorável ao boom da indústria

Compreendendo que o fim da Guerra Fria abriu possibilidades para empreendimentos de direito civil, os Sul-africanos e os ingleses avistaram uma possibilidade no mercado para a consolidação de serviços militares na gestão privada. Com o desfecho do Apartheid e da Guerra Fria, os dois grupos de países assimilaram que em seu continente e na península arábica, havia muito desemprego, por diversas razões, dentre elas, o fim desse regime, correlacionado com o fim das esferas de influências de países estrangeiros nessas regiões. Este fator abriu uma lacuna nos serviços de segurança, levando esses países a pensar na oportunidade de lucro dentro desse setor, utilizando das empresas privadas, como aponta o autor Rolf Uesseler:

Pessoas como os sul-africanos Eben Barlow e Nick van der Bergh ou os britânicos Tony Buckingham e Simon Mann, fundadores e proprietários da Executive Outcomes, decidiram instituir o mercenarismo, ou seja, o oferecimento de serviços militares como um negócio sério, dotado de um status em termos de direito civil e de registro comercial. Tim Spicer, um tempo depois, por insistência de seu amigo e companheiro militar Simon Mann, também passou a participar do processo e criou para a empresa, com o apoio de uma especialista londrina em marketing, o conceito de private military company [empresa militar privada] (UESSELER, 2008, p. 149, grifo do autor).

A partir desse momento, a indústria de atuação dessas empresas passa a se consolidar e adquirir características tanto dos grupos de mercenários37, que agiam na região, quanto das empresas de segurança, na busca de serviços de vigilância e transporte de valores nacionais. Para melhor exemplificar essa conjuntura, a maioria dos dados levantados neste capítulos serão advindos da relação das mesmas com os Estados Unidos, particularmente por ser um país com muita visibilidade internacional e ter muitas informações disponíveis sobre o assunto, ao contrário do restante do mundo, do qual as informações não são de acesso público, assim usaremos as informações dos Estados Unidos da América (EUA), ao modo de exemplificar tais argumentos.

Entretanto, tal fator somente teria o sucesso devido a situação anterior, em que o cenário internacional se encontrava, naturalmente, formado a partir de uma nova ordem mundial, “esse novo ordenamento internacional significou apenas um grande choque na oferta e na demanda por segurança privada” (PAOLIELLO, 2016. p. 30). De uma forma que afetou a demanda de serviços militares públicos, ocasionando uma grande perda de empregos. Assim de acordo com o autor: “Com o fim das tensões bipolares, diversos países diminuíram seus efetivos militares. O total de forças militares no mundo era de pouco mais de 28 milhões em 1987 e diminuiu para pouco mais de 23 milhões de homens em 1994” (ISENBERG, 1997 apud PAOLIELLO, 2016. p. 30).

Esse processo contribuiu na grande quantidade de militares desempregados e com um excelente treinamento em áreas de especialização distintas, entre todas as forças armadas do mundo. Consequentemente, o arsenal de armas dispensadas advindas do Estado, formaram um mercado, não distinguindo o legal do ilegal, dessa forma, a grande oferta de “mão de obra militar” e “ferramentas” baratas geraram as condições favoráveis para o aumento da oferta nesse período (UESSELER, 2008). Esta perda da elite militar no mundo pode ser vista no gráfico a seguir, em uma pequena fração em comparação ao nível de militares contratados por ano pelo governo dos EUA (gráfico 1).

37 É benéfico esclarecer a diferença normativa de mercenários e de empresas de segurança privada. Alguns autores consideram que as ESP prestam serviços para os Estados, de forma que sua atuação seja comparada serviços de mercenários. De acordo com o pesquisador Thiago Ferreira: “Essas empresas são organizadas na forma de negócios, no sentido mais comercial da palavra. Enquanto que mercenários tendem a se organizar de forma temporal e ad hoc, as PSC/PMCs formam complexos permanentes e claramente hierarquizados, capazes de competir e sobreviver no mercado internacional. Além disso, esse tipo de corporação visa alcançar lucros extraordinários no longo prazo. Para tanto, funcionam como empresas registradas capazes de fazer uso de complexos sistemas de financiamento corporativo. Grupos mercenários, por sua vez, estão mais interessados no lucro pessoal de curto prazo” (FERREIRA. 2008. p. 60).

Gráfico 1 – Pessoal militar nacional total da ativa nos EUA/ano

Fonte: Coleman (2005 apud PAOLIELLO, 2016).

Portanto a abundância de uma demanda de emprego relacionada aos serviços militares era significativa, assim:

O desenvolvimento da situação econômica e política lhes dera razão: a demanda era gigantesca, a situação dos contratos, boa, e os sucessos alcançados, impressionantes. O ramo da prestação de serviços militares expandiu-se em ritmo vertiginoso. Com o auxílio de administradores inteligentes e de agentes financeiros especializados, ganhou espaço, em curtíssimo período, na bolsa de valores (UESSELER, 2008. p. 150).

Apesar da utilização dessas empresas nos anos 1990, principalmente em território africano, o fenômeno que fomentou a ascensão das mesmas no cenário internacional ganha forma nos anos 2000, com a guerra ao terror38. De acordo com Costa e Wunder (2011, p. 21) a guerra ao terror foi um “‘Ato Patriota’ [que] representou o início da reação norte-americana aos

38 Ato contra um fenômeno ocorrido em 11 de setembro de 2001, o qual de acordo com o relatório de ataques terroristas nos EUA pelo conselho de segurança (2001) 19 terroristas relacionados a Al-Quaeda sequestraram 4 aviões em solo norte americano com o propósito de atingir grandes monumentos concentração de poder dos EUA. O plano quase foi concluído totalmente com sucesso, pois um dos aviões que supostamente deveria atingir o pentágono foi impedido e outro que tinha ponto final a casa branca não conseguiu completar a missão, levando assim para os outros dois aviões que tiveram sucesso e colidiram com as torres gêmeas do World Trade Center, símbolo da força econômica dos Estados Unidos. Os ataques foram recebidos com surpresa e grande revolta pelo governo norte americano, não apenas pelos fatores de destruição, mais também pelo poderio incontEstado dos Estados Unidos depois da Guerra Fria tornou arraigado o sentimento de invulnerabilidade do país (BARBOSA. 2002, p. 76). Os impactos dos ataques decorreram rapidamente, primeiramente no âmbito social onde muitos cidadãos foram mortos assim ocasionando naturalmente uma comoção, que foi igualada ao ocorrido em Pearl Harbor em dezembro de 1941. Assim além do setor social, o ato de guerra provocou desdobramentos em outros campos.

ataques suicidas que derrubaram, entre outros, as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York”.

Para Paoliello e Nasser (2015), o crescimento das empresas privadas ocorreu para além das áreas de proteção de bens e pessoas e de treinamento de forças policiais e Forças Armadas. Em 2007, o jornalista Tim Shorrock publicou dados que confirmavam que o serviço de inteligência norte-americano contratava empresas de segurança militares para promover e concluir missões em países, como o Afeganistão. Este fato levou muitos jornalistas a investigarem outras ações de inteligência pelo mundo todo. Desse modo, pensando nos gastos com a área militar dos EUA nesse período, pode se observar no próximo gráfico que houve um grande crescimento neste processo (gráfico 2).

Gráfico 2 – Gastos militares dos EUA em milhões de dólares

Fonte: SIPRI (c2020). Adaptado.

Esse ato foi primordial para o fortalecimento das empresas militares e de segurança privada (EMSP), pois caracterizou uma guerra em países do exterior, principalmente do Oriente Médio, levando à contratação de diversas empresas para agir dentro do processo de combate ao terror.

Ainda considerando o ambiente em que essas empresas ganharam força, durante a década de 1990, tem-se o fortalecimento de alguns fenômenos de caráter de transformação no Sistema Internacional, o que ficou conhecido como globalização. Assim, o autor Perry Anderson classificou como “neoliberais” as ideias que deram base a esse processo. De acordo com Anderson (1995, p. 9), “o neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo”. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar.

0 100000 200000 300000 400000 500000 600000 700000 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

O Processo de privatização liderado pelos EUA e o Reino Unido durante os anos 1980 teve como maior feito a disseminação de tais ideais neoliberais, as quais, posteriormente, fundariam o Estado Liberal, fator que contribuiu para a difusão da percepção que a privatização formaria soluções mais eficientes no mercado, comparado com as burocracias dos aparelhos estatais.

A maior parte da propriedade privada sofre então uma desvinculação com aspectos naturais, os quais se tornam funções do Estado, como infraestrutura, bem-estar, dessa forma há uma terceirização para contratos privados em busca de maior eficiência, como explica a autora, “moreover, as only profitable ventures lend themselves to outsourcing and privatization, the state tends to be left with only such functions as cannot be made profitable”39 (MØLLER, 2005, p. 3). Acarretado à noção de maior eficiência para o setor privado, oferecendo melhores salários e abrindo oportunidades de inserção de habilidades no mercado, está também a particularização do novo ator no sistema internacional, não apenas vinculado ao um e apenas setor, mas instituições híbridas, atuantes público-privadas, de acordo com Carmola:

É possível identificar as PMSC como um tipo de organização hibrida pois, mais do que fazer negócios com os Estados, elas passam a fazer parte das políticas nacionais, e os riscos de suas ações e escolhas são, em última instancia, apoiados e garantidos pelo Estado. (CARMOLA, 2010 apud PAOLIELLO, 2016, p. 35).

Nesse sentido, em relação a força do setor privado, a explicação pela qual esses atores privados passam a atuar dentro de conflitos está ligado ao fato da ação dos atores não estatais estar cada vez mais presente. Como por exemplo a Organização das Nações Unidas (ONU) em sua participação em conflitos e intervenções humanitárias. Dessa maneira, o próprio crescimento da influência de novas organizações contribuiu para uma possível mudança na estrutura do sistema internacional intensificando a força dos atores privados na mesma.