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A formação de coligações à moda brasileira e as pretensões políticas dos

4. IDEOLOGIAS PARTIDÁRIAS E COALIZÕES DE GOVERNO: ENTRE A DEFESA DE

4.3. A formação de coligações à moda brasileira e as pretensões políticas dos

Recentemente, diversos autores têm rediscutido o papel da ideologia na estruturação do sistema partidário brasileiro (ZUCCO JR. & POWER, 2009; ZUCCO JR., 2011; LUCAS & SAMUELS, 2011; MELO & CÂMARA, 2012). Lucas & Samuels (2011) entendem que o sistema partidário brasileiro tem se tornado mais inconsistente. Por outro lado, Melo & Câmara (2012) argumentam que a variável ideologia deve ser considerada se o analista quiser compreender o padrão de competição no sistema partidário do Brasil. Fazendo referência a Lucas & Samuels, os pesquisadores dizem que é incorreta a tese de que os partidos tornaram- se mais incoerentes do que no passado. Entretanto, não são poucas as pesquisas que enfatizam, por exemplo, a pouca importância da ideologia na constituição de coligações eleitorais em âmbito estadual e municipal (SOUSA, 2006; DANTAS, 2007; CARREIRÃO & NASCIMENTO, 2010). Assim, mesmo os que ainda se referem a algum tipo de relevância dos posicionamentos ideológicos para formação de coligações demonstram o aumento de uniões partidárias incoerentes (RIBEIRO, 2010; MIGUEL & MACHADO, 2010; LEONI, 2011; MIRANDA, 2012).

Figueiredo & Limongi (2007) mostraram que depois de 2003 houve uma modificação nos padrões encontrados entre 1986 e 2002. A consistência ideológica na composição partidária do governo decresceu bastante após a posse do presidente Lula. Segundo Carreirão (2014, p. 281),

“As coalizões em plenário só tendem a ser ideologicamente consistentes, se a composição dos governos (formação de ministérios) for ideologicamente consistente. E a trajetória é a de uma inconsistência ideológica crescente na composição de governos em âmbito federal.” Nessa sequência, Zucco Jr. (2011) argumenta que aquilo que era considerado esquerda em 1987 praticamente desapareceu, o centro e a esquerda passaram a ocupar quase a totalidade do

espectro ideológico. O autor ao verificar o comportamento dos partidos, nas votações para a Câmara, acaba concluindo que,

maior consenso substantivo entre esquerda e direita, a clivagem estratégica e não ideológica entre governo e oposição parece ter ocupado o papel predominante na estrutura das disputas políticas na Câmara dos Deputados (...) embora as elites continuem reconhecendo uma estrutura ideológica em seu meio, suas preferências e comportamentos estão muito menos associados a esta estrutura do que no passado (ZUCCO JR., 2011, p. 58).

Para Zucco Jr. (2009), esquerda e direita ainda tem a ver com maior ou menor intervenção do Estado na economia, entretanto, houve uma considerável retração dos posicionamentos mais a esquerda. Na verdade, o autor levanta a tese de que a ideologia jamais tenha sido uma proxy forte de comportamento. Segundo ele, a questão continua em aberto por problemas de ordem empírica para os anos de governo de Fernando Henrique Cardoso, porém, durante os mandatos de Lula, quando as coalizões de governos foram ideologicamente incoerentes, pode- se sim distinguir ideologia de pragmatismo político. No caso da 53ª legislatura estudada, Zucco Jr. (2009) afirma que a principal clivagem é mesmo entre oposição e governo, e não direita e esquerda. Esse achado corrobora a ideia de que quando há disputas entre as preferências ideológicas dos congressistas, os incentivos gerados pelo Executivo tendem a ser preponderantes.

Criticamente, Tarouco & Madeira (2015) apontam que um certo grupo de pesquisadores enfatizam a alta fragmentação do sistema partidário brasileiro, a heterogeneidade das coligações e o personalismo na escolha eleitoral como alguns dos fatores que indicam que os partidos políticos no país não possuem ideologia definida. Entretanto, ironicamente, existe uma grande quantidade de classificações na literatura da Ciência Política (KINZO, 1993; MELO, 1999; MAINWARING, MENEGUELLO & POWER, 2000; AMORIN NETO, 2000; MARENCO DOS SANTOS, 2001; RODRIGUES, 2002; ZUCCO JR., 2009; 2011) que distinguem as agremiações em direita, centro ou esquerda. Os trabalhos que enfatizam essa volatilidade ou inconsistência ideológica baseiam suas conclusões no comportamento dos parlamentares na votações nominais em plenário. Porém, como salienta Mair (2001), ideologia não se confunde com posições defendidas em relação a políticas específicas, logo, resultados pautados em votações nominais podem ser apenas preferências – de sobrevivência política – imediatas e não ideológicas.

Desse mesmo ponto de vista, Leoni (2002) afirma que não é difícil ver políticos, jornalistas, acadêmicos e cidadãos usarem conceitos espaciais para identificar as posições dos atores

políticos. A teoria espacial dos votos é uma tentativa de sistematização desse pensamento. Ela tem como fundamento a ideia de que as preferências individuais e as políticas podem ser indicadas como pontos em um espaço. A lógica é que os atores dão mais valor/preferem as políticas mais próximas, em detrimento daquelas que se encontram mais distantes dos seus pontos ideais. Para o caso norte-americano podemos dizer que,

Um liberal do dias de hoje [...] provavelmente apóia um aumento no salário mínimo; [...] é contra o uso de força no estrangeiro; apóia programas compulsórios de ação afirmativa; e apóia o financiamento federal de programas seguro-saúde e creches. De fato, saber se um político se opõe a um aumento do sálario mínimo é suficiente para predizer, com razoável confiabilidade, a opinião do político em muitas questões aparentemente desconexas (POOLE & ROSENTHAL, 1997, p. 11 apud LEONI, 2002, p. 372).

Entretanto, focando nas estratégias de sobrevivência, dentre elas, o pertencimento à coalizão governista, surgem estudos que priorizam a dimensão racional e veem os parlamentares de forma pragmática, buscando a reeleição a todo custo. Algumas das variáveis mencionadas a seguir já foram objeto de estudo no Capítulo 3 desta tese, porém, ao revisar esses aspectos, já estaremos fazendo um link com o nosso próximo capítulo que focará no exame das políticas públicas.

Tendo como unidade de análise os congressistas norte-americanos, Mayhew (1974) indica três tipos bem definidos de estratégias adotadas por eles, que repercutem nas suas chances de reeleição: 1) Credit claiming: isto é, a propaganda que os deputados fazem, junto aos seus eleitores, de suas ações e conquistas no Congresso; 2) Pork barrel: refere-se à distribuição de recursos e benefícios, que podem ser políticas públicas específicas ou até ganhos na forma de favores a indivíduos ou grupos; e 3) Position taking: comportamento mais ideológico, na medida em que indica seu posicionamento perante temas específicos.

Seguindo Mayhew (1974), outros autores debateram os tipos de estratégias levados em conta pelos congressistas. Qual ofereceria maiores vantagens, pork barrel ou position taking? Essa discussão é central na literatura sobre eleições legislativas. McAdams & Johannes (1988), por exemplo, indicam que o posicionamento ideológico e a eficiência legislativa dos parlamentares são as estratégias mais eficazes para obter votos quando comparados a obtenção de políticas tipo

pork barrel. Bickers & Stein (1996) e Serra & Cover (1992) discordam dessa conclusão,

afirmando que os recursos formais do candidato à reeleição contribuem para seu sucesso eleitoral de forma indireta. Políticas distributivistas (pork barrel) restringiriam o surgimento de desafiantes de qualidade no distrito eleitoral e a utilização dos recursos do cargo aumentariam

a chance de apoio ao candidato de eleitores de outros partidos. Assim, os recursos do cargo têm papel central em restringir as possibilidades de surgimento de competição dentro dos distritos eleitorais.

Nesse mesmo contexto, Ames (1995) estudou as estratégias dos parlamentares para explicar os resultados eleitorais. Para ele, é eleitoralmente importante para os candidatos as vantagens que ele tenha conseguido transferir, principalmente, do orçamento federal, que tenha beneficiado suas bases eleitorais. É importante firmar a imagem de um deputado/senador que “luta pelos eleitores”. Isso traria ganhos eleitorais e aumentaria as suas chances de reeleição e, nesse sentido, políticas distributivistas aumentariam a probabilidade de reeleição.

Contudo, os achados de Ames (1995) foram criticados por Samuels (2000). Para o último, o foco do debate não deveria ser a reeleição ou os seus determinantes. O que se deveria explicar, na verdade, são as altas taxas de renovação da Câmara baixa brasileira. De acordo com Samuels (2000), os congressistas anseiam por cargos no Executivo, colocando as vagas no Legislativo em segundo plano. Os arranjos político-institucionais no Brasil não estimulam a reeleição, bem como, as políticas distributivistas são superestimadas, visto o impacto que realmente exercem sobre suas chances de reeleição. Para ele, então, o fator de maior importância seria o quanto se gasta nas campanhas. Em suma, o que potencializaria as chances do parlamentar voltar ao Congresso seria o quanto de dinheiro ele gastou diretamente com a sua campanha do que o montante de recursos federais alocados por conta da sua influência (pork barrel).

Em 2001, Pereira & Rennó desenvolveram uma pesquisa em que argumentam que os eleitores brasileiros são levados a dar maior importância aos benefícios concentrados localmente, oriundos da participação dos deputados, do que aos fatos mais complexos do cenário político nacional. Segundo Pereira & Rennó (2001, p. 19), “[...] diante das opções e recursos disponibilizados durante seus mandatos, a distribuição de benefícios locais proporciona muito mais retornos eleitorais do que as atividades legislativas dentro da Câmara ou as posições de voto assumidas em relação a uma determinada política.” Por isso, o nosso sistema poderia ser comparado ao norte-americano, de voto distrital. Nesse contexto, os parlamentares agem transferindo benefícios governamentais que são geograficamente identificáveis. Esse comportamento estaria de acordo com o modelo proposto por Mayhew (1974) o que possibilitaria sua aplicação para os estudos legislativos no país.

Esta discussão sobre a melhor estratégia levada em consideração pelos políticos, a saber, a concentração de benefícios nas suas bases eleitorais, abre a possibilidade de acrescentar mais

um tópico para esta tese. As perguntas são: 1) Em que medida os parlamentares podem se beneficiar da política externa? 2) A política externa pode ser compreendida como uma política pública? Dessa forma, é necessário trazer elementos do estudo dessa subárea da Ciência Política e tentar criar links com o campo da política externa. Este é o objetivo do Capítulo 5.