• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 .Sociedade de Consumo e a Produção do Espaço

1.3 A Formação dos Espaços Utópicos Degenerados

O espaço não é apenas um produto, mas sim, uma condição geral da produção e da existência humana, sendo que quando consumido não é destruído e, sim, modificado. Quando o mesmo é produzido as relações sociais se materializam. As relações sociais podem se materializar no espaço através da forma e da função que são atribuídas pelos agentes sociais, (SANTOS,1994).

Santos (1996, apud Gomes, 2002) nos afirma que

[...]o espaço possui uma dupla dimensão. Ele é composto do dialético mantido entre a disposição física das coisas e as ações ou práticas sociais que aí têm lugar. O espaço é uma forma-conteúdo, o conjunto dos sistemas de formas e ações.[...] . A disposição física das coisas materiais, ou mais precisamente essa ordem espacial, possui uma lógica ou uma coerência. [...] De forma resumida, o espaço geográfico é, simultaneamente, o terreno onde as práticas sociais se exercem, a condição necessária para que elas existam e o quadro que as delimita e lhes da sentido (GOMES, 2002, p 171- 172).

Segundo o mesmo autor, o espaço é a interação entre forma e conteúdo. A forma depende do conteúdo e o conteúdo da forma. A união de forma e conteúdo constitui, com processos em curso, a estrutura do espaço geográfico. Portanto, em uma sociedade que busca valores mais individualistas desencadeiam-se processos com o intuito de criar espaços menos conflitantes, mais homogêneos, sociedades mais harmônicas, onde o resgate de ideais de sociedades e espaços utópicos podem ser um importante aliado na compreensão dos mesmos.

Bueno (1976), define utopia como sendo algo que está organizado da melhor maneira, perfeito; plano teórico que não pode ser realizado; projeto irrealizável, espaço que não existe.

O objetivo da utopia filosófica de Thomas More era a harmonia e a estabilidade sociais. Todas as forças que potencialmente podiam comprometer a feliz perfeição da ordem social e moral eram excluídas. Para ele utopia é uma ilha artificialmente criada que funciona como uma economia isolada, coerente, organizada e, em larga medida, de espaço fechado (embora sejam postuladas relações estritamente monitoradas com o mundo exterior). A organização espacial interna da ilha regula de maneira estrita um processo estabilizado e imutável (HARVEY, 2004).

O utópico como livre organização espacial tornou-se, com a iniciativa de More, um fértil recurso de exploração e expressão de uma ampla gama de idéias concorrentes sobre relações sociais, organizações morais, sistemas político- econômicos e coisas desse gênero. Nas idéias utópicas encontra-se a fonte inspiradora de soluções para os problemas que afetam o espaço.

Na busca por encontrar alternativas, observa-se uma dialética com as formas de governanças e autoritarismo buscando a materialização das utopias por meio de práticas político-econômicas. Os ideais utópicos almejam a perfeição e conduzem através de mecanismos tecnológicos e da ciência a criação de soluções, objetivando uma sociedade mais justa em um espaço urbano mais equilibrado, com menos desigualdades.

Segundo Harvey (2004), com o intuito de limitar, ou mesmo de impedir, que se criem soluções que não interessariam ao neoliberalismo competitivo, o mesmo atua de forma discreta, eficaz e insidiosa no âmbito das principais instituições, meios de comunicação e as universidades, moldando o contexto imaginativo .

O politicamente correto imposto pela força bruta do dinheiro (associado à lógica da competição do mercado) tem feito muito para censurar e ignorar as opiniões no interior dessas instituições, que estejam em oposição as práticas neoliberais.

Tais práticas têm contribuído para criar espaços que buscam perpetuar o fetichismo da cultura da mercadoria ao invés de criticá-los , surgindo o que se denomina de espaços utópicos degenerados, entre eles os atuais condomínios

fechados . O termo degenerado é atribuído a determinados espaços devido os

mesmos não possuírem seus fundamentos laçados nos ideais utópicos . Determinados espaços são simulacros de ideais utópicos.

Os condomínios fechados fundamentam-se na criação de um espaço utópico onde existe a proposta de ambientes protegidos, seguros, homogêneos, bem organizados, de acesso restrito, sobretudo, agradáveis, relaxantes e isentos de conflitos. Cabe ressaltar que juntamente com eles existe toda uma atmosfera

alienante desenvolvida pelo marketing imobiliário que impede que seus potenciais

proprietários diferenciem o utópico do realizável.

Conforme Benjamim(1969):

[...] acerca das arcadas parisienses do século XIX, todo o ambiente parecia projetado para induzir antes o Nirvana do que a consciência crítica.E muitas outras instituições culturais , parecem ter como objetivo o cultivo da nostalgia, a produção de memórias coletivas higienizadas, a promoção de sensibilidades estéticas acríticas e a absorção de possibilidades futuras numa arena não- conflituosa eternamente presente. Os contínuos espetáculos da cultura da mercadoria, incluindo a transformação do próprio espetáculo em mercadoria, desempenham seu papel do fomento da indiferença política. Um Nirvana estupidificado[...]. As múltiplas utópicas degeneradas que hoje nos circundam, elas antes exemplificam do que criticam a idéia de que “não há alternativa”, a não ser as advindas da conjunção entre as fantasias tecnológicas, a cultura da mercadoria e a acumulação interminável do capital (BENJAMIM, 1969, apud HARVEY, 2004, p 221).

 O mercado cria um espaço utópico degenerado, que não deixa de ser uma mercadoria-signo a qual se deseja consumir. O que se compra não é privacidade, conforto, nem muito menos segurança mas, sim, o status de morar entre os semelhantes, os iguais, pertencentes a uma camada da sociedade que deseja não conviver com os problemas gerados pela sociedade da qual são integrantes.

No espaço urbano passa a proliferar inúmeras mercadorias-signos (simulacros) que estão dissociadas do mesmo fazendo com que a cidade torne-se apenas o espaço das mercadorias .