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A FORMAÇÃO INTELECTUAL DOS SIMBOLISTAS MINEIROS

bordar a formação literária dos simbolistas mineiros não é uma tarefa fácil, principalmente pela escassez de informações sobre muitos deles. Mesmo em relação aos escritores que mereceram a atenção de algum crítico ou historiador, a dificuldade não é pequena. Nesse caso, nos deparamos com muitas informações que devem ser verificadas e analisadas cuidadosamente. Um exemplo que demonstra muito bem o grau de complexidade desse tipo de estudo foi a reposta dada a João do Rio por José Severiano de Rezende sobre a sua formação literária. A declaração gera mais dúvidas e questionamentos do que certezas sobre a formação do escritor simbolista. Em primeiro lugar, fica evidente a sua disposição de se afastar da imagem do escritor ligada a um letramento literário de tipo escolar.

Eu positivamente não sei bem como foi a minha formação literária. Não estou mesmo certo se houve ou se há em mim isso que o amigo chama respeitosamente “uma formação literária”. Só sei de uma coisa: é que desde cedo tive sempre uma insaciável necessidade, ou para melhor dizer, uma intensa ânsia de cultura, que me levou a ler, ler, ler, e dessas leituras várias, mas bem orientadas, me ficaram, creio, uma estesia e um estilo – estesia ainda a corporificar em síntese e estilo ansioso de realizar a Forma. A minha formação literária é feita pois de um amálgama em que são ingredientes as obras-primas que eu admiro e que eu amo. Porque eu entendo que a coisa literária, como os diletantes a tomam, será sempre mesquinha e desinteressante se não for elaborada com o intuito de reproduzir o Belo, e o que reproduz o Belo é a Obra Prima, ou seja palavra falada ou escrita, ou seja som, cor, linha ou bloco. Por isso é que esta expressão “formação literária” me soa mal. “Formação literária” parece querer indicar pretensiosamente o que quer que seja que se assemelha, verbi gratia, a “colação de grau”; há nessa fórmula de aula de retórica, um perfume de bacharelice compenetrada da sua canonização literária. Fico por conseguinte, tonto, instado para dizer quais os autores que mais contribuíram para a minha formação literária. Estou certo que o Sr. Barão de Loreto160

160 Franklin Américo de Meneses Dória, barão de Loreto, foi advogado, orador, magistrado, poeta e

político monarquista brasileiro. Tornou-se professor do Externato no Colégio Pedro II após apresentar uma tese para o concurso da cadeira de Retórica, Poética e Literatura Nacional. Integrou diversas associações culturais e filantrópicas e foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897.

ou o Sr. Barão de Paranapiacaba161, versicultores cobertos de cãs,

não hesitariam, um minuto, na resposta. Eu hesito, porque, francamente, não tenho formação literária, e acho que ninguém deve tratar de ter.162

Em segundo lugar, a menção de autores do cânone ocidental na sua “formação”, revela a intenção de mostrar-se superior em relação aos círculos e cenáculos nacionais, considerados como ambientes que não valorizavam os verdadeiros talentos e se regiam por princípios mesquinhos.

A minha formação literária é isso: uma grande revolta e uma grande aspiração – revolta contra o pedantismo inativo do medalhão e a maçonaria nula das coteries, aspiração à luta sincera pela Arte e pela supremacia do Talento. A minha formação literária inspira-se pois nessa direção e a minha doutrina bebo-a nas fontes supernas que borbulham nos píncaros: Homero, Ésquilo, Virgílio, Dante, Shakespeare, Cervantes, Goethe, Balzac, e, sobretudo, a tout

seigneur tout honneur, Ricardo Wagner, o mestre dos mestres, o

colosso sobre-humano, o descobridor dos novos mundos da Arte, o único a quem é imprescindível pedir licença quando se quiser dissentir de idéias.”163

No trecho final de sua resposta, Severiano de Rezende mencionou que também faziam parte de sua lista de autores preferidos Hugo, Péladan, Huysmans, Leconte, Verlaine, Mallarmé, D’Annunzio, Flaubert, Chateaubriand, Heredia, Petrarca e Poe.164

A fala curiosa e polêmica deve ser considerada com reservas. Não apenas por sua intencionalidade polêmica, mas também por não revelar toda a gama de seus contatos com autores brasileiros e estrangeiros. No entanto, ela nos dá um perfil bastante interessante de Severiano de Rezende e demonstra que ele buscava dialogar com a tradição e a modernidade literárias. Apesar de não ter mencionado

161 João Cardoso de Meneses e Sousa, Barão de Paranapiacaba (Santos, 25 de abril de 1827 — Rio

de Janeiro, 2 de fevereiro de 1915), foi poeta, jornalista, advogado, tradutor, professor e político brasileiro.

162 REZENDE apud RIO, 1994, p. 132-133 163 REZENDE apud RIO, 1994, p. 133-134 164 REZENDE apud RIO, 1994, p. 134.

escritores brasileiros na resposta à questão de João do Rio, Severiano de Rezende discorreu bastante sobre a literatura brasileira produzida entre fins do século XIX e princípio do século XX, fornecendo elementos importantes para compreendermos o seu posicionamento crítico em relação ao sistema literário daquela época.

Ao contrário do que Severiano de Rezende queria fazer crer, o letramento literário de um escritor também ocorre nas escolas através das obras literárias que fazem parte dos livros didáticos, das selecionadas pelos professores e das acessíveis nas bibliotecas escolares. Em vista disso, torna-se necessário distinguir, na formação literária dos escritores, uma vertente relacionada ao seu percurso escolar, à educação administrada por instituições de ensino. Outra está relacionada a um conjunto de saberes adquiridos no exercício de sua função intelectual, na sua prática profissional, na frequência aos salões e clubes literários, na vida boêmia, nos eventos culturais (teatro, mostras de arte, concertos, cinema) e através de leituras diversas ou da troca de correspondência com outros escritores. Ou seja, um estudo da formação literária dos escritores envolve também uma compreensão de sua participação em variadas redes culturais.

No caso de José Severiano de Rezende, a figura paterna foi bastante relevante para a sua formação. Além de escritor e jornalista, Severiano Nunes Cardoso também era professor. Quando José Severiano de Rezende nasceu, seu pai trabalhava como professor de Latim e Francês na escola pública de Mariana. Depois, tornou-se professor vitalício de Português no Externato oficial de São João del-Rei e na Escola Normal da mesma cidade.165 Segundo Renato de Lima Júnior, o

pequeno Severiano de Rezende teria aprendido a “soletrar brincando com os tipos”

165 O pai de José Severiano de Rezende desenvolveu uma intensa atuação política em defesa da

Monarquia como parlamentar do Partido Conservador e nas páginas do jornal Arauto de Minas, de São João del-Rei, que ele dirigiu e onde travou acalorada polêmica com os defensores dos ideais republicanos. O seu envolvimento com a causa da educação e as atividades intelectuais também deve ser mencionado. De acordo com João Dornas Filho, Severiano Nunes Cardoso de Rezende defendeu projetos relacionados à educação, como a criação da Escola Normal e de escolas primárias em pequenas localidades do interior mineiro. Também foi “reitor e professor do ‘Instituto de Humanidades Francisco de Assis’, cuja equiparação a ginásio pleiteou e conseguiu do governo federal. Dedicado ao estudo do Latim escreveu uma ‘Gramática da Língua Latina’ e um tratado de versificação”. Cf. DORNAS FILHO, 1972, p. 2. Segundo Vivaldi Moreira, ele também foi autor de um drama sacro em quatro atos, A Virgem-Mártir de Santarém, tendo tido um “notável relevo no meio intelectual ao lado de Aureliano Pimentel, Gastão da Cunha, Basílio de Magalhães e outros de igual estatura.” Cf. MOREIRA, 1971, p. 5-6.

usados para imprimir o jornal Arauto de Minas, dirigido por seu pai.166 Em sua formação escolar inicial, percebemos uma ênfase no estudo de línguas pois, no Externato de São João del-Rei, Severiano de Rezende habilitou-se em Francês, Latim e Português. Ênfase que parece ter sido decisiva em sua vida, como se verá no decorrer de nossa exposição. Apenas para dar uma idéia de como a língua francesa o marcou desde cedo, Severiano de Rezende publicou no Arauto de Minas, aos 16 anos, uma tradução da fábula “A cigarra e a formiga”, de La Fontaine, e, aos 17 anos, um poema em francês dedicado a uma atriz francesa que havia atuado em São João del-Rei. Nesse período de sua adolescência, ele estudava no Liceu Mineiro, em Ouro Preto, onde conheceu e se tornou amigo de Alphonsus de Guimaraens.

No Liceu Mineiro, Alphonsus de Guimaraens assistia aulas do professor de português João Nemrod Kubistschek, um poeta romântico.167 É provável que a escolarização da literatura realizada por este professor também tenha tido um papel significativo na formação de Archangelus de Guimaraens, já que o irmão de Alphonsus experimentou o mesmo tipo de ensino no Liceu Mineiro. É de se supor que, nesse educandário de Ouro Preto, os três jovens, além de laços de amizade, tenham desenvolvido afinidades intelectuais que contribuiram para definir posteriormente as características da literatura simbolista de Minas Gerais.

Muito interessante é a análise feita por Silvano Minense sobre a vida intelectual de José Severiano de Rezende na época em que estudou em Ouro Preto. Severiano de Rezende teria tido uma ligação com as idéias positivistas e sido admirador da literatura realista de Zola.

Em Ouro Preto, a convivência com os condiscípulos de idéias e princípios os mais livres, cimentados com os conceitos da filosofia do século XVIII, o conhecimento das obras de Voltaire, Rousseau e outros; a confraternização de pensamentos com os literatos modernos, especificamente Balzac, Zola, Victor Hugo, Renan – um sem número de publicistas e poetas, que na ousadia da linguagem e do pensamento pretendiam escalar o próprio Céu; a meditação

166 LIMA JÚNIOR, 2002, p. 28. 167 ALPHONSUS, 1960, p. 30.

das doutrinas de A. Comte, que nele tiveram logo um prosélito – tornaram José Severiano de Rezende um pensador livre, cujo espírito irrequieto e revolto buscava alar-se às mais vastas amplidões, como que achando por demais limitado o círculo, em que a educação, as conveniências sociais e a Religião o prendiam.168

O certo é que, em Ouro Preto, havia uma relação dos professores do Liceu Mineiro e dos participantes do movimento estudantil com a luta abolicionista e as idéias republicanas.169 A produção literária inicial de Alphonsus de Guimaraens

abordando temas políticos deve ser pensada em relação a esse contexto. Três dos seus professores no Liceu Mineiro atuaram na luta abolicionista: Afonso de Brito (professor de latim e diretor substituto em 1885), Samuel Brandão (professor de matemática) e Manuel Ozzori.170 Os dois primeiros publicavam o jornal abolicionista

A Vela do Jangadeiro no qual pregavam uma “revolução pacífica” em relação ao

sistema escravista. Já Manuel Ozzori, a quem Alphonsus de Guimaraens dedicou o soneto “Dor eterna”, tinha uma opinião diferente, acreditando que a transformação poderia não acontecer pacificamente. Além do jornal abolicionista O Trabalho, Ozzori também dirigiu o Almanaque administrativo, mercantil, industrial, científico e

literário do Município de Ouro Preto que publicou vários poemas de Alphonsus.

Entre esses poemas, encontram-se os versos de “Quinze de Novembro”, com evidente defesa dos ideais republicanos.171 Já os versos antiescravistas do soneto

“Tenebra et lux” foram escritos em 1888, numa época posterior à entrada de

Alphonsus de Guimaraens para o Curso Complementar da Escola de Minas. Além

168 MINENSE apud LIMA JÚNIOR, 2002, p. 30.

169 Em 1885, um grupo de estudantes fundou o Clube Republicano 21 de Abril. Cf. COTA, 2009, p. 8. 170 Segundo Luiz Gustavo Santos Cota (2009, p. 9-10), mais dois professores do Liceu Mineiro foram

atuantes no movimento abolicionista: Alcides Catão da Rocha Medrado e Eduardo Machado de Castro.

171 Alphonsus dedicou este poema ao seu irmão Artur Guimarães que estudou engenharia na Escola

de Minas. Talvez possamos associar a homenagem ao tipo de mentalidade política modernizadora que predominava naquela instituição de ensino superior. Poderia existir ainda uma correspondência da figura do irmão engenheiro com o discurso modernizador de certos setores do Estado para os quais a engenharia de obras públicas representava um papel de “vanguarda”. Alphonsus de Guimaraens Filho considerou Artur como o irmão de seu pai que “venceu na vida como homem prático”. De sua biografia, devemos destacar que foi professor e um dos fundadores da Escola de Engenharia da Universidade de Minas Gerais. Ele também ocupou cargos importantes na administração de Minas Gerais (Diretor da Secretaria da Agricultura e Obras Públicas e depois Secretário da mesma pasta). Cf. GUIMARAENS FILHO, 1995, p. 237. Quanto ao envolvimento da família de Alphonsus com a república, cumpre lembrar que as ideias republicanas tiveram na figura do tio materno de Alphonsus, Cesário Alvim, um defensor histórico.

desse ambiente propício para as manifestações contrárias à escavidão, devemos lembrar que o escritor Bernardo Guimarães, tio de Alphonsus, foi um importante abolicionista, autor do famoso romance A escrava Isaura.

José Severiano de Rezende, Alphonsus de Guimaraens e seu irmão Archangelus de Guimaraens se encaminharam para o curso de Ciências Jurídicas e Sociais em São Paulo. No período em que lá estiveram estudando, a Academia de Direito tinha uma orientação diferente da que experimentou a geração de Álvares de Azevedo e seus amigos mineiros Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa. No tempo dos três poetas românticos, o ecletismo espiritualista predominava. Contrapondo-se a esta orientação filosófica, Álvares de Azevedo escreveu um discurso proferido em 1850 na sessão de instalação da sociedade acadêmica. Azevedo afirmou que buscava “não uma ciência fragmentária e parasita do passado, pálida cópia do que foi, como o entendeu o ecletismo de Cousin”, preferindo o “transcendentalismo alemão – Kant, Fichte, no idealismo mais puro e vaporoso, reduzindo o panteísmo de Spinoza e a visão em Deus de Malebranche ao egotismo de Fichte e Hegel”.172 A preocupação com problemas relacionados à política e ao Estado fizeram com que o interesse pelo individualismo jurídico de Kant fosse deixado de lado primeiramente por uma influência da doutrina de Krause e depois pelas doutrinas positivistas e evolucionistas. No final do século XIX, as novas diretrizes do curso de Direito de São Paulo revelavam uma crescente valorização dos estudos de Antropologia e Sociologia segundo uma orientação positivista e evolucionista. Lá eram discutidas as teorias sociais de Comte, Spencer, Stuart Mill, Worms, Le Bon, Tarde, Novicow, entre outros.

A fundação do Liceu Mineiro em Ouro Preto, no ano de 1854, coincidiu com o período áureo do ecletismo espiritualista no Brasil. Tal corrente de pensamento predominou na fase inicial do Liceu Mineiro e também deve ter sido a diretriz adotada por Bernardo Guimarães depois que assumiu, em 1867, o cargo de professor de Filosofia dessa instituição, onde ele também ensinou Português, Retórica e Filologia durante muitos anos. Além de Bernardo Guimarães, o Liceu Mineiro contou com outros intelectuais de grande relevo como Rodrigo José Ferreira Bretas e Afonso Arinos. Bretas, que teve um papel decisivo na difusão do ecletismo

espiritualista em Minas, foi diretor e professor de Filosofia do Liceu Mineiro. Já Arinos ensinou História.

De acordo com Ângelo F. Palhares Leite, o Liceu Mineiro representou um projeto de modernização educacional naquela época, marcando uma sensível diferença tanto em relação ao ensino dos seminários, onde dominava a escolástica, quanto em relação ao praticado nas escolas régias.

Na verdade, foi o primeiro processo de modernização (ou atualização – modernismo filosófico?) do ensino de filosofia no Brasil independente (o primeiro foi o das reformas pombalinas, mas de extração colonial, portanto luso-brasileiro) [...]173

O Liceu Mineiro era a principal escola pública dedicada ao curso secundário da província de Minas Gerais e disponibilizava não apenas uma formação em humanidades, mas também uma formação técnica em Farmácia, contando com disciplinas como Química e Matéria Médica. A disciplina Filosofia foi mantida com a mesma orientação teórica (isto é, o ecletismo espiritualista) nessa escola até o final do século XIX, quando foi remodelada segundo as concepções positivistas dos republicanos e mudou de nome para Ginásio Mineiro.

Antes de ir para São Paulo, Alphonsus de Guimaraens matriculou-se no Curso Complementar da Escola de Minas de Ouro Preto. O curso de Engenharia foi, porém, abandonado alguns meses depois de iniciado. A Escola de Minas promovia uma formação de quadros técnicos para o país. Muitos de seus ex-alunos se envolveram na burocracia estatal, na criação de indústrias e na política econômica do país. Era uma instituição com finalidade prática e com professores franceses voltados para o estudo da natureza. Segundo José Murilo de Carvalho, aqueles mestres eram “herdeiros das reformas napoleônicas da educação, sobretudo da

École Normale Supérieure, onde Gorceix174 fora aluno de Pasteur” e introduziram em

Minas Gerais uma mentalidade voltada para a pesquisa científica, até então ausente

173 LEITE, 2005, p. 243.

de nosso ensino.175 A Escola de Minas também foi um centro de difusão de idéias modernizadoras do ponto de vista político. De acordo com José Carlos Rodrigues, os estudantes e os professores da Escola de Minas “foram os propagadores mais ardorosos das idéias republicanas” em Ouro Preto.176 Antônio Olinto dos Santos Pires, que era professor de Matemática, Agrimensura, Topografia e Cosmografia na Escola de Minas, foi um ardoroso republicano e, depois de instituída a república, tornou-se o primeiro Presidente Provisório de Minas Gerais.

Voltemos, agora, a José Severiano de Rezende. O seu percurso foi curioso. Tendo feito parte do curso de Ciências Jurídicas em São Paulo e depois se matriculado na Faculdade de Direito de Ouro Preto, resolveu entrar para o Seminário de Mariana, ordenando-se padre ao final de sua formação religiosa.

Quando voltamos a nossa atenção para a resposta de Severiano de Rezende dada a João do Rio, notamos que ele fez uma crítica à expressão “formação literária” por lhe parecer associada a “colação de grau”, “fórmula de aula de retórica” e “perfume de bacharelice compenetrada”. Seria uma alusão à formação acadêmica da maioria dos intelectuais brasileiros daquela época? Severiano de Rezende teria buscado evitá-la abandonando o curso de Direito? O interessante dessa crítica do poeta mineiro é que ela nos faz pensar na análise que Sérgio Buarque de Holanda fez do bacharelismo associado ao caráter nacional brasileiro com seu “amor pronunciado pelas formas fixas e pelas leis genéricas”.177 Sérgio Buarque apontou ainda como características dessa mentalidade o prestígio

[...] da palavra escrita, da frase lapidar, do pensamento inflexível, o horror do vago, ao hesitante, ao fluido, que obrigam à colaboração, ao esforço e, por conseguinte, a certa dependência e mesmo abdicação da personalidade têm determinado assiduamente nossa formação espiritual. Tudo quanto dispense qualquer trabalho mental aturado e fatigante, as idéias claras, lúcidas, definitivas, que favorecem uma espécie de atonia da inteligência, parecem-nos constituir a verdadeira essência da sabedoria.178

175 CARVALHO, 2005, p. 67. 176 RODRIGUES, 1986, p. 161. 177 HOLANDA, 1987, p. 117. 178 HOLANDA, 1987, p. 117.

Esta análise pode dar uma idéia do grau de ruptura que a poesia simbolista representou no Brasil e sugerir, por outro lado, algumas explicações para o modo como o Simbolismo foi avaliado pelos críticos e apropriada por vários poetas entre o final do século XIX e primeiros anos do século XX. A recepção inicial de Mallarmé no Brasil é bastante reveladora dessa mentalidade bacharelesca. Muitos leitores diziam preferir Verlaine e outros demonstravam mais simpatia pela primeira fase de Mallarmé. A preferência por Verlaine indicia a primazia de um Simbolismo menos hermético e exigente.179

A entrada de Severiano de Rezende para o Seminário de Mariana causou muita surpresa. O fato foi comentado por seus colegas da Academia de Direito de São Paulo e também pelos jornalistas. Alguns interpretaram a sua atitude como uma influência das obras e da vida de Huysmans.180 O importante é salientar que o tipo

de educação religiosa proporcionado pelo Seminário de Mariana era de cunho tradicionalista e teve profunda influência na obra de Severiano de Rezende. Repercussão facilmente perceptível não apenas na sua hagiografia, O meu flos

sanctorum, mas também nos poemas de Mistérios.

O Bispo de Mariana, D. Antônio Ferreira Viçoso, logo após assumir a Diocese de Mariana em 1844, estabeleceu uma diretriz católico-conservadora, ou seja, ultramontana, de origem contrarreformista, para o ensino no Seminário. Uma diretriz justificada pelo Syllabus, de Pio IX. Se o tradicionalismo religioso tinha um aspecto

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