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RESULTADOS E DISCUSSÃO

C. A Formação para o Cuidado Humanizado ao Paciente

O terceiro e último eixo de apresentação e discussão de resultados deste trabalho relaciona-se aos processos formativos voltados ao aprimoramento, por enfermeiros, de competências para a realização de um cuidado humanizado ao paciente hospitalizado.

Como já foi discutido nos fundamentos teórico-conceituais, a formação profissional consiste essencialmente no desenvolvimento de competências que favoreçam a intervenção resolutiva em situações peculiares a um determinado campo de atuação. A questão da atenção, da disponibilidade, foram preponderantes nas falas dos entrevistados:

“Enxergar o outro, ser gentil, conseguir ser próxima do outro, estar atento às suas necessidades, ter sensibilidade, ter empatia. A gente tem que ter o ato do amor com um aperto de mão, com o olhar olho no olho. Eu acho que essas são algumas das competências que nós enfermeiros devemos desenvolver”

(E4).

“Acho que as competências necessárias são: você tratar o outro como humano, tratar o paciente com dignidade, com respeito, ser empático, ser atencioso, se colocar no lugar do outro, ter disposição para resolver seus problemas, ser uma pessoa calma, altruísta. Não digo uma pessoa que deva estar sempre bem humorada, mas que tenha um sorriso no rosto para aquele que está passando por um momento de dor, saber ouvir o que paciente tem a dizer, ter humildade para ouvir de repente uma

reclamação, estar preparado para ouvir um paciente que lhe trata de forma mais exaltada, austera, até ferindo a sua identidade. Acho que são estas as principais competências que o enfermeiro deva ter”. (E7)

Expandindo o escopo das competências citadas e particularizando a análise apresentada no Referencial Teórico deste trabalho, devemos considerar Feldman (2007), que apresenta quatro dimensões de competências, no campo peculiar de atuação do enfermeiro:

1. Competências Comunicativas: capacidade de se expressar, comunicar e negociar através do desenvolvimento da prática do diálogo;

2. Competências do Cuidado: capacidade de interagir com o paciente considerando suas necessidades e escolhas, valorizando a sua autonomia, a partir da concepção de saúde como qualidade de vida;

3. Competências Organizacionais: capacidade de auto-planejamento, de auto-organização, de estabelecer métodos próprios de gerenciar o seu tempo e o seu espaço, desenvolvendo a flexibilidade no processo de trabalho e

4. Competências de Serviço: capacidade de compreender e se questionar no âmbito dos impactos que seus atos profissionais terão direta ou indiretamente sobre os serviços ou pacientes, ou ainda de que forma os pacientes serão beneficiados.

Neste mesmo sentido, Manfredi (1998) afirma que as dimensões de competência na prática do trabalho materializam-se no: saber fazer (englobando as dimensões práticas, técnicas e científicas, construídas na formação e consolidadas pela ação cotidiana), saber ser (incluindo traços de

personalidade, caráter, comportamentos, iniciativa, comunicação, inovação, produtividade e competitividade) e o saber agir (referindo-se à resolutividade das intervenções e a decisão nas diversas eventualidades). A autora aproxima- se dos princípios fundamentais da educação, de um modo geral, proposta pela UNESCO em 1999 (Delors) e anteriormente comentados para o século no qual vivemos atualmente: o saber conhecer, o saber fazer, o saber ser e o saber conviver.

Além do preparo inadequado para o cuidado humanizado durante a graduação, os participantes ressaltaram também lacunas em suas trajetórias profissionais, nas diversas instituições em que atuaram. Foram enfocadas algumas das oportunidades não aproveitadas de atividades de educação continuada, nas quais a reflexão supervisionada a partir de suas práticas poderia sensibilizar e capacitar os enfermeiros para uma maior humanização, na assistência a pacientes hospitalizados.

“Eu acho que o profissional que temos hoje precisa de preparo ‘humano’ em primeiro lugar, porque na faculdade a gente vê que o enfermeiro adquire bastante conteúdo técnico-científico, mas não vê situações que são discutidas, como: as necessidades do outro que estão abaladas, o que fazer em um momento de emergência? Como lidar com uma situação onde uma mãe está à beira de um ataque de nervos, gritando com você, por estar perdendo o seu filho? Como o profissional enfermeiro pode lidar com esta situação?” (E5).

“Só vejo um caminho: conscientização, um trabalho com a educação continuada realmente a instituição investir nisso, já que a gente vê muito pouco na faculdade. Não tem outro caminho além de conscientizar os enfermeiros desta importância, para que eles também possam humanizar as suas equipes” (E3)

A diversificação das atividades de educação continuada teve um lugar particularmente destacado nas falas, algumas inclusive apresentando soluções muito criativas, referindo-se a experiências anteriores de formação:

“Tive uma experiência acadêmica na disciplina de psicologia. A professora colocou-nos em dupla, vendou nossos olhos e pediu para darmos uma volta no quarteirão com os alunos nos acompanhando e fazer vice e versa e tínhamos que descrever o que era depender do outro, o que era esperar do outro. Durante o percurso íamos perguntando se tínhamos sido gentis, se realmente fomos informados sobre os obstáculos, por que nos deixaram tropeçar... Isso foi muito marcante para mim enquanto acadêmica de enfermagem”. (E2)

“Acho que todos os profissionais deveriam passar por uma reciclagem, revendo a forma de tratar o paciente através de: palestras, depoimentos dos próprios pacientes que passaram por situações de desumanização e humanização, para saber o bem ou o mal que lhe foi causado. Acho que só assim, diante de um depoimento verídico, nós iremos nos sensibilizar mais com a

prática da humanização, principalmente quando se fala da clínica médico-cirúrgica, um dos setores mais complexos de um hospital” (E1).

“Algo que facilitaria o exercício das práticas humanizadas, (...) talvez não só falando, mas nos ensinando coisas práticas mesmo: colocar o profissional de saúde para ser um paciente, fazer uma peça de teatro com dramatização, (...) porque eu quero mesmo que o meu cliente seja bem tratado. (...) Talvez nós precisaríamos de umas intervenções mais em conjunto, em que as instituições estivessem preocupadas com isso.” (E8)

Torna-se, portanto, inquestionável que os enfermeiros valorizam e desejam processos para seu próprio desenvolvimento profissional. A partir de sugestões apresentadas pelos profissionais, podemos elencar, como remate do presente trabalho, alguns princípios norteadores para o planejamento de programas de educação continuada voltados para o desenvolvimento de competências profissionais, no âmbito da humanização dos cuidados de enfermagem a pacientes internados. Os princípios serão a base para a elaboração de um documento que possa subsidiar o planejamento de tais programas, no escopo da conclusão de um Programa de Mestrado Profissional.

Observaremos que tais princípios são coerentes com o ideário do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar – PNHAH (BRASIL, 2000), que tem como uma de suas diretrizes o desenvolvimento técnico e emocional dos profissionais de saúde, de forma aperfeiçoá-los para o

atendimento humanizado ao paciente. No que diz respeito aos seus objetivos e metas, observamos:

ƒ Melhorar a qualidade e a eficácia da atenção dispensada aos usuários da rede hospitalar;

ƒ Recuperar a imagem dos hospitais junto à comunidade; ƒ Capacitar os profissionais dos hospitais para um conceito de

atenção à saúde baseado na valorização da vida humana e da cidadania;

ƒ Conceber e implantar novas iniciativas de humanização

beneficiando tanto os usuários como os profissionais de saúde; ƒ Estimular a realização de parcerias e trocas de conhecimentos e ƒ Desenvolver um conjunto de indicadores/parâmetros de

resultados e sistemas de incentivos ao tratamento humanizado.

Quanto às propostas apresentadas pelos participantes para atividades de educação continuada no campo da humanização, algumas emergiram com mais ênfase, no conjunto das falas analisadas:

ƒ O processo de formação deve ser uma política institucional, em caráter contínuo, desenvolvendo-se no próprio ambiente de trabalho, de forma participativa;

ƒ No planejamento da discussão de situações problematizadoras podem ser valorizados depoimentos verídicos de pacientes que passaram por situações de humanização e desumanização, que possam suscitar reflexões a partir das histórias e experiências relatadas, em uma modalidade semelhante a “estudos de casos”.

ƒ As atividades devem contar com profissionais de outras áreas que não a enfermagem, destacando-se psicólogos e psiquiatras. Além de uma contribuição ampliada à discussão, tais atores podem contribuir com algum tipo de apoio emocional ao grupo.

ƒ As ações educativas na equipe devem considerar a multiplicidade de ações disponíveis, incluindo desde palestras a dramatizações, passando por um estudo teórico-conceitual que forneça bases para intervenções na prática do cotidiano.

ƒ A avaliação – considerada em sua amplitude maior, desde a aprendizagem aos processos educativos – constitui um marco essencial para o constante aprimoramento da formação.

Finalmente, da mesma forma que evidenciamos que o paciente deve ser alvo de cuidados humanizados, acreditamos que os enfermeiros igualmente fazem juz a um processo de educação continuada que os considere como seres integrais que, no seu cuidado a pessoas fragilizadas, também necessitam de atenção, cuidado e consideração por sua própria condição humana.

CONCLUSÕES E

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