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O Percurso da Pesquisa

Mapa 01: Mapa do Estado do Pará localização dos assentamentos por região, 2006.

II) Inscrevendo o Curso Magistério da Terra na Transamazônica

4) A formação: o perfil de educadores/as do campo

Com vistas a democratização da educação, os atores sociais procuraram desenvolver justificativas para a formação de professores/as-educadores/as do campo com base em um novo perfil. Essa opção exigiu oportunizar aos/as educadores/as um processo que lhes permitiria identificar, compreender e criticar teorias subjacentes a sua profissão, e ao mesmo tempo buscar transformar sua prática numa outra, reflexiva e dinâmica, por meio da participação no Curso (composto pelas ações do tempo-escola e tempo-comunidade) e na docência nas turmas dos projetos do PRONERA no assentamento e no estágio. Desse modo,

[..] o requisito para formar a identidade como camponês e cidadão do planeta, seu reenraizamento político, econômico, cultural, simbólico, físico, antropológico. Essa dimensão amplia sua relação além- assentamento, instiga-lhe pensar de sua comunidade próxima à mais distante, por ser capaz de identificar e explicar fenômenos e fatos sociais que contribuem para a dinâmica ambiental do assentamento, da região, do país, do continente, da Terra. (MOLINA, 2004, p. 42).

A identidade de agricultor/a, pescador/a, extrativista... ressignificada, levou-os a refletir sobre o papel da educação no desenvolvimento do campo e o seu papel no espaço-tempo como educador/a no contexto social. Os/as educandos/as do Curso são agricultores, portanto, realizam atividades agrícolas, mas também cultivam o hábito da caça, da pesca e a extração de produtos da natureza, como frutos (castanha, açaí, pupunha, etc), óleos (andiroba e copaíba) e plantas medicinais.

Nesse sentido, o Curso previu assegurar um perfil profissional da agricultura familiar e da Educação do-no Campo, ancorado na autonomia e na emancipação radical, com vistas à transformação da realidade, em que ³o educando é considerado sujeito, capaz de construir e produzir o seu próprio conhecimento e a sua história, cabendo à escola intermediar, organizar e estimular essa aprendizagem´. (UFPA, 2005, p. 16).

Discutindo a emancipação, Freire enfatiza que a sectarização é um obstáculo à emancipação humana e referencia o radicalismo comprometido com a transformação. Nesse aspecto, concordamos com Paulo Freire, para quem:

[...] a sectarização é sempre castradora, pelo fanatismo de que se nutre. A radicalização, pelo contrário, é sempre criadora, pela criticidade que a alimenta. Enquanto a sectarização é mítica, por isto alienante, a radicalização é critica, por isto libertadora. Libertadora porque, implicando no enraizamento que os homens fazem na opção que fizeram, os engaja cada vez mais no esforço de transformação da realidade concreta, objetiva. A sectarização, porque mítica e irracional, transforma a realidade numa falsa realidade, que, assim, não pode ser mudada. Parta de quem parta, a sectarização é um obstáculo à emancipação dos homens. O radical, comprometido com a libertação dos homens, não se deixa prender em ³círculos de segurança´, nos quais aprisione também a realidade. Tão mais radical, quanto mais se inscreve nesta realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la. Não teme enfrentar, não teme ouvir, não teme o desvelamento do mundo. Não teme o encontro com o povo. Não teme o diálogo com ele, de que resulta o crescente saber de ambos. Não se sente dono do tempo, nem dono dos homens, nem libertador dos oprimidos. Com eles se compromete, dentro do tempo, para com eles lutar (FREIRE, 1982, p. 14).

Nessa visão, a emancipação é um processo em que o sujeito dialógico conquista o espaço do fazer e da organização coletiva na busca da transformação da realidade, mesmo que negada em situações concretas. Nesse sentido, o conceito de emancipação discutido no Curso esteve imbricado com o conceito de autonomia.

E por isso, entendo que ambos não ³estão dados´, mas que se constroem em um

processo gradativo pelos sujeitos envolvidos na ação, em que estão presentes tensões e conflitos. Portanto, quando há essa conquista pelo sujeito dialógico, ele passa a decidir e assumir as conseqüências de suas decisões e suas responsabilidades, em que o princípio ético é importante para a conquista tanto da emancipação quanto da autonomia. Nesse sentido, afirma Paulo Freire (1982, p. 50):

Esta prática implica, por isto mesmo, em que o acercamento às massas populares se faça, não para levar-lhes uma mensagem ³salvadora´, em forma de conteúdo a ser depositado, mas, para, em diálogo com elas, conhecer, não só a objetividade em que estão, mas a consciência que tenham desta objetividade; os vários níveis de percepção de si mesmos e do mundo em que e com que estão.

Ancorados nessa compreensão, a intenção dos atores sociais é que o Curso propiciasse estudos, pesquisas e intervenção capaz de criar raízes nos

assentamentos para além das turmas do PRONERA, mas, também nas escolas da rede pública que esses/as educadores/as atuam a fim de afirmar processos educativos que estimulassem a autonomia, de modo a influenciar no debate e elaboração do projeto político-pedagógico das escolas municipais.

Por isso, o compromisso com a ³transformação social´ proposta no

objetivo do Curso, demandou um/a professor/a educador/a do campo engajado/a com as questões sociais e a conquista da cidadania, com vistas à autonomia e à emancipação. Dessemodo, a formação no Curso exigiu um/a educador/a:

[...] crítico-reflexivo, que domine os conhecimentos científicos, didáticos, metodológicos e organizativos referentes aos processos pedagógicos e à gestão educacional; que seja capaz de atuar em espaços educativos formais e não formais, valorizar a pluralidade de culturas e saberes, a dimensão estética do fazer humano e do trabalho docente, a dimensão política e ética no sentido de assegurar o princípio do respeito e da solidariedade e comprometer-se com a construção da cidadania e da emancipação dos sujeitos do campo, na perspectiva de um projeto sustentável para a região (UFPA, 2005, p. 12).

Nessa perspectiva, o Projeto Político-Pedagógico do Curso menciona como estratégico a inter-relação entre as dimensões técnico-profissional, estética, cultural e ética, necessárias à formação de educadores/as do campo, quais sejam:

A dimensão técnico-profissional contempla os conhecimentos científicos, a pluralidade de saberes, o domínio pedagógico, metodológico, organizativo do fazer educativo e a gestão educacional.

A dimensão estética do fazer humano e do trabalho docente valoriza a sensibilidade, potencializa a criatividade e a afetividade dos indivíduos que se desenvolvem em contextos culturais determinados.

Na dimensão cultural está a relação do homem e da mulher do campo com a terra, com a natureza, o tempo da produção, a vida coletiva, a celebração e transmissão da memória coletiva da Educação do Campo.

A dimensão política vem ao encontro da participação coletiva dos sujeitos do campo e da construção coletiva do projeto estratégico sustentável para a região.

A dimensão ética é fundada no princípio do respeito, da solidariedade e do bem comum. Ela é fundante para as demais dimensões, no sentido de que todas devem orientar-se por princípios éticos (UFPA, 2004, p. 12).

Nesses termos, o Curso previu uma formação coletiva, buscando despertar os sujeitos para a importância da eticidade no ato educativo, em que o/a

educador/a transformador/a seja capaz de mediar o processo de ensino- aprendizagem, com vistas à intervenção na realidade. O objetivo fundamental é, nas palavras de Freire(1987, p. 48), ³lutar com o povo pela recuperação da humanidade roubada e não conquistar o povo´. Ainda de acordo com o mesmo autor,

Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela [...]. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substantivamente formar [...]. (Freire, 1996, p. 36. Grifo nosso).

No perfil proposto, o/a professor/a-educador/a tem o papel, não de quem procura interagir com o/a educando/a para levá-lo a compreender relações sobre conteúdos específicos e muito menos o de transmissor do conhecimento, mas de

quem, por meio do diálogo, procura conhecer com o/a educando/a e ³ao ensinar

algo [...], o professor aprende algo deles também´ (FREIRE, 1996, p. 4).

Nesse sentido, o Curso abraçou e disseminou entre os/as educadores/as-

educandos/as a proposta da articulação nacional ³Por uma Educação do Campo´,

assumindo como elementos necessários para a formação de educadores/as do campo, os seguintes objetivos:

• reconhecer a existência do campo, sua realidade histórica e seus sujeitos; entender a educação como uma ação para o desenvolvimento humano;

• participar das lutas sociais do campo;

• compreender e trabalhar as matrizes da formação dos sujeitos do campo;

lutar por políticas públicas que afirmem os direitos da população do campo; • cultivar o cuidado e a relação com a terra;

• fazer da escola do campo lugar de formação de sujeitos e deixar-se educar pelos sujeitos do campo e pelo processo de sua formação, aspectos esses, que devem ser trabalhados em todos os espaços formativos da Educação do- no Campo, no re-fazer das práticas educativas. (CALDAT, 2004).