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A função económica da marca

CAPÍTULO III AS FUNÇÕES DA MARCA

1.1. A função económica da marca

Do ponto de vista económico, ainda hoje é admitido pela maioria dos autores a posição defendido por ISAY “Á marca cabe o desempenho acumulativo de três funções principais: A de indicação de origem dos produtos ou serviços, permitindo por este meio que os consumidores tenham um referencial que lhes faculte realizar as suas aquisições; A de garantia da qualidade dos produtos ou serviços marcados, no sentido em que o consumidor espera e deseja que, todos os bens em que a mesma marca seja aposta apresentem paritários níveis qualitativos; A de publicitária ou sugestiva, sendo recorrentes os exemplos em que o “valor da marca” transcende o valor dos elementos corpóreos da empresa da qual faz

parte”54

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Definidas que estão as posições; das utilidades de cariz económica ligadas à marca, sobressai uma outra, de função distintiva que se extrai do n.º 1 do artigo 222.º do CPI -“A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica… desde que sejam adequados a permitir a diferenciação dos produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.

Não obstante o enunciado linguístico do preceito seja claro, a sua aplicação, não raras vezes gera dificuldades, importando não perder de vista que na avaliação do caráter distintivo de um sinal cabe ponderar as particularidades do caso concreto e que a apreciação da marca deve ser efetuada “Por um lado, relativamente aos produtos e serviços a que se destina e, por outro, em relação à perceção que dela tem o público relevante, que é constituído pelo consumidor médio desses produtos ou serviços, normalmente informado e

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razoavelmente atento e advertido” 55. Permitindo assim aos consumidores definir as

qualidades ou defeitos, e/ou outras caraterísticas que lhe venham a conferir, que gozam os produtos ou serviços, e/ou determinado titular de uma marca quando este seja conhecido.

Vejamos, se definirmos imagem de marca como o conjunto de perceções desenvolvidas sobre um produto ou serviço do titular, devemos admitir que tal imagem forma uma “constelação de associações” apoiadas em atributos diferenciadores. A marca estrutura- se sempre em torno destes atributos de referência, tais como o prestígio, a economia e diversíssimos benefícios ou resultados atribuíveis ao produto ou serviço adstrito à marca. Uma vez que as dimensões consideradas só podem ser julgadas em termos comparativos, apreciáveis em escalas relativas de magnitude, é possível gerar universos percetuais indicativos da imagem de marca num gráfico pluridimensional que expresse a sua situação e a dos concorrentes. Este instrumento serve então ao posicionamento do produto ou serviço da marca.

Neste contexto podemos também concluir que o conceito de posicionamento pode ser definido como a tentativa de dar a um produto ou serviço uma certa identidade própria ou imagem, de modo a que os consumidores se apercebam das suas caraterísticas distintivas ou das suas vantagens relativamente a produtos concorrentes.

Sendo que o sucesso dos produtos depende, portanto, do significado que estes conseguirem sugerir aos consumidores, constituindo instrumentos de diferenciação entre produtos ou serviços semelhantes, permitindo assim que se realize uma associação na mente do consumidor, entre a marca que assinala um produto ou serviço e as diversas caraterísticas que aquele lhe venha a atribuir.

A marca funciona assim como um centro de imputação por parte dos consumidores, das qualidades ou defeitos que conferem a um dado produto ou serviço, estes mecanismos de associações de ideias permitem que uma empresa mediante o recurso às marcas, promova a comercialização dos seus bens através de políticas de qualidade ou campanhas publicitárias e que veja assim fixar-se uma clientela em torno da marca do produto ou serviço, ou mesmo, em torno do próprio titular, gerando assim mais volume de vendas e consubstancialmente maior valor económico.

Por outro lado e, na perspetiva do consumidor, a marca funciona como um referencial ao qual este liga a satisfação ou insatisfação experimentada aquando de consumos

55 OLAVO, Carlos (2005) - Propriedade Industrial. Vol. I - Sinais distintivos do comércio, concorrência desleal. 2.ª ed. Coimbra: Ed. Almedina, p. 82.

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anteriores ou a imagem favorável ou desfavorável que reteve da publicidade ou da experiência alheia.

Estas funções assumiram uma relevância decisiva nas modernas economias de mercado, devido ao peso crescente do elemento comercial no valor final dos bens e serviços. Consequentemente assistem a um enorme crescendo no domínio da procura; através de “campanhas” a nível global de sofisticadas técnicas de publicidade e distribuição que asseguram enormes ganhos aos operadores económicos detentores dessas marcas.

Nesse contexto, as marcas adquirem por vezes um valor incomensurável que transcende e, em muito, o dos restantes elementos patrimoniais da empresa.

Como salienta FERNÁNDEZ-NÓVOA 56, “O direito das marcas não existe para proteger as marcas, mas sim para proteger da confusão o público consumidor e, simultaneamente para garantir ao titular da marca o seu direito a que o público não seja confundido”. Quer isto dizer que a proteção legal referente às marcas não abrange necessariamente todas as vantagens que a sua utilização permite obter. O direito ao uso privativo de uma marca é concedido para que esta desempenhe, ao serviço de certos interesses, determinadas funções.

Os interesses e as funções legalmente assinalados às marcas dependem, obviamente, do modelo político e económico a considerar. Na síntese de CHAVANNE e BURST 57 podemos considerar basicamente duas posturas distintas: (i) uma postura, na perspetiva consumista ou corporativista – o modo lógico que explicava a existência de marcas nos países socialistas. Consubstanciando a afirmação do Prof. Stefan GRZYBOWSKI 58 (Relatório ao Colóquio de Cracóvia, novembro de 1974) “A marca serve para melhorar o funcionamento do processo de produção, para estimular as equipas de trabalhadores, para garantir a realização do plano e para uma precisa orientação dos consumidores”, que visa assegurar a identificação da origem dos produtos, com vista à proteção do consumidor ou da política económica do Estado. (ii) A outra postura, na perspetiva liberal, que faz do Direito das marcas mais uma parte do Direito da concorrência do que do Direito do consumo, sendo a marca meramente facultativa e servindo apenas como indicação de proveniência, o que, como anteriormente já analisamos, não é necessariamente sinónimo de identificação de origem.

56 FERNÁNDEZ-NÓVOA (1984) - Fundamentos de Derechos de Marcas. Madrid: Ed. Montecorvo, p. 45.

57 CHAVANNE, A. Jean; BURST, Jacques (1998) - Droit de la Proprieté Industrielle. 5.ª éd., Paris: Éd. Dalloz Delta, pp. 458 a 461.

58 GRZYBOWSKI, Mieczyslaw Stefan – Político, advogado. Especializado em Direito do trabalho, Direito civil e processual. Completou os seus estudos jurídicos na Universidade Jagiellonian em 1926. O doutoramento um ano depois. Em 1948-1952, foi eleito reitor da Escola Superior de Economia em Cracóvia (agora Cracóvia University of Economics ). Nos anos 1958-1962, foi reitor da Universidade Jagiellonian.

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Esta segunda postura é predominante corrente nos países de economia de mercado aberto, própria dos países Ocidentais, em que a marca serve principalmente os interesses do titular como um instrumento de diferenciação que este utiliza no jogo da concorrência, para melhor fixar os consumidores aos seus produtos ou serviços.

Embora tendo presente que, quanto à função jurídica da marca, tanto em Portugal como na generalidade dos países da Europa Ocidental, ao lado dos interesses privados do respetivo titular , se reconhece ao interesse público um papel relevante nesta matéria, na defesa e proteção dos consumidores. Todos estes mecanismos para melhorar o good will da marca, decorre do facto de o consumidor associar uma ideia atrativa aos produtos ou serviços que ostentam uma certa marca e tender, por isso, a procurar de novo os produtos ou serviços assinalados pela mesma. Fá-lo precisamente, porque a marca desempenhando a sua função indicativa, estabelece a ligação entre o produto ou serviço que o consumidor deseja e a fonte de onde o mesmo provém, numa tentativa de fixar o cliente à marca.

Esta tentativa de aproximar a marca ao consumidor, poderá levar-nos a aflorar sobre a teoria da fixação da clientela à marca; conduzindo-nos à seguinte questão: – Será que a marca tem a veleidade de fixar clientela aos seus produtos ou serviços?

Se entendermos que esta permite fixar a clientela é porque lhe indica a forma de encontrar de novo o mesmo artigo. Se é certo que a marca cumpre sempre esta função de indicação de proveniência, mas, nem sempre terá o veleidade de afirmar-se pela positiva na fixação da clientela à marca. Pelo contrário, o consumidor desagradado ou indisposto com aquilo que associa à marca, pode evitar em adquirir de novo o mesmo produto ou serviço, em detrimento de outro da mesma procedência.

Vários autores contestam esta teoria, no entanto não negam que a marca tenha apetência para fixar clientela. Contudo, sustentam que a pretensa fixação da clientela não é mais de que uma decorrência lógica e necessária do facto de a marca indicar a proveniência do bem, sendo que é a alusão mental à origem dos produtos ou serviços que propensa à sua aquisição. Resulta até do facto, de, não sendo o uso da marca normalmente obrigatório, nada impede o titular de uma marca de reputação degradada de deixar de a utilizar ou de a substituir por outra.

Por outro lado, não decorre do texto legal quaisquer normas que confiram legitimidade jurídica a esta teoria, nomeadamente, o Princípio da Liberdade da adoção da marca ou a sua livre alteração que tornam impossível a sustentação legal da teoria em

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análise59. Contudo, não podemos deixar de referenciar que, no âmbito económico, é entendimento global que o good will da marca advém, principalmente, da notoriedade que essa marca sustenta.

Desta feita, resulta como óbvio, que, ainda sob a égide da perspetiva economicista das marcas, o valor da marca deve ser juridicamente protegido pois, apenas dessa forma, será realmente preservado e garantido. O mesmo é dizer que as marcas detentoras de especial notoriedade devem ser objeto de uma atenção especial por parte do legislador.

Pese embora o supramencionado, se atentar na principal função jurídica da marca, de fixar, portanto, o plano económico e entrando já no âmbito jurídico, parece que não decorre da lei, pelo menos de forma direta e evidente, a necessidade de proteger a notoriedade das marcas, por si só. Assim sendo, temos em querer que o valor da marca apresenta -se com maior importância em sede económica do que em sede jurídica. Voltaremos a este tema em capítulo posterior.