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A Função Social do Ensino Agrotécnico

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Apesar dos dilemas sobre as relações entre educação e trabalho, já relatados neste capítulo, Saviani (2007) refere-se à importância do ensino médio na preparação do indivíduo para a vida e para o mercado de trabalho, simultaneamente. Segundo o autor, no ensino fundamental a relação entre educação e trabalho é mais sutil e implícita, pois visa-se uma formação generalista, a criação de um alicerce básico de conhecimentos sobre os quais os demais serão construídos. Já no ensino médio, essa associação deve ser mais direta, tanto para solidificar o conhecimento adquirido quanto para aproximar o conhecimento teórico de sua aplicação prática. O autor esclarece:

Assim, no Ensino médio já não basta dominar os elementos básicos e gerais do conhecimento que resultam e ao mesmo tempo contribuem para o processo de trabalho na sociedade. Trata-se, agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de produção. Tal explicitação deve envolver o domínio não apenas teórico, mas também prático sobre o modo como o saber se articula como processo produtivo (SAVIANI, 2007, p. 160).

Observa-se que Saviani (2007) reforça a importância da educação generalista em uma etapa (ensino fundamental) e da educação aplicada em outra (ensino médio), o que permite que o aluno construa uma ponte de comunicação entre teoria e prática. Essa compreensão é indispensável para que o indivíduo apreenda não só a razão do saber, mas também suas finalidades (construção pessoal, integração social, desenvolvimento profissional, etc.)

Depois de algumas mudanças na legislação, que havia descaracterizado seus objetivos, as escolas técnicas, transformadas em institutos federais, retomaram sua proposta de formação profissional, atualmente atuando em três níveis: técnico, médio e superior. Conforme Castro (2003), essa mudança foi extremamente positiva para os jovens das classes menos elitizadas, pois oferece-lhes a oportunidade de profissionalização, sem excluir a possibilidade de uma continuidade futura nos estudos. Segundo o autor, o esforço para melhoria das escolas técnicas provocou um aumento na clientela de classe alta, mais interessada no preparo para o vestibular do que na profissionalização.

Com a reforma do ensino técnico que separou a parte profissional da acadêmica, só vai hoje para o curso técnico quem está realmente interessado em uma profissão. O desinteresse das elites pelo lado profissional abre vagas para os mais pobres, que antes não conseguiam competir (em "vestibulinhos" com mais de dez candidatos por vaga) (p. 20).

Essa reestruturação afetou menos as escolas agrotécnicas, que mantiveram seu caráter local, atendendo a alunos que moram na região, tanto que a maioria de suas unidades estão instaladas em municípios afastados das capitais e em locais onde a economia é, prioritariamente, baseada na agropecuária. O fato de atenderemos três níveis de ensino favorece a ampliação da clientela, podendo suprir a demanda educacional das diversas faixas etárias.

A pesquisa de Souza (2009), realizada em 2008, na Escola Agrotécnica Federal de Uberlândia-MG, com 167 alunos do Curso Técnico em Agropecuária em concomitância com o ensino médio mostrou que 77,97% deles provinham de famílias que trabalhavam na área rural. Desses, após a conclusão do Curso Técnico, 66,42% pretendiam seguir a formação superior em especial os cursos de agronomia, veterinária e zootecnia, 22,13% trabalhar na área rural, e 7,63% pretendiam atuar na propriedade familiar.

Na pesquisa realizada com 23 egressos do Curso Técnico em Agropecuária do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifet) Catarinense-Câmpus de Sombrio, concluintes de 2007, Souza (2010) obteve resultados um pouco diferentes. Dos pesquisados, 33% haviam nascido na zona rural, mas apenas 21% ainda moravam no campo. Um terço deles estava cursando graduação na mesma área, mas 37% faziam curso superior em outra área profissional. Com a formação obtida, 73% dos egressos já estavam trabalhando, sendo 49% deles em empresas privadas e apenas 6% na propriedade da família, 3% atuavam como profissional liberal e o mesmo percentual, como microempresários. Dos que declararam trabalhar em empresas privadas, 89% já saíram do curso com vaga garantida e 91% declararam que o fato de terem cursado o Ifet representou um referencial muito significativo no mercado de trabalho.

Sobral (2005) efetuou uma investigação com os egressos da Escola Agrotécnica Federal de Concórdia (SC) e suas famílias, entre 1999 e 2002, considerando apenas aqueles que podiam ser enquadrados como agricultores familiares, e um total de 48 famílias. Também nessa região, a maior parte dos egressos (72,9%) não retornou à propriedade familiar depois de concluir o curso.

Desses, 20% faziam curso superior, 25,71% estão desempregados, 28,57% trabalhavam como técnicos agropecuários em outros locais e 25,71%, exerciam outras atividades.

Esses dados permitem observar que não há um padrão geral de comportamento para os egressos dos cursos oferecidos pelas escolas agrotécnicas (atualmente institutos federais) no que se refere ao retorno à propriedade familiar para dar continuidade ao empreendimento. Possivelmente outros fatores podem ser responsáveis pela opção em procurar trabalho em outros locais, tais como a oferta externa de melhor remuneração, o número de membros da família já envolvidos no trabalho da propriedade, as limitadas perspectivas de crescimento no faturamento, ou quaisquer outros que representem um desestímulo para que o aluno invista sua formação na melhoria das condições já existentes.

Por outro lado, o fato de a maioria encontrar colocação no mercado de trabalho com certa facilidade demonstra a qualidade da formação adquirida, seja para os que são contratados por empresas privadas, seja para aqueles que se dedicam ao trabalho como autônomos ou profissionais liberais. O que se confirma pelo baixo índice daqueles que migraram para outras áreas de atuação para trabalhar ou fazer um curso superior.

Dessa forma, as escolas agrotécnicas representam, direta ou indiretamente, uma alternativa importante para o desenvolvimento das camadas populares, características das pequenas propriedades situadas no interior do país. As escolas oferecem não só uma educação de qualidade, incluindo-se a formação profissional para ingresso rápido no mercado de trabalho, mas também um avanço nos níveis de escolarização desses grupos.

No próximo capítulo, para subsidiar a compreensão do corpus empírico da pesquisa, serão discutido o Curso Técnico em Agropecuária, a trajetória histórica da Instituição, locus da pesquisa e o contexto socioeconômico de Orizona.

O Curso Técnico em Agropecuária do Instituto Federal Goiano – Câmpus Urutaí tem formado, historicamente, técnicos e, consequentemente, participado da transformação, não só da vida dos estudantes, mas também na Região Sudeste de Goiás, especialmente, no município onde se encontra instalado, Urutaí, incluindo as cidades vizinhas, como é o caso de Orizona, cidade onde residem os alunos desta pesquisa. A forte expressão que é dada ao atual desenvolvimento técnico-científico, neste caso, a agropecuária, modifica o perfil do produtor rural em diferentes aspectos, associado às transformações socioeconômicos que envolvem também os estudantes. Segundo o Plano de Desenvolvimento Institucional do Câmpus Urutaí, o instituto vem se preocupando com a formação de seus alunos para os novos desafios, assim sendo percebe-se a necessidade de aperfeiçoamento em diversas áreas, com novas formações que permitam um maior e mais seguro acesso ao mercado de trabalho.

Este capítulo apresenta o sudeste Goiano, na sua conformação geográfica, com destaque para Urutaí e Orizona, com suas histórias, produção e demografia atual e um recorte histórico da constituição do atual IF Goiano Câmpus Urutaí, desde a criação da fazenda modelo até a sua transformação em instituto federal em 2008, ressaltando as principais alterações no status acadêmico ao longo do tempo. Por fim, apresenta-se as principais características do Curso Técnico em Agropecuária integrado ao ensino médio, ofertado na instituição desde 1977.

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