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A gênese do Serviço Social: duas perspectivas em debate

CAPÍTULO III – SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS HUMANOS: UMA

3.2 A ruptura com o conservadorismo: um novo projeto de profissão e as novas

3.2.1 A gênese do Serviço Social: duas perspectivas em debate

Em sua obra A Natureza do Serviço Social: um ensaio sobre sua gênese, a “especificidade” e sua reprodução, Carlos Montaño elenca duas teses sobre a origem do Serviço Social, diante do aumento de pesquisas sobre as causas e origem da profissão. Tentaremos brevemente debater as duas teses no objetivo de perceber as mudanças que envolvem a trajetória da profissão.

A primeira tese diz respeito à perspectiva endogenista, que atribui a origem do Serviço Social à evolução, organização e profissionalização das formas anteriores de ajuda, caridade e filantropia. É importante acentuar que existem diferenças no interior desta perspectiva, pois, há dois grupos distintos de pesquisadores seguindo essa prerrogativa: os provenientes do Serviço Social “tradicional” e os que fizeram parte do movimento que marcou a “intenção de ruptura”. Montaño (2009) destaca outra diferença: enquanto alguns autores relacionam o surgimento da profissão com as formas de ajuda aleatórias – sem delimitar um marco temporal –, o que remete os antecedentes do Serviço Social a formas de ajuda desde à Idade Média ou à origem da história, outro grupo de autores desta tese pensa os antecedentes ligados aos modelos de ajuda vinculada à questão social no pós-revolução industrial.

A exemplo disso Montaño cita autores que integram a perspectiva e suas particularidades. Natálio Kisnerman (1980) compreende que o Serviço Social tem sua origem atrelada ao positivismo de Comte no século XIX. Não muito diferente, Ezequiel Ander-Egg (1975) atribui a atenção aos pobres e desvalidos fruto da assistência social desenvolvida na Idade Média. Já García Salord (1990) considera a gênese do Serviço

Social no século XX, decorrente do desenvolvimento das ciências sociais e das funções do Estado, mas limita seu campo de visão entendendo a profissão decorrente do exercício da caridade.

Todas estas análises representam, na verdade, diferentes matizes e distintas ênfases da mesma tese: o Serviço Social é a profissionalização, organização e sistematização da caridade e da filantropia. [...] Têm, por isso, uma perspectiva endógena, onde o tratamento teórico confere ao Serviço Social uma autonomia histórica com respeito à sociedade, às classes e às lutas sociais. (MONTAÑO,

2009, p. 26-27, grifo do autor).

Montaño destaca que a tese endogenista desconsidera o esforço coletivo na história do Serviço Social, apenas considera o empenho individual de algumas figuras da própria profissão. Portanto, não se percebe os atores coletivos, as lutas sociais e suas influências no decorrer da profissão. Para a perspectiva endogenista a sociedade e a história servem apenas como cenário para a história da profissão. Essa primeira tese torna-se equivocada, já que a mesma: a) reúne um número vasto de “antecedentes” perdendo o teor crítico na análise histórica do Serviço Social; b) não consegue explicar porque as práticas filantrópicas permanecem, já que estas deveriam desaparecer, sendo o Serviço Social a sua profissionalização, segundo a tese; c) não consegue perceber a ruptura do significado entre as práticas filantrópicas e o serviço social, quando o assistente social aparece como trabalhador assalariado; d) quando considera que a questão social – pós-revolução industrial – deu lugar ao surgimento da profissão, a tese não explica o hiato entre o surgimento da primeira e desta última.

A segunda tese é defendida por pesquisadores como Marilda Iamamoto, Manrique Castro, Raul de Carvalho, José Paulo Netto, entre outros. Nessa segunda perspectiva, denominada como histórico-crítica, a gênese do Serviço Social é analisada a partir do desenvolvimento histórico e “entende-se o assistente social como um profissional que desempenha um papel claramente político, tendo uma função que não se explica por si mesma, mas pela posição que o profissional ocupa na divisão sóciotécnica do trabalho”. (MONTAÑO, 2009, p. 30).

José Paulo Netto vem contribuir nessa segunda tese afirmando que o conjunto de processos econômicos, sociopolíticos e teórico-culturais que ocorrem na ordem burguesa, contribui para as condições histórico-sociais de emergência do Serviço Social. Netto afirma que a consolidação do mercado para a profissão não derivou apenas da reorganização do Estado, mas também das médias e grandes empresas diante do

crescimento industrial e da necessidade de controle da classe trabalhadora. (NETTO, 2009a).

Com o aumento da conflitividade e da precarização do trabalho resultantes do momento de crise que se estende até 1929, surgem as políticas sociais como via de legitimação e consolidação hegemônica. As estratégias se direcionam também no campo do empresariado, a fim de minimizar os conflitos na relação empregado- empregador. O equívoco dessa prática profissional consiste em “despolitizar a problematização do trabalhador acerca de suas condições de vida e de trabalho, metamorfoseando-a num desabafo momentâneo, emocional e individual”. (MOTA, 1991, p. 62 apud MONTAÑO, 2009, p. 41).

Esta fase caracteriza a natureza e funcionalidade do Serviço Social em relação à ordem burguesa.

Assim, enquanto a primeira tese entende que há continuidade (identidade) entre a natureza do Serviço Social e as práticas de filantropia, caridade etc [...] inversamente, a segunda tese concebe a ruptura na essência e na funcionalidade do Serviço Social em relação às formas de ajuda, mesmo tendo elas algumas características comuns. (MONTAÑO, 2009, p. 44).

Para tanto, o autor afirma que para compreender a funcionalidade da profissão é preciso analisar o Estado como fruto das lutas sociais no decorrer da história, já que este se constitui o principal órgão empregador, legitimando o Serviço Social.

O desenvolver da profissão segundo Iamamoto (2009b), ocorre na medida que emerge o proletariado e a burguesia industrial. A partir do momento que o Brasil adota a política econômica industrial e com o crescimento do proletariado urbano, se desenvolve um controle das demandas populares, a partir das ações assistenciais e de controle do potencial de mobilização. Com a hegemonia do capital industrial e financeiro surge a chamada “questão social”, que serviu de embasamento para o surgimento do Serviço Social.

Desta forma, Montaño sintetiza a segunda perspectiva como uma visão totalizante, que analisa o surgimento da profissão dentro de um contexto socioeconômico e de embates de vários projetos por hegemonia no interior no âmbito do capitalismo monopolista. É partindo da perspectiva histórico-crítica que serão contemplados os atores sociais, não mais atores individuais. O objetivo agora é romper com essa ideia de vislumbrar a trajetória da profissão acima dos processos sócio- históricos, fazendo da história do país um mero cenário.

3.2.2 A ruptura com o conservadorismo e a construção de um novo projeto de