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A gênese e os fundamentos do poder das organizações

3 O PODER NO ESPAÇO SOCIOMENTAL

3.2 A gênese e os fundamentos do poder das organizações

Entender o poder nas relações entre organização e indivíduo, no nosso caso organizações escolares e professores, exige considerar problemas teóricos, que para Pagès et al. (1987) podem ser resolvidos quando identificamos a correspondência entre estruturas sociais e estruturas psicológicas inconscientes, isto é, quando identificamos o espaço sociomental.

O poder, segundo os autores, é um sistema dialético que se manifesta entre estruturas psicológicas e estruturas econômicas-políticas-ideológicas. Ele se encontra no

sistema de relações entre estas estruturas, opera com as contradições subjacentes que o produzem e que ao mesmo tempo são ocultadas por ele. Estas contradições estão nas correspondências entre as estruturas. Em outras palavras, localizam o poder num espaço chamado de sociomental. Atentemos para a essência da definição deste espaço:

Nós chamamos de espaço sócio-mental um sistema certo de correspondência entre as estruturas psicológicas e as estruturas sociais. O espaço sócio-mental articula entre elas as estruturas econômicas, políticas, ideológicas e psicológicas. Sob estas estruturas manifestas, estruturas fechadas e de reforços múltiplos, que constituem o sistema propriamente dito, nossa hipótese é que o sistema repousa sobre as contradições sociais e psicológicas subjacentes e não diretamente acessíveis à observação. (PAGÈS et al., 1987, p.40)

Nesta proposta, a gênese das relações de poder é, ao mesmo tempo, social e psicológica, exógena e endógena. O sistema não pode ser reduzido aos determinismos sociais, mesmo que estes levem em conta as repercussões psicológicas, pois não podem ser reconstruídos no interior da psique, como uma resposta às contradições psicológicas inconscientes, apenas na interação das contradições sociais, das contradições psicológicas e das estruturas sociomentais.

O que estes autores propõem fundamentalmente é que o poder pode ser analisado além de um determinismo econômico, como o do Marxismo vulgar, ou de um determinismo psicologizante, como de alguns psicanalistas. Propõem a superação destes sistemas conceituais, e apresentam um outro método de análise que considera as correspondências entre instituições sociais e estruturas inconscientes, mostrando nestas correspondências a identificação das contradições subjacentes para chegar naquilo que é mais importante: captar na análise, o sentido global e existencial que fundamenta todas as relações humanas. Para eles, há um nível existencial, ontológico, que é o do afrontamento do desejo e dos limites, e principalmente da morte, que funciona como substrato psicológico de todas as relações humanas.

Para estes autores, que postulam uma relativa autonomia da instância psicológica, buscar a forma como o indivíduo afronta seus desejos e limites é entender os conflitos existenciais que estariam na base das relações humanas. Mais especificamente, estas contradições psicológicas seriam a recusa da confrontação com a morte e da confrontação com sua impotência de amar.

O interessante desta abordagem é que as próprias organizações, e não só os indivíduos, recusam-se à morte e às contingências, o que permite uma correspondência entre as contradições existenciais dos indivíduos e as contradições das organizações. Estas seriam, assim, o espaço onde os limites dos indivíduos, como a morte, são transformados em angústia, angústia de morte inconsciente, para, por conseguinte, propor soluções, fazer mediações, sob a forma de modo de investimento psicológico, de tipos de prazer, de sistemas de defesa contra a angústia. Nas organizações, abre-se o espaço no qual os indivíduos poderiam trabalhar coletivamente seus problemas inconscientes mais profundos. Segundo os autores:

Elas constituiriam uma espécie de sistema gigantesco de defesa coletiva, um gigantesco sociodrama de defesa contra a consciência de morte, um laboratório onde se trabalharia de formas diferentes no tempo, a consciência-inconsciência da morte e ao mesmo tempo todas as formas da relação humana. (PAGÈS et al., 1987, p.39)

Neste espaço, os indivíduos não enfrentam diretamente seus limites e desejos. Continuam inconscientes e operados pelas empresas garantindo assim a dominação e exploração sociais, que se encontram nas relações concretas entre indivíduo e organização. É neste processo que as organizações retiram parte de seu poder, a partir do momento que trazem respostas às contradições psicológicas individuais e interindividuais. Podemos verificar esta idéia nas seguintes palavras dos referidos autores:

Elas permitem ao indivíduo defenderem-se da angústia, lhe propõe um sistema de defesa sólido, socialmente organizado e legitimado pela sociedade, às custas de reforços múltiplos. Medem assim não somente as contradições sociais mas também

as contradições psicológicas e interpsicológicas. Oferecem uma solução global aos problemas da existência. (PAGÈS et al., 1987, p.39-40)

O que se verifica neste espaço é a interdependência ou a correspondência que se manifesta numa relação dialética, que pode ser descrita assim: de um lado, a organização estrutura a psique individual inconsciente, as formas de angústia inconsciente, os tipos de prazer, as racionalizações. Neste caso, constata-se como a organização exerce seu controle sobre o indivíduo. Todavia, ela estende este processo entre os trabalhadores estruturando suas relações, induz e limita sua cooperação, incentiva conflitos como a competição e impede outros conflitos que a ameacem. Por outro lado, a organização possui suas estruturas firmadas no substrato psicológico dos indivíduos. Ela é produto também das contradições internas dos indivíduos, que são o suporte indireto de suas estruturas.

Nestas correspondências entre as estruturas organizacionais e psicológicas, é que o poder se manifesta de forma concreta, é que pode ser analisado em sua dinâmica e em suas transformações. A gênese das relações de poder está, neste termo de análise, na articulação, reciprocidade e interação entre níveis endógenos e exógenos, isto é, nas correspondências entre as estruturas psicológicas e as estruturas sociais. O conceito de poder ao qual se chega é, portanto, de um sistema amplo, global e imaterial. É como o poder na sociedade neocapitalista ubíquo, ou seja, está ao mesmo tempo em todo lugar e é multideterminado. Este sistema de poder da organização é dialético, é mediação das contradições que permite sua reprodução sempre até o infinito. Compreendê-lo só é possível quando buscamos as multideterminações e a suas correspondências, tendo como referências as contradições subjacentes, inscritas no indivíduo e no sistema denominado sociomental.

Buscar compreender as formas de manifestação de poder das organizações escolares num espaço sociomental requer, portanto, uma análise que parta do sentido existencial dos limites e desejos do homem, que entenda o papel das organizações nas

relações de poder como mediadora das contradições subjacentes a diversas estruturas e que utilize a noção de poder como um sistema global e multideterminado.

Se o poder das organizações opera a ponto de se enxertar no inconsciente na psique dos indivíduos para manter o sistema funcionando, de acordo com os diversos interesses e necessidades seus e da sociedade neocapitalista, emerge a questão da relação entre as organizações e o inconsciente no espaço sociomental.