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2. AS INFLUÊNCIAS DA GEOGRAFIA CULTURAL NO ESTUDO DO

2.4. A geografia humanista e as bases fenomenológicas

A fenomenologia para Anne Buttimer (1982, p. 170), é um instrumento para se alcançar uma maior compreensão das experiências espaciais do ser humano. Segundo ela, a fenomenologia define-se como “um modo filosófico de reflexão a respeito da experiência consciente e uma tentativa para explicar isso em termos de significado e significância”.

A autora destaca ainda que “cada indivíduo é o foco de seu próprio mundo, ainda que possa esquecer-se de si próprio como centro criativo daquele mundo”. De certa maneira percebe-se que ele está alienado de sua importante atuação na própria experiência de vida. A autora, lembrando Husserl (op. cit, p. 170), descreve que “cada conhecedor deveria reconhecer-se como um sujeito intencional, isto é, como um conhecedor que usa palavras com significação intencional – para expor suas intuições objetivas e comunicáveis”. (id, 1982, p. 170)

Nesse sentido, a fenomenologia deve ser utilizada como um aporte de conhecimento filosófico contributivo para o pensamento geográfico, acerca do entendimento do mundo vivido e também a valorização das experiências concretas e conscientes do homem com seu espaço. (NOGUEIRA, 2004, p.213)

A proposta fenomenológica, usual entre os geógrafos humanistas, propõe uma nova visão dos fenômenos humanos. Os pesquisadores humanistas, com essa metodologia adotam uma concepção de mundo contrária da cartesiana e positivista, as quais tem dominado a ciência nos últimos tempos. O objetivo geral é fazer uma relação holística entre o homem e o seu ambiente, por meio de uma ciência que retire das essências humanas a sua matéria prima. (HOLZER, 1996, p. 76)

A fenomenologia não se atém a estudar as experiências do conhecimento, ou da vida, tais como se apresentam na psicologia. Mas sim, sua tarefa é de: "analisar as vivências intencionais da consciência para

perceber como aí se produz o sentido dos fenômenos, o sentido do fenômeno global que se chama mundo" (DARTIGUES, 1992, 30).

Primeiramente, devemos compreender que qualquer que seja a construção científica ela é humana em sua natureza, pois é resultado da atividade dos seres humanos de buscar conhecimento, mas que nem sempre torna tais certezas possíveis. As ciências humanas, que têm o ser humano como objeto de conhecimento, é bastante recente, tendo surgido apenas no fim do século XIX: até então, tudo o que se referia ao homem estava na alçada da filosofia. O fundamento determinista da época fez com que os chamados cientistas sociais da época tratassem o homem também com este enfoque baseando-se em modelos hipotético-dedutivos e experimentais para determinar as leis causais necessárias e universais para os fenômenos humanos.

(COLTRO, 2000)

No positivismo científico, perspectiva predominante entre as ciências em geral, a exposição da validade científica só se dá por meio dos conhecimentos objetivos – conhecimentos controláveis pela experimentação sistemática dos fatos. Embora houvesse uma tentativa de viragem no fundamento da ciência pela fenomenologia, Husserl não conseguiu se afastar da razão da ciência moderna que se estabelecia no naturalismo e historicismo de seu tempo.

(ARAÚJO, 2007, p. 66)

A dificuldade no entendimento de uma metodologia era muito grande em se tratando de fenômenos relativos ao ser humano. A corrente humanista procurava contextualizar os fenômenos a partir da cultura, mas interrogava-se a respeito da natureza dos comportamentos e da personalidade.

Nesse sentido, entendemos que o geógrafo humanista não deve ignorar as teorias que possam elucidar as complexidades do relacionamento do homem com seu mundo. Diferentemente, a geografia humana, ainda se debate com a deficiência de idéias e linguagens para descrever e explanar a experiência do homem no espaço. (BUTTIMER, 1985, p. 166)

Mas, na geografia humanista a questão de maior importância, com certeza é a análise do comportamento humano. Porém, todo comportamento tem um significado, mesmo que o indivíduo não tenha consciência desses sentidos. Esses fenômenos humanos como as “expressões físicas, palavras,

gestos, sonhos... estão diretamente ligados ao universo simbólico interior, do qual o sentido é parcialmente inconsciente.” (id., 2007, p.322)

Dessa forma, para compreender esse objeto interior a geografia humanista se valeu de um método filosófico apropriado, ou seja, da fenomenologia. O objetivo era claro: responder as questões evocadas pelo espírito, pois esse só se deixa conhecer por meio do comportamento e da linguagem e não por sistemas teóricos rígidos ou objetivistas. (GOMES, 2007, p.321)

Assim, a partir dos anos setenta, percebemos com Relph e Tuan a introdução dos conceitos da fenomenologia no discurso geográfico. Alguns autores apontam Sauer como um dos primeiros geógrafos a usar o discurso fenomenológico em seus escritos, porém, ele não referenciava os autores que usava em sua metodologia. (id, p. 326),

O geógrafo canadense Edward Relph considerava a fenomenologia como um método de grande importância para os projetos humanistas no sentido de revalorizar a geografia tradicional. Para Relph, essa metodologia produziria uma nova concepção de conhecimento geográfico, oposto ao racionalismo objetivista. Ela colocaria os fatos culturais como uma dimensão prática e ativa e com um caráter de conhecimento antropocêntrico, na medida em que toda fonte de conhecimento derivaria das explicações advindas das experiências humanas vividas no cotidiano. (id., p. 327)

Nas obras de Yi Fu-Tuan (1930), ocorrem as mesmas críticas às ciências clássicas e objetivas. Para ele as ciências clássicas diminuiriam o papel da consciência humana, e a fenomenologia, ao contrário, através da subjetividade, restabelece o contato entre o mundo e os seus signos. Em Tuan é fundamental compreender o mundo estudando as relações humanas, os sentimentos e o comportamento dos homens em seu espaço. Através disso os discursos da revalorização do conceito de lugar, dos espaços de significações culturais, tornam-se evidentes nas pesquisas da geografia humanista.

(GOMES, 2007, p.321)

A fenomenologia, portanto, é vista como a sustentação geográfica para interpretar as experiências humanas tal qual elas ocorrem. Esse aporte alimentou inúmeras discussões acerca dos espaços topológicos, vividos,

percebidos, produzidos estão entre tantas outras discussões que permeiam o pensamento geográfico humanista.

A geografia humanista, em suas produções teóricas e práticas, têm dedicado atenção especial ao papel dos indivíduos no que diz respeito à sua interação com o meio ambiente, através das percepções e sentimentos acerca do lugar e do espaço. Com o aporte fenomenológico ela procura demonstrar que o ser humano vê o mundo a partir da sua cultura, do meio em que habita, do nível de escolaridade, do seu estado emocional e espiritual, entre outros.

(BERTOL, 2003, p. 8).

Os significados e os simbolismos espaciais também são importantes na análise do espaço vivido. Através dos estudos da semiótica, os fenômenos são apresentados por meio de signos que conseqüentemente são percebidos e interpretados pela linguagem verbal e não verbal (imagens, gestos, sinais, entre outros). A geografia, apoiando-se na fenomenologia e na semiótica, criou uma forma própria de interpretar os fenômenos humanos no espaço. (id, 2003, p. 8)

Assim, a fenomenologia nos compreende como seres sensoriais, ou seja, nos utilizamos dos órgãos dos sentidos e captamos diversas sensações do ambiente que vivemos ou presenciamos, como o som, as conversas, o vento, as cores, os aromas, etc. Essas sensações nos levam a perceber as inúmeras nuances do mundo exterior. No entanto, esses sentidos combinados ou individualmente não nos permitem perceber o mundo em sua completude, porém, combinados com a visão e o tato, nosso cérebro é capaz de espacializar nosso corpo, a partir do reconhecimento dos símbolos que estão em nosso meio. (TUAN, 1983, p.14)

Com a percepção humana as imagens captadas tomam formatos e significados diferentes, os quais são interdependentes dos fatores explicitados anteriormente. Os seres humanos percebem além da realidade concreta, também os aspectos subjetivos: “... os seres humanos são duais, isto é, têm uma visão externa (mundo concebido) e uma visão interna (mundo percebido, mundo subjetivo) do mundo que os cerca”. Essa diferença entre o espaço como campo conceitual e espaço como campo sígnico pode ser observado no quadro 4. (BERTOL, 2003, p. 67)

Na geografia humanista, a percepção do espaço sígnico está ligada as atividades cognitivas. Essas atividades necessitam de ações como

“exploração, transposição espaço-temporal, ou puramente espacial, transporte, coordenação, esquematização, estruturação e outras.” (OLIVEIRA, 2002 p.

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Tabela 04 - Espaço como campo conceitual x Espaço como campo sígnico I - Espaço como campo conceitual II - Espaço como campo

sígnico uma objetividade externalizada à ação histórica humana. O mundo

3. Percepção características físicas típicas que são reconhecidas por qualquer pessoa.

Porém, o significado pode ter valores diferentes para cada observador. Isso ocorre porque cada indivíduo faz uma leitura diferente e leva em conta o conhecimento do que o lugar representa para ela no momento daquela observação. Portanto, isso nos leva a indefinição de resultados, pois são vários os fatores que podem interferir na significação da paisagem. (BERTOL, 2003, p.68)