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CAPÍTULO 1 A CRISE DO SISTEMA DO CAPITAL E A EDUCAÇÃO

1.3 A Globalização, a Nova Ordem Mundial e a Hegemonia Neoliberal

As profundas mudanças em curso nos últimos 40 anos, desde que irrompeu a crise estrutural do sistema do capital dos anos 1970, obviamente que se expressaram também na política em âmbito internacional, como um aspecto fundamental da totalidade das transformações históricas e sociais contemporâneas.

A queda do muro de Berlim em 1989 é seguramente o principal símbolo dos fenômenos políticos e sociais que caminharam pari passu à crise do sistema do capital, tais como a intensificação da globalização capitalista, a restauração do capitalismo nos ex-estados operários burocratizados, a avalanche neoliberal que passou a dominar a política econômica e os paradigmas de administração estatal nos principais países do mundo, a criação, disseminação e consolidação de blocos e tratados econômicos regionais, o fim da guerra fria, em suma, a instauração de uma nova ordem mundial que antecipou o fim do século XX e o início do século XXI.

A globalização do mundo pode ser vista como um processo histórico-social de vastas proporções, abalando mais ou menos drasticamente os quadros sociais e mentais de referência de indivíduos e coletividades. Rompe e recria o mapa do mundo, inaugurando outros processos, outras estruturas e outras formas de sociabilidade, que se articulam ou impõem aos povos, tribos, nações e nacionalidades [...] Ao lado de conceitos tais como “mercantilismo”, “colonialismo” e “imperialismo”, além de “nacionalismo” e “tribalismo”, o mundo moderno assiste à emergência do “globalismo”, como nova e abrangente categoria histórica e lógica. O globalismo compreende relações, processos e estruturas de dominação e apropriação desenvolvendo-se em escala mundial. São relações, processos e estruturas polarizadas em termos de integração e acomodação, assim como de fragmentação e contradição, envolvendo sempre as condições e as possibilidades de soberania e hegemonia. (IANNI, 1998, p. 1-2).

caracterizar a nova configuração das relações econômicas internacionais estabelecidas na atual etapa de desenvolvimento do capitalismo mundial que coincide com o processo de globalização. Para o autor, podemos considerar que estamos diante de um novo patamar do processo de acumulação capitalista, cujo traço distintivo fundamental em termos de abrangência é a internacionalização do capital que abarca dois momentos:

A mundialização é resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, como dissemos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan. (CHESNAIS, 1996, p. 34).

Outro traço distintivo que caracteriza o novo regime de acumulação de capital, segundo o autor, é a financeirização da economia. Isto leva a que o capitalismo em sua fase e forma atual seja profundamente rentista e parasitário, ou seja, está subordinado às necessidades próprias das novas formas de centralização do capital monetário, em particular os fundos de investimento e os fundos de pensão. As características rentistas, porém, dizem respeito também ao capital produtivo. Esta financeirização exacerbada da economia mundial é sustentada por Organismos Internacionais, tais como FMI e Banco Mundial, e pelos Estados Nacionais mais poderosos no sistema internacional de Estados.

Hernandez (2008) considera que a mundialização do capital é o verdadeiro conteúdo do processo de globalização, pois para o autor a troca de mercadorias e serviços em âmbito planetário não é exatamente uma novidade das últimas décadas. De fato, o crescimento do comércio mundial nas décadas de 1960 e 1970 foi muito superior ao que se deu nos anos de 1980 e 1990, por exemplo. O que deu um salto do final da guerra fria para cá foi a mundialização das operações de capital, tanto em sua forma industrial quanto em sua forma financeira em virtude da incorporação do ex-estados operários ao mercado mundial capitalista.

Giovanni Alves (1999) destaca que o processo de globalização produziu transformações em larga escala na relação capital x trabalho em função dos investimentos externos diretos (IED) que passaram a imperar nas relações econômicas entre as corporações e os Estados nacionais em âmbito mundial.

A "globalização" tendeu a alterar os fatores geradores de interdependência entre as economias nacionais. Por exemplo, nos anos 90, é perceptível a importância dos investimentos externos diretos ( IED) mais do que as trocas. O IED, ao contrário das trocas, tende a moldar as estruturas que predominam na produção e no intercâmbio de bens e serviços. De certo modo, é a importância do IED e sua peculiar natureza que corroboram para a disseminação de um padrão mundial de inovações produtivas (o que poderíamos denominar "toyotismo"), capazes de dar um molde comum à estrutura de produção (e de intercâmbio) do capital em vários lugares do mundo capitalista. (ALVES, 1999, p. 60).

Para Alves, pois, o processo de globalização – ou a mundialização do capital – é, em primeiro lugar, a "globalização do capital" e não apenas a "globalização das trocas". Não seria correto, então, reduzir a nova etapa de internacionalização do capital à simples continuidade da ocidentalização do mundo iniciada nos séculos XV e XVI com as grandes navegações.

De forma embrionária, a internacionalização capitalista surge como "globalização das trocas", na fase do mercantilismo. Não se pode confundir a criação de um mercado mundial com o processo de globalização. A globalização ou mundialização do capital diz respeito a uma nova etapa da internacionalização capitalista, ou seja, a globalização dos investimentos e da produção, seja o capital produtivo aplicado na indústria e nos serviços, seja o capital que assume a forma-dinheiro.

A globalização deu um salto com a instauração da nova ordem mundial inaugurada com a restauração capitalista nos ex-estados operários burocratizados, os chamados países que compunham o bloco denominado de “socialismo real”. A incorporação ao mercado mundial de cerca de 1/3 da humanidade que vivia em países sob o regime do “socialismo real” impulsionou uma nova fase do processo de acumulação capitalista.

A criação e consolidação dos blocos econômicos regionais e tratados de livre comércio, a afirmação do toyotismo como padrão produtivo das principais empresas capitalistas, a expansão do neoliberalismo como orientação política para a administração estatal e o refluxo dos movimentos sindicais e sociais desenharam o cenário propício para a constituição de uma nova ordem geopolítica mundial na transição dos anos1980 para os anos 1990. Esta nova conjuntura obviamente que irá influenciar no caráter e objetivos das políticas educacionais, como veremos mais adiante.

Nesse novo contexto, os organismos internacionais assumem papel destacado na condução das relações políticas internacionais entre os países cêntricos e a periferia do capitalismo. A atuação dos organismos internacionais está fortemente ligada ao controle financeiro dos países tomadores de empréstimos (que são em geral os países da periferia do capitalismo), pois os países credores exigem o cumprimento de condicionalidades por parte

dos países periféricos que necessitam de financiamento. A cada empréstimo, o país tomador se submete às condicionalidades que materializam a ingerência destes organismos nas políticas macroeconômicas e nas políticas sociais dos países que contraem os empréstimos.

Pereira (2009) em sua tese sobre o Banco Mundial como ator político, intelectual e financeiro de 1944 a 2008 descreve e analisa como as gêmeas de “Bretton Woods” (FMI e Banco Mundial), mas em particular o Banco Mundial que é o foco de sua pesquisa, diversificaram seu escopo de ação dos anos de 1990 para cá no sentido de assumir um protagonismo como organismo intelectual e político do Capital Internacional e dos principais potências mundiais, tendo em vista que as mudanças ocorridas com o fim da guerra fria e com a globalização financeira passaram a limitar o papel de instituição credora desses organismos em função do grande afluxo de investimentos e de recursos oriundos dos mercados internacionais para os Estados da periferia que passavam por reformas estruturais pela introdução da agenda neoliberal. A nova ordem mundial e o processo de globalização capitalista induziram, portanto, os organismos internacionais a diversificarem suas funções no sentido destes assumirem cada vez mais o papel de “assessoramento técnico” e “aconselhamento político” dos Estados nacionais.

Os organismos internacionais foram agentes intelectuais, políticos e financeiros de decisiva importância para a implementação das reformas estruturais a partir dos anos de 1990 de caráter neoliberal na maioria dos países do mundo, incluindo o Brasil. A plataforma neoliberal passou a ser defendida por organismos como o Banco Mundial em sua atuação, seja como financiador de projetos, seja como assessor técnico.

O neoliberalismo como doutrina teórico-política defende precipuamente a liberalização dos mercados e a limitação das funções do Estado a seus aspectos regulatórios. Considera-se como a “ata de fundação” da corrente neoliberal a criação da Sociedade de Mont Pèlerin, da qual participavam figuras ilustres como Milton Friedman e Karl Popper, entre outros, após a Segunda Guerra Mundial. O objetivo dos teóricos do neoliberalismo era combater a doutrina keynesiana20 que orientava os governos dos principais países capitalistas do mundo no pós-guerra.

Duménil e Lévy (2007) afirmam que

20 O keynesianismo é a teoria econômica formulada pelo economista John Keynes (1883-1946) que

consiste na defesa de uma organização político-econômica baseada na afirmação do Estado como agente imprescindível na regulação da economia, garantindo direitos sociais e trabalhistas básicos e intervindo no mercado com o objetivo de corrigir as possíveis distorções geradas pela livre- concorrência.

Pode-se definir o neoliberalismo como uma configuração de poder particular dentro do capitalismo, na qual o poder e a renda da classe capitalista foram restabelecidos depois de um período de retrocesso. Considerando o crescimento da renda financeira e o novo progresso das instituições financeiras, esse período pode ser descrito como uma nova hegemonia financeira, que faz lembrar as primeiras décadas do século XX nos EUA. (DUMÉNIL; LÉVY, 2007, p. 2).

O neoliberalismo é congruente com a natureza de classe do Estado capitalista, pois este desempenha um papel complementar e inseparável do sistema do capital. Para Mészáros (1995, p. 61), “O princípio estruturador do Estado Moderno, em todas as suas formas – inclusive as variedades pós-capitalistas – é seu papel vital de garantir e proteger as condições gerais da extração a mais-valia do trabalho”. Não há entre o Estado Moderno e o Capital qualquer possibilidade de independência ou autonomia como defendem os autores da esquerda reformista21.

Só por isso se pode compreender como as alterações na forma de dominação de suas superestruturas legais e políticas tão distintas, isto é, no regime político de dominação, sempre resistiram à mesma base econômica capitalista, não resultando em qualquer ameaça à vida do sistema do Capital. A superestrutura do Estado assumiu a forma específica necessária ao controle dos antagonismos inevitáveis entre Capital e Trabalho. Assim sendo, o programa do neoliberalismo buscou responder à necessidade das grandes empresas capitalistas de recuperar suas taxas de lucros. Em virtude disso, acabou por se adequar bem ao toyotismo como padrão de produção alternativo ao fordismo, em decadência desde os anos 1970. A propósito do programa neoliberal, Anderson (1995) elenca as principais medidas do modelo inglês que serviu de inspiração para as demais experiências neoliberais ao redor mundo:

O que fizeram, na prática, os governos neoliberais deste período? O modelo inglês foi, ao mesmo tempo, o pioneiro e o mais puro. Os governos Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram as taxas de juros, baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivos, aplastaram greves, impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente – esta foi uma medida surpreendentemente tardia –, se lançaram num amplo programa de privatização, começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água. Esse pacote de medidas é o mais sistemático e ambicioso de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado. (ANDERSON, 1995, p. 10).

21 Eduard Bernstein (1850-1932) e Karl Kautsky (1854-1938), alemães e militantes do Partido Social

Democrata Alemão, foram os dois principais teóricos do socialismo reformista, o qual defende que a passagem do capitalismo para o socialismo poderia se dar através da disputa das instituições burguesas nos marcos do capitalismo.

As formulações neoliberais passaram a compor o núcleo duro do arcabouço ideológico de organismos como o FMI e o BM na orientação das reformas de estado dos países periféricos. Nesse sentido, a atuação desses organismos se daria no sentido de estabelecer os referenciais a serem seguidos pelos países. Os parâmetros das políticas de ajuste estrutural macroeconômicas se expressam, sobretudo na contenção de gastos sociais em setores do Estado, na garantia do pagamento dos serviços da dívida pública e na privatização de empresas estratégicas para a economia nacional.

As orientações dos organismos internacionais articulam-se umbilicalmente com os interesses das corporações transnacionais nesta etapa da globalização capitalista, com impacto direto sobre o papel do Estado.

Otávio Ianni (1997) destaca que os organismos internacionais, articulados aos interesses das principais potências capitalistas do mundo e das transnacionais de maior peso político e econômico, são capazes inclusive de se sobrepor e impor aos mais diferentes Estados suas orientações políticas. "Nesse sentido é que as condições e possibilidades de construção e exercício da hegemonia podem ser decisivamente influenciadas pelas exigências da globalização, expressa na atuação das organizações multilaterais e das corporações transnacionais" (IANNI, 1997, p. 19).

O desdobramento dessa realidade para o Estado é que os Estados como espaços de regulação da economia enfraquecem-se e tem sua autonomia e competência questionada, o que compromete capacidade de coordenação política e de promoção do desenvolvimento por parte deste ente.

Neste contexto de enfraquecimento do Estado, ganha espaço na definição e no monitoramento das políticas econômicas e sociais dos Estados nacionais a tecnocracia dos organismos internacionais e das grandes transnacionais que acompanham de perto os programas de desestatização, da desregulamentação, da privatização e abertura dos mercados. As denúncias envolvendo irregularidades nos leilões de empresas como a Companhia Vale do Rio Doce, em fins dos anos de 1990, como o fato de um grande banco ter tomado parte na compra da empresa e ao mesmo tempo ter sido avalista da venda, confirmam essa nova realidade.

Diante desta nova configuração histórica do capitalismo, os organismos internacionais e as corporações transnacionais se tornaram tão poderosas que passaram mesmo a constituir-se em estruturas mundiais de poder. Segundo Ianni (1997), elas se sobrepõem aos Estados Nacionais e sua influência já tem abrangência global.

Esta discussão sobre a emergência da nova ordem mundial surgida com o fim da guerra fria, a restauração capitalista nos ex-estados operários burocratizados e a expansão da hegemonia neoliberal que se materializa de maneira mais candente nas décadas de 1980 e 1990 é fundamental para traçarmos o fio de continuidade do quadro histórico e teórico que estamos desenvolvendo entre a crise dos anos 1970 e a atual crise do capitalismo detonada a partir do derretimento dos títulos subprime de 2007-2008 nos EUA. Sem essa compreensão mais global das grandes mudanças em curso na economia e na sociedade capitalista mundial, não é possível entendermos a proeminência dos organismos internacionais como o Banco Mundial na definição das políticas públicas educacionais no Brasil contemporâneo.