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CAPÍTULO I CONCEITUAÇÃO HISTÓRICA DA UNIVERSIDADE BRASILEIRA

1.3 A globalização e a perspectiva da universidade operacional 1980/1990

Já registramos até aqui, conceitos e concepções quanto ao que entendemos por Universidade Operacional. Queremos agora caracterizá-la historicamente, por ser este o modelo que nos prende a atenção nesta primeira parte da análise que estamos desenvolvendo sobre os dois modelos dominantes que estamos discutindo.

A universidade operacional, projetada nos anos 1990, difere das formas anteriores a ela porque está voltada diretamente para o mercado de trabalho, regida por contratos de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos que envolvem a globalização. Isso faz com que a universidade deixe de ser uma instituição social para ser uma empresa organizacional e empresarial em contraposição à universidade tradicional.

Inevitavelmente a globalização trouxe consigo transformações para a educação como um todo, e particularmente para o ensino superior, principalmente no que diz respeito à formação de profissionais especializados formados através de estudos em universidades.

No período dos anos de 1980 a classe média sonhava com a ascensão social através da oportunidade de estudar em universidades principalmente com a expansão do ensino superior privado. Neste momento a educação surge como outra perspectiva para a melhoria da vida, através de parcerias entre a universidade pública e as empresas privadas no sentido de assegurar empregos e financiar pesquisas ligadas a interesse próprios.

Assim a Reforma do Estado brasileiro através da perspectiva da lógica do mercado ameaça a instituição universitária no tocante à sua função social de formação integral do ser humano, na medida em que parte do princípio de que a educação é um serviço que pode ser oferecido por instituições de ensino, transformando-as em instituições prestadoras de serviço, baseada no pressuposto ideológico do mercado como sendo portador de racionalidade sócio política e agente principal da modernização e do desenvolvimento do país; há nesta perspectiva um vetor de priorização no atendimento `as exigências do mercado para formação de pessoal.

Aqui faz-se necessário resgatar que a partir de 1968 as diretrizes da reforma universitária estão voltadas para dois princípios básicos. O primeiro estabelecia a necessidade de encarar a educação como um fenômeno quantitativo que precisa ser resolvido com o máximo de rendimento e mínimo de investimento, sendo o caminho ideal para se conseguir esse resultado a implantação de um sistema universitário baseado no modelo administrativo das grandes empresas. É a partir daí que surgem as primeiras idéias para a criação do modelo de universidade operacional, cuja direção é selecionada na comunidade empresarial, agindo dentro de um sistema de administração gerencial, desvinculada do corpo técnico-científico docente.

O segundo princípio das diretrizes da reforma universitária, preocupava-se com a falta de disciplina e de autoridade e exigia a recondução das universidades ao regime da nova ordem administrativa e disciplinar, refutava a idéia de autonomia universitária, voltada para o privilégio de ensinar conteúdos prejudiciais à ordem social e à democracia, e interessava-se pela formação de uma juventude supostamente livre e responsável que tornaria possível o reaparecimento das entidades estudantis de âmbito nacional e estadual.

A reforma universitária de 1968 propunha objetivos práticos e pragmáticos para que fossem utilizados como instrumentos de aceleração do desenvolvimento do país, instrumento do progresso social e da expansão de oportunidades, vinculando a educação aos imperativos do progresso técnico, econômico e social do país.

Essa atitude restringe o espaço público democrático dos direitos sociais conquistados e amplia o espaço do setor privado através de novas oportunidades para investimentos na área financeira, com o surgimento da universidade operacional, como já apresentamos em referências anteriores.

Em torno desta questão CHAUÍ (1999) nos apresenta reflexões no que se refere à inclusão da universidade no setor de prestação de serviços, conferindo um sentido bastante determinado à idéia de autonomia universitária e à questão da qualidade universitária, avaliação universitária e à flexibilização da universidade. Passamos agora a explicar os termos, conforme leitura que fizemos de CHAUÍ. A autonomia dentro desse sistema fica restrita ao gerenciamento empresarial da instituição, no que diz respeito à gestão de receitas e despesas de acordo com metas estabelecidas pelo governo. A flexibilização significa a abertura das questões acadêmicas e administrativas, no sentido de permitir um espaço mais amplo de negociações, para a adequação às necessidades de transformação da universidade. A qualidade é entendida como competência e excelência, com o critério baseado no atendimento às necessidades de modernização da economia e no desenvolvimento social, medida pela produtividade, orientada pela produção da universidade comparada ao tempo de produção e ao custo do mesmo.

Na seqüência CHAUÍ (1999) chama a atenção para o fato de que a docência não faz parte dessa produtividade e, portanto, não faz parte da qualidade universitária, o que justifica os contratos flexíveis dos docentes eliminando o regime único de trabalho, o concurso público, a dedicação exclusiva, substituindo-os por contratos temporários e precários.

A proposta da reforma universitária separa a docência da pesquisa e considera a produtividade como critério que orienta os contratos de gestão da instituição. Essa questão abre um debate, até hoje não definido no que diz respeito à avaliação da instituição dentro do modelo da universidade operacional, como exigência dos princípios modernos da globalização.

Há uma corrente forte dentro dos sistemas de gestão da Universidade privada, que defende a distinção da universidade em universidade de ensino, que estaria voltada para a graduação, e a universidade de pesquisa voltada para o desenvolvimento de trabalhos científicos a grande maioria deles relacionados às necessidades sociais.

Avaliar uma instituição de ensino superior em meio a debates dessa natureza, incluindo os problemas políticos sociais e econômicos, nos leva a grandes desafios dada a complexidade contextual ao qual ela está inserida. A conquista da educação e da cultura como direitos através das lutas sociais e políticas das últimas décadas, tornou a universidade uma instituição social inseparável da idéia de democracia e de democratização do saber. Mais complexo ainda se apresenta a idéia da universidade como instituição social como é possível ser definida como uma organização prestadora de serviços? Uma organização tem como objetivo vencer a competição com seus supostos iguais, as empresas, já uma instituição social não pode ser igual, seu objetivo está voltado para responder às contradições impostas pelas questões sociais.

As respostas para essas dúvidas encontram-se dentro das perspectivas do atual capitalismo, através da fragmentação da vida social, baseada na produção, no trabalho e na destruição dos referenciais que norteavam a luta de classes, que passaram a ser geridas, programadas, planejadas e controladas por estratégias de intervenção tecnológica e jogos de poder.

De acordo com CHAUÍ (2001) no mundo contemporâneo, universo de equivalências mercantis, em que tudo vale por tudo e nada vale por nada, administrar significa simplesmente impor e não importa qual realidade, objeto ou situação o mesmo conjunto de princípios, normas e preceitos, cujo formalismo vazio se aplica sobre tudo quanto se queira. Do ponto de vista administrativo, não havendo distinção nem diferenças, tudo que existe é de fato e de direito homogêneo e subordinável às mesmas diretrizes. Dentro dessa visão, radicalizando ao extremo, exacerbando à critica à identidade empresarial das instituições de ensino, não há muita diferença entre a empresa Volkswagem, a Petrobrás ou a Universidade.

O modelo organizacional submetido à universidade como uma administração burocrática permite a separação entre os dirigentes universitários e o corpo de professores, alunos e funcionários. Assevera CHAUÍ:

De fato os altos escalões administrativos das universidades públicas não diferem de seus congêneres nas universidades particulares, embora nestas últimas haja, pelo menos, a vantagem da visibilidade dos laços entre direção e propriedade. Nas universidades públicas, o cerimonial burocrático obscurece um aspecto essencial, ou seja, que os dirigentes só em aparência pertencem ao corpo universitário (são professores) quando, na realidade, podem ser considerados prepostos do estado no interior da universidade. (2001,p.57)

A transformação da universidade sob a condição de instituição para organização como conseqüência do sistema capitalista globalizado, insere-se nessa mudança geral da sociedade, sob os efeitos da nova forma de capital, apresentando duas fases, na primeira a universidade funcional e na segunda a universidade operacional. A universidade funcional visava a formação rápida de profissionais requisitados como mão de obra qualificada para o mercado de trabalho que surgia como resultado da ampliação das empresas. Para adaptar-se as novas exigências, a universidade fez alterações em seus currículos e programas separando cada vez mais docência de pesquisa.

A universidade enquanto uma organização, está voltada para si mesma enquanto estrutura de gestão e de arbitragem de contratos, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível e estruturada por estratégias e programas de eficácia organizacional e, portanto, pela particularidade e instabilidade dos meios e dos objetivos. A universidade operacional se encontra virada para si mesma, mas sem saber onde se encontra e por isso não age, com soberania apenas opera tal qual uma empresa.

A docência na universidade operacional, produtiva e flexível, é entendida como uma transmissão rápida de conhecimentos, informações, na grande maioria encontrados em manuais, e considerada uma habilitação rápida para profissionais que precisam entrar rapidamente no mercado de trabalho, desaparecendo a marca essencial da docência de

formação do cidadão. Esta universidade consumiria, muito mais do que produziria teorias científicas, quando o ideal seria que também as produzisse colaborando com a produção do conhecimento.

A pesquisa na universidade operacional sob a ideologia pós moderna marcada pela ruptura com as idéias clássicas, deve ser questionada considerando que a razão, verdade, a história são tidas por mitos, espaço e tempo com valor apenas estratégico. Dentro de uma organização uma pesquisa é uma estratégia de intervenção e de controle de meios ou instrumentos para a realização de um objetivo determinado, ou seja, cálculo de meios para soluções de problemas. A pesquisa aqui não é conhecimento de alguma coisa, mas sim posse de instrumentos para intervir e controlar alguma coisa.

Numa organização não há tempo para reflexão, crítica, exame de conhecimentos, mudança ou superação. Por outro lado, através da competição no mercado, a organização pode se firmar se for capaz de apresentar áreas de problemas, dificuldades, obstáculos sempre novos, o que é feito pela fragmentação de antigos problemas em novos, sobre os quais o controle parece ser cada vez maior.

Essa fragmentação, condição de sobrevivência da organização, torna-se real e propõe a especialização como estratégia de um campo de intervenção e controle. A partir daí, a avaliação desse trabalho só pode ser feita em termos de custo benefício e na categoria produtividade. No entanto, segundo CHAUÍ (2001), é preciso considerar o que se entende por pesquisa na universidade operacional. Se por pesquisa entendemos que a investigação é algo que nos lança na interrogação, que nos pede reflexão, crítica, enfrentando o já instituído, é descoberta, invenção e criação, o trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito, ou ainda uma ação civilizatória contra a barbárie social e política, então, é evidente que não há pesquisa na universidade operacional.

A década de 1990 no Brasil apresenta um número significativo de universidades com destaque para as particulares, notadamente no que se refere à heterogeneidade cada

vez mais evidente entre as instituições de ensino superior, principalmente relacionada à pesquisa. As políticas na área da educação são orientadas por recomendação do Banco Mundial no sentido de redução de gastos, direcionamento de todas as atividades universitárias para o mercado, avaliação das instituições, prioridade para financiamento público para instituições privadas. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia foi desigual no Brasil porque não foi levado em conta no planejamento nacional a dimensão regional através das enormes disparidades. Ainda hoje as políticas de desenvolvimento regional não têm correspondido para o enfrentamento desse processo de desigualdade histórica.

As políticas educacionais no Brasil estão atreladas a organismos internacionais particularmente o já citado Banco Mundial, considerando a sua liderança no processo de reestruturação e abertura das economias, aos novos marcos do capital sem fronteiras. Além desse aspecto observamos o papel que esse organismo exerce no âmbito educacional na América latina e particularmente no Brasil, ao difundir entre outras medidas, em seus documentos uma nova orientação para a articulação entre educação e produção do conhecimento, por meio do binômio privatização e mercantilização da educação.

As políticas educacionais do Banco Mundial prescrevem que as reformas devem seguir o ideário neoliberal, voltado para a ótica de racionalização do campo educativo no sentido de acompanhar a lógica do campo econômico, principalmente a partir da adoção de programas de ajuste estrutural. Essas diretrizes do Banco Mundial se realizam a medida que os empréstimos estão condicionados à adoção das mesmas, e a partir daí o Ministério da Educação e Cultura passa a ter a equivalência de uma suposta filial do Banco Mundial. Isso significa um reducionismo economicista presente nas proposições para a área educacional, cujo escopo está voltado para a visão unilateral de custos e benefícios, culminando no modelo da universidade operacional através da gestão administrativa empresarial.

Essa política de descentralização dos sistemas tem ênfase no local, no desenvolvimento de capacidades básicas necessárias ao trabalho flexível, na realocação de recursos públicos para a educação básica, na avaliação como controle e na eficiência da

produtividade, levando as instituições principalmente de natureza privada, a uma concorrência muitas vezes incontrolada na implementação de estratégias fragmentadas e desarticuladas da educação como formação propriamente dita.

Neste sentido, DOURADO, destaca as recomendações no documento do Banco Mundial para a educação superior cujas prescrições são claras:

1) privatização desse nível de ensino, sobretudo em países como o Brasil, que não conseguiram estabelecer políticas de expansão das oportunidades educacionais pautadas pela garantia de acesso e eqüidade ao ensino fundamental, bem como pela garantia de um padrão de qualidade a esse nível de ensino;

2) estímulo a implementação de novas formas de regulação e gestão da instituições estatais, que permitam alterações e arranjos jurídico-institucionais, visando a busca de novas fontes de recursos;

3) aplicação de recursos públicos nas instituições privadas;

4) eliminação de gastos com políticas compensatórias como moradia e alimentação;

5) diversificação do ensino superior, por meio do incremento à expansão do número de instituições não-universitárias; entre outras. ( 2002 , p.241)

Alterações significativas têm sido feitas na agenda da educação superior no Brasil sem perder de vista esses preceitos, e é particularmente notável a condição do país como parceiro e fiel depositário das prescrições internacionais principalmente as do Banco Mundial. Essas alterações não podem ser compreendidas deixando de lado as contingências históricas e econômicas que norteiam o cenário atual das transformações societárias inerentes ao mundo globalizado.

A educação superior no Brasil vive uma situação emblemática à medida que se reestrutura, rompendo com o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, através do crescente processo de expansão direcionado por políticas de diversificação e diferenciação institucional, expansão pautada pelo aligeiramento da formação do cidadão e pela privatização desse mesmo ensino.

Segundo CHAUÍ (1999) a posição da universidade dentro das perspectivas da reforma do Estado é extremamente polêmica no que diz respeito ao pressuposto ideológico básico voltado para o mercado portador de racionalidade sócio política como agente

principal do bem estar da república. Esse pressuposto coloca os direitos sociais (saúde, educação e cultura) no setor de serviços definidos pelo mercado. Isso faz como que o espaço público, no campo dos direitos sociais conquistados, seja encolhido, e o espaço privado principalmente o ligado à produção econômica, seja ampliado. Colocar a universidade no setor de prestação de serviços atribui um sentido bastante determinado à idéia de autonomia universitária abrindo um debate até o momento insolúvel, por ser tratar de posições antagônicas que dificilmente chegam a um consenso.

A questão da autonomia prevista no artigo 207 da Constituição da República Federativa do Brasil, (1988), estabelece que: “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.” Essa autonomia, segundo CHAUÍ, significa gerenciamento empresarial da instituição e prevê que para cumprir as metas e alcançar os indicadores impostos pelo contrato de gestão, ou seja, a universidade tem “autonomia” para captar recursos de outras fontes, fazendo parcerias com empresas privadas. Hoje, decorridas experiências com esta possibilidade aberta com a lei, percebe-se que esta representou uma base para erguer alguns pilares da privatização, sobretudo no Ensino Superior.

Portanto, discutir a universidade, compreender os processos sociais e públicos que se fundamentam na sua na sua dimensão pedagógica, é um trabalho que precisa ser feito de forma permanente e renovada. A partir daí podemos dizer que a Universidade é compreendida como um conjunto de processos e relações que se produzem em seu cotidiano. Não se trata de uma realidade acabada e pronta. Surge, então, o sentido dinâmico e processual da universidade e consequentemente da sua avaliação.

De acordo com os estudos de SOBRINHO (2000), é preciso assumir a pluralidade das funções da universidade numa rede de significações, históricas, ambíguas, e contraditórias. Esse é o meio onde se constróem suas configurações através da relações sociais e ideológicas. Acrescenta ainda a necessidade de compreendê-la através do sentido

plural “universidades”, indicando as suas diferenças e diversidades, porque o cotidiano das universidades é feito de processos de diferenciação e de convergências.

Segundo SOBRINHO, as universidades modernas incorporam múltiplas funções, ou seja:

As instituições universitárias são, portanto, totalidades feitas de diferenciação e de convergências, pois a divisão de trabalho e a multiplicidade funcional são articuladas umas as outras. E mesmo que as universidades não sejam únicas instituições a produzir conhecimento, embora sejam as que façam mais sistematicamente, isso pode ser não uma restrição, mas um alargamento de seu campo de possibilidades. ( SOBRINHO, 2000, p.16 )

Contribuindo com essa questão apresentamos as colocações de HABERMAS referindo-se às funções múltiplas, através da expressão “diversas funções”. Mais especificamente, segundo ele:

...são assumidas por diferentes grupos de pessoas em diferentes lugares institucionais e com diversos pesos relativos. A consciência corporativa dilui-se assim na consciência intersubjetivamente partilhada de que uns fazem coisas diferentes dos outros, mas que, todos juntos, fazendo de uma ou de outra forma o trabalho científico, preenchem, não uma função, mas um feixe de funções convergentes. ( HABERMAS, 2000, p.8)

A partir do exposto, estaremos analisando no capítulo seguinte, as questões referentes ao debate sobre a função social da universidade com ênfase nas políticas públicas para o ensino superior, o debate sobre o ensino superior nos bastidores da LDBEN, a expansão do ensino superior privado nos anos de 1990 e as contradições e desafios da função social da universidade.