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A hegemonia da imagem na formação do Olhar contemporâneo

1.6. A imagem

1.6.3. A importância da imagem

1.6.3.1. A hegemonia da imagem na formação do Olhar contemporâneo

O nosso dia-a-dia já denuncia: um novo Olhar se configura diante de TVs, monitores e videogames. Frutos da hiperestimulação visual, somos em grande medida o que enxergamos. A decodificação aparentemente mais acessível de códigos diversos ao do escrito, e, ainda, a constância a essa exposição, fazem do leitor contemporâneo um portador de olhar absolutamente estranho ao daquele de um século atrás, que dispunha de acesso limitado a códigos formais.

No catálogo fértil das linguagens, onde o ser humano conhece, experimenta e frui códigos de incontáveis matérias-primas, deparamo-nos hoje com a predominância determinante das formas de comunicação visual. Da televisão ao computador, passando pelos videogames, cinema, placas e outdoors, entre outros, somos bombardeados diuturnamente por imagens, que ocupam a maior parte da vivência de nosso cotidiano.

Pesquisas realizadas em 12 países, patrocinadas pela Unesco e divulgadas em 19996 comprovaram que uma criança de 9 a 13 anos de idade assiste, em média, 3 horas por dia à TV, ou 50 % a mais do tempo passado com qualquer outra das atividades realizadas num dia. Videogames ocupam até 52 minutos de seus tempos – com ênfase nas classes de menor poder aquisitivo - e vídeos, 66 minutos (Von Feilitzen; Carlsson[org], 2002).

Essa hegemonia, filtrada ideologicamente pela indústria cultural, é tirânica, na medida em que, além da dominação imposta pelos detentores dos meios de comunicação visual, a imagem cria consciências fragmentadas pela via da hiperestimulação e do ritmo desenfreado de apresentação.

Nas palavras de Baudrillard (1991),

A experiência do homem contemporâneo não pode ser compreendida fora de suas relações com a imagem. A concentração, a densidade e a produção de imagens na sociedade atual nos empurram para uma condição de existência qualitativamente nova – o mundo simulado, também chamado o mundo virtual da cultura pós-moderna -, na qual se aboliu a distinção entre realidade e imagem (apud JOBIM e SOUZA; FARAH NETO, 1998,. p. 29).(...)

Ainda, a análise da tensão entre real e imaginário destaca o efeito perverso da hiperestimulação que leva o sujeito à incapacidade de articular signos e imagens em seqüências narrativas. (p. 30)

Também o ritmo cada vez mais frenético na edição de imagens na mídia, com cortes mais curtos entre uma cena e outra em veículos audiovisuais, a fugacidade de sobrevida dessas imagens no meio impresso, ou, ainda, as características do dia-a-dia da vida urbana, hipertrofiam nossas capacidades perceptivas ao mesmo tempo em que fragmentam nosso olhar.

6 As pesquisas integram o projeto do Livro do Ano da Câmara, da Unesco, que, em sua segunda edição, pretende

Como seres humanos ansiamos pela reintegração com o mundo, de nossa unidade já estilhaçada pela civilização da imagem, que Calvino (1990) explicitou de forma tão precisa, pela via da experiência estética.

Hoje somos bombardeados por uma quantidade de imagens a ponto de não podermos distinguir mais a experiência direta daquilo que vimos há poucos segundos na televisão. Em nossa memória se depositam, por estratos sucessivos, mil estilhaços de imagens, semelhantes a um depósito de lixo, onde é cada vez menos provável que uma delas adquira relevo (p. 107).

Expostos a uma “nova oralidade” – a da mídia de imagem e som – na visão de Almeida, ou transformados em “depósitos fragmentados”, na perspectiva de Calvino, somos, em grande medida, frutos de uma sociedade constituída pela imagem, onde nossa capacidade de conhecer e construir o mundo resulta mais das percepções hiperestimuladas do que da razão.

A fascinação pela imagem está em toda parte, fazendo da cultura contemporânea uma cultura figurada, onde a ênfase nas imagens, mais do que nas palavras, cria novas relações do homem com o desejo e com o conhecimento. A educação e as práticas sociais que se formam em seu interior começam a ser absorvidas pelas representações visuais. Elas dificultam qualquer envolvimento mais profundo com a realidade. A erotização do olhar sobre a realidade encobre as lutas do poder e do desejo, colocando o sujeito em absoluto ‘des-lugar’, em frente ao seu papel nos encaminhamentos da história e na transformação da cultura”. ( JOBIM e SOUZA ; FARAH NETO, p. 30)

Enxergar a dicotomia entre a imagem e a palavra sob uma perspectiva apocalíptica, atribuindo ao poder persuasivo da imagem a culpa pela fragmentação do olhar contemporâneo ou pelo desinteresse em relação à leitura escrita, significa

retroceder a antigos “feudos” do conhecimento que guardavam, no acesso à escrita, o poder da sabedoria. (Manguel, 1997)

Contudo, é lícito admitir que a imagem exerce um fascínio permanente sobre o olhar, inclusive sob a perspectiva física – estimulando fisicamente os sensores receptivos dos olhos. Cones e bastonetes7 são efetivamente acionados quando em contato com a luz, só para citar um exemplo (Arnheim, 2002).

Negligenciar, por outro lado, o uso ideológico da imagem pela indústria cultural, que hipertrofia as experiências da sensação de forma desvinculada à realidade, sempre no nível do desejo, também significa compactuar com a estrutura vigente que deslinda o sujeito no caminho da fragmentação e da desumanização.

Esses dois últimos termos constituem aspectos fundamentais de uma crítica ao uso da imagem nos meios visuais de comunicação de massa. A fragmentação do olhar, portanto, somada à desumanização nas relações sociais pela via da “coisificação” agravam duplamente a possibilidade de acesso à leitura estética, só possível com o resgate do olhar humano, significativo e detido sobre o mundo, e, no caso em questão, sobre o texto visual.

O caminho para esse resgate já foi vislumbrado por Eco quando, ao discutir a saída para o impasse sobre alienação, o pensador italiano localizou no mergulho consciente sobre a estrutura da obra a chance de interação não coisificada, na medida em que a imersão/fruição no objeto ocorreria, digamos, já imbuída de noções de “natação”, de forma a não sucumbir ao prazer do mergulho.

No caso do Livro de Imagem, o que se entende por estrutura constituinte são as próprias imagens e o texto suscitado pela seqüência de imagens. O

recorte, contudo, deve se dar na análise das formas de leitura desse texto, na construção de uma “gramática da imagem”.

1.6.3.2. A necessidade de uma gramática da imagem