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território 1. Grande extensão de terra 2. A área de uma cidade, Estado, país, etc [...] 4. Jur. Base geográfica do Estado, sobre a qual exerce ele a sua soberania, e que abrange o solo, rio, lagos, mares interiores, água adjacente, golfos, baías e portos.

(Dicionário eletrônico Aurélio da Língua Portuguesa). territorio: Todo pueblo indígena se asienta en un territorio que cubre la totalidad del hábitat que los pueblos indígenas ocupan o utilizan de alguna manera. El territorio es la base material de su reproducción como pueblo y expresa la unidad indisoluble hombre-tierra-naturaleza.

(Definição indígena, contida nos Acordos de San Andrés).

Um dos outros fios condutores que Löwy destaca para o zapatismo é a memória coletiva da Revolução mexicana, a herança da Revolução de Emiliano Zapata, “[...] cujo famoso Exército do Sul representa ao mesmo tempo a insurreição dos camponeses e índios, a luta intransigente contra os poderosos sem pretender tomar o poder, o programa agrário de redistribuição de terras e a organização comunitária da vida econômica” (LÖWY, 2000, p. 62), além de um internacionalismo presente em Zapata.

Talvez a análise de Michael Löwy seja mais aplicável aos dias atuais e com as decisões políticas do zapatismo após seu “hibridismo”, porém, na formação do Exército Zapatista de Libertação Nacional, são outros os aspectos que definiram a escolha deste nome. Na concepção da organização político-militar guerrilheira, segundo Marcos:

Em linhas gerais, víamos a situação como a de um país colonial dominada pelo império norte-americano; e para poder fazer a transição para a democracia e o socialismo era necessária uma revolução nacional. Por isso, os fundadores, as pessoas que organizaram o grupo, escolheram o nome de Exército Zapatista de Libertação Nacional, EZLN. E a contradição entre as contribuições externas e a história nacional resolve-se recorrendo aos nomes de Hidalgo, Morelos, Guerrero, Zapata (MARCOS apud GENNARI, 2001).

Neste sentido, nos parece que os neozapatistas retomam a tradição da Revolução de 1910-1920 e os postulados básicos propugnados por Emiliano Zapata para desta forma tocar no imaginário social e simbólico mexicano e trazer para si elementos desse imaginário de longa tradição nacional de luta e revolução. Trata-se, porém, muito mais de uma redefinição de seus símbolos, do que uma ligação direta com os preceitos zapatistas originais. Ainda assim, os novos zapatistas retomam a

bandeira de uma revolução interrompida, a bandeira que clama por “Terra e Liberdade”.

Território

A perda de terras se apresenta como um dos maiores problemas pelo qual passam os povos indígenas, e está no cerne de vários outros, como a perda de recursos, de plantas medicinais, de alimentos tradicionais (portanto, perda da soberania alimentar) e perda da liberdade de praticar seus próprios costumes. Isso atinge diretamente a própria identidade cultural e o bem estar da comunidade, tendo em vista seus vínculos com o meio ambiente.

Essa indissociabilidade entre o território físico e as práticas e histórias de vida leva muitos indígenas ao limite da desarticulação social ou a morte, em decorrência de sua expulsão da terra de origem. Segundo Ceceña (2000), a possibilidade mesmo de vida e a riqueza social estão sustentadas no território, isto em qualquer sociedade, pois é a partir dele que constroem sua realidade e seus imaginários. Deste modo, a concepção do território se configura como a expressão da complexidade social, das relações humanas e de seus modos de vida, incluído sua relação com a natureza e sua cosmovisão. Com o capitalismo impera uma concepção de utilidade com o território, um caráter dicotômico, fruto do duplo significado da mercadoria, que aliado à lógica da competência, separa o espaço entre o útil e o supérfluo, e busca sempre rentabilizar o território em todos os seus elementos. O reduz, dessa forma, a soma de seus elementos passíveis de rentabilidade ou a suas potencialidades geoestratégicas.

Não é demais frisar que também as concepções indígenas de terra se apresentam antagônicas à concepção capitalista, pois não a percebem apenas em termos de benefício, mas como vida em si mesma, como uma mediadora sagrada para desenvolver suas próprias vidas.

La tierra no se concibe como una mercancía. Hay una vinculación mucho más profunda con ella [...] La tierra es un ente vivo que reacciona ante la conducta de los hombres; por eso la relación con ella no es puramente mecánica sino que se establece simbólicamente [...] La tierra es un recurso productivo indispensable, pero es más que eso: es un territorio común que forma parte de la herencia cultural recibida (BATALLA, 1990, p. 64-65)

São valores mais profundos que os ligam à terra, e o território natural com seu entorno ocupa o centro de sua identidade cultural. O ciclo da vida humana é um reflexo do mundo natural, prefigurando uma identidade muito mais circular que linear; o próprio conhecimento (coletivo) dos povos indígenas, de sua biodiversidade, se dá através da interação com o território, pois este é a expressão material de seus conhecimentos coletivos, incluindo o da biodiversidade. Há uma relação de apreço da terra enquanto a “mãe” que gesta a vida, e não como um produto, por isto ela é sagrada e os indígenas se entendem como mais um dos filhos da “Mãe Terra”, da mesma forma que os animais e as plantas, devendo ter uma atitude de profundo respeito com ela e com os demais seres da criação78. Daí não ser cabível a compra e venda da terra, sua concepção enquanto mercadoria, porque, para eles, não é possível comprar e vender a própria mãe (MONTES, 1999).

Em uma parte dos Acordos de San Andrés se resume muito bem o papel que desempenha o território na concepção dos povos indígenas e delineiam-se suas vias de reivindicações:

En los pueblos indígenas, la tierra que se cultiva, el terruño que los vio nacer y guarda la memoria de sus antepasados, el territorio en donde desarrolló su historia milenaria, no se pueden disociar. El hombre es inseparable de la madre tierra que da el sustento a los vivos y cobija a los muertos, de la cultura que brotó de su terruño, y del territorio que es la base material de la construcción de su destino […] De la tierra, los pueblos indígenas cobran derechos agrarios; del terruño, derechos culturales, y del territorio, derechos políticos (FZLN, 1999).

Dessa forma, afirmam os zapatistas no documento 3.2 dos Acordos de San Andrés,

Uma condição fundamental do desenvolvimento cultural é a relação dos povos indígenas com a terra. Atendendo a especial significação espiritual deste elemento e a seu altíssimo valor simbólico, deve garantir-se plenamente o direito das comunidades e dos povos indígenas a integridade de suas terras e territórios, assim como a preservação e uso racional de seu habitat (In: NAVARRO; HERRERA, 1998, p. 86).

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Conforme o documento final do Fórum Nacional Indígena, ocorrido no México em janeiro de 1996: “O território que nos une é a Mãe Terra que nos dá vida, a que nos sustenta e para onde vamos regressar, onde descansam os ossos que nos dão vida, a regeneradora que a partir da morte cria vida nova. Porém também é a semente que está em nossas mentes e corações, os lugares sagrados da natureza e o homem. A terra é a matriz de nossas culturas comunitárias e coletivas; o território é a base material de nossos povos e culturas que compreende a totalidade do habitat, as terras, seus recursos naturais, seus lugares sagrados” (NAVARRO; HERRERA, 1998, p. 156).

Não obstante, é certo que estes valores estão a sofrer modificações na medida em que os valores capitalistas se expandem a todo o território global. São várias as ameaças que atentam contra os direitos dos povos indígenas, contra seu território, patrimônio cultural e intelectual, sobre a biodiversidade e mesmo sobre seus recursos genéticos, através da biopirataria e do regime de Direito de Propriedade Intelectual. Essas ameaças advêm desde os mineradores, os exploradores de madeira, as empresas petrolíferas, as multinacionais, entre outros predadores (HILSENBECK FILHO, 2005; HUGHES, 2004; LLANCAQUEO, 2005).

No tocante específico do conflito mexicano, temos outros elementos que se incorporam aos já mencionados, como a reforma do Artigo 27. Destaca-se que o sonho de possuir um pedaço de terra, para poderem sobreviver em um grau mínimo de liberdade, e o apego e a visão indígena em relação à terra e ao território sempre foram utilizados como válvula de escape aos conflitos e crescimento demográfico no campo79. Assim, as elites e governantes se utilizaram – geração após geração – das aspirações indígenas à terra como meio para extrair proveitos próprios, sobretudo em época de eleições, em que eram distribuídos escassos títulos de propriedade para manter a passividade e a esperança da população. Mas com a agressiva política neoliberal – expressa na reforma do Artigo 27, na diminuição dos subsídios aos pequenos agricultores, na queda nos preços do café, e do gado –, os indígenas viram até mesmo essa única fresta de esperança se esvanecer, não sendo suficientes os recursos destinados pelo governo a programas sociais na região80, recursos que eram controlados pela burocracia e autoridades regionais que dificilmente beneficiavam as populações (LE BOT, 1997).

Além disso, há uma memória coletiva entre os indígenas de Chiapas - perpetuada através da transmissão da tradição oral, linguagem simbólica, ritos e festas -, que lhes ensinam que foram retirados das terras a que têm direito, mas principalmente, que eles permanecem, resistem, que nunca foram embora dali.

Um último “fio condutor” seria, para Löwy (2002), a relação do zapatismo com a “sociedade civil”. Este é um tema central no EZLN, e bastante polêmico e

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Ver o tópico Chiapas entre a miséria pré-moderna e a modernização neoliberal da miséria.

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Como quase todo o projeto deste nível (como o foi o PRONASOL no México), não se busca na verdade a erradicação da miséria, o combate efetivo ao atraso social de grupos em extrema pobreza – como o são os indígenas em Chiapas - por uma questão estrutural dos projetos assistenciais de viés neoliberal, pois os recursos distribuídos não são acompanhados de políticas macroeconômicas capazes de atacar às bases estruturais da pobreza. Foca-se apenas os efeitos como o desemprego, a falta de distribuição de renda, o arrocho salarial e não na sua causa: os latifúndios.

controverso nas análises teóricas sobre o movimento, pois o zapatismo põe em cena vários debates sobre identidade e estratégia dos movimentos sociais e dos diversos segmentos da “sociedade civil”, com vistas a que o poder decisório seja realizado pelas próprias pessoas, invertendo a lógica tradicional que impera na política parlamentar burguesa, procurando, assim, efetivar a realização da democracia, em sua forma absoluta, direta, sob o lema “mandar obedecendo”.

Porém, para entendermos exatamente como se deu esta relação do movimento zapatista com a “sociedade civil” se faz necessário analisarmos primeiro a convulsão que se realizou com a insurgência zapatista em 1º de janeiro e a reação da “sociedade civil” mexicana e internacional nos dias que se seguiram. Retornaremos posteriormente a este debate.