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2. CAPÍTULO II – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA PAISAGEM EM ESTUDO:

2.2. A HISTÓRIA DO “DESBRAVAMENTO” E A CONSTITUIÇÃO DE SÃO

O processo histórico de ocupação do município de São Bonifácio pelos descendentes europeus tem início nas primeiras décadas do século XIX, quando famílias de origem alemã chegaram à região impulsionadas pela situação econômica e política instáveis da atual República Federal da Alemanha, durante os séculos XVIII e XIX.

Entre 1815 e 1920, 60 milhões de pessoas emigraram da Europa. As principais razões foram: o problema demográfico que gerava um grande aumento populacional, a fragmentação das terras dos agricultores e a industrialização (BRAUN, 1999).

Segundo Sarlet (1993 apud BRAUN, op. cit.):

[...] após as guerras napoleônicas, a Prússia havia iniciado uma reforma agrária com o objetivo de libertar os camponeses dos trabalhos obrigatórios. Previa-se a igualdade política dos camponeses, segurança econômica e social. Mas nada disso aconteceu: os camponeses tornaram-se dependentes de seus credores, endividados por impostos e taxas. Milhares de pessoas ficaram na condição de simples trabalhadores de campo. Desemprego e miséria eram as conseqüências [...].

Com a formação de um grande contingente de trabalhadores desempregados e a expansão industrial relativamente tardia para absorver os egressos do campo no país, a emigração passou a ser um fenômeno desejável para contornar as tensões sociais provenientes do aumento demográfico na Alemanha (BRAUN, idem).

Enquanto a Alemanha vivia uma situação de excedente populacional, de pobreza e instabilidade política, o Brasil dispunha de muitos hectares de terras devolutas, necessitava de mão-de-obra qualificada e carecia de técnicas de modernização da agricultura.

O Governo Imperial de Dom Pedro I estava interessado em colonizar o sul do país e impulsionar a agricultura familiar em pequenas propriedades rurais nesta região, freqüentemente ameaçada pelo ataque dos povos oriundos da Bacia Platina (Uruguai, Paraguai e Argentina) (BRAUN, idem). A autora também destaca o avanço do capitalismo no Brasil e a desestruturação do sistema de produção brasileiro,

calcado nas grandes propriedades e no trabalho escravagista, como fator catalisador para o incentivo da imigração dos colonos alemães. Outros motivos também se referem ao desejo pelo “enbranquecimento da raça” do povo brasileiro.

O primeiro núcleo de instalação colonial germânica em Santa Catarina foi o município de São Pedro de Alcântara. A localização desta colônia serviu as estratégias geopolíticas de estabelecer um caminho para o planalto, ligando a antiga Desterro ao município de Lages (PAULI, 2005).

O estabelecimento dos colonos europeus nas terras brasileiras foi marcado pelo claro desejo de incursão do progresso nas áreas florestadas, que ainda não haviam sido colonizadas pelos portugueses e açorianos. A relação com os recursos naturais era de expropriação para a transformação e apropriação da terra para o desenvolvimento da agricultura e pecuária. A redução da floresta nativa foi registrada por Schaden (op. cit.), que aponta a diminuição de madeiras-de-lei, tais como o cedro, que se tornaram raras em função do desmatamento e corte seletivo nas áreas florestadas, reduzidas aos cumes das montanhas e áreas mais distantes das localidades.

As formas de uso da terra e seus recursos retratavam as técnicas de manejo aprendidas na Westfália21, região de origem dos colonizadores, onde a terra é extremamente plana e uniforme. A característica acidentada do relevo foi considerada por muitos colonos como barreira para o desenvolvimento de suas atividades agrícolas. A derrubada e a queimada da mata eram os primeiros passos para instalação das primeiras lavouras. Geralmente plantava-se milho, cana-de- açúcar e feijão (RODOLFO, 2003).

São Bonifácio e o município de Águas Mornas formavam a “Colônia de Teresópolis”, fundada em 1860 por 41 famílias de alemães. Logo as terras da zona central da colônia estavam colonizadas, tornando necessário procurar outras áreas para a instalação de novas famílias. A partir de 1863 muitos colonos foram ocupando as nascentes do rio Capivari, os vales do Cubatão, Cedro e São Miguel em direção a suas nascentes, constituindo o que hoje é o município de São Bonifácio. Em Teresópolis existia uma grande barraca, onde se abrigavam os imigrantes. As

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A região da Westfalia está localizada na porção centro-oeste da Alemanha, fazendo divisa com a Holanda.

mulheres e crianças ficavam nesta barraca, enquanto os homens partiam com os filhos crescidos à procura de terras mais planas e melhores para o cultivo das sementes que traziam da Alemanha. “Quando localizavam terras boas, faziam uma roçada, erguiam um rancho na clareira e buscavam os familiares para começar uma nova vida” (SCHADEN, 1940).

Em São Bonifácio, os primeiros colonos que se instalaram nas margens do rio Capivari eram camponeses que trabalhavam em regime familiar. Inicialmente toda a produção era voltada à subsistência da família, somente o excedente era trocado por outros produtos. Além da agricultura de subsistência, os colonos também se dedicavam à atividade leiteira (SCHADEN, op. cit.).

A primeira atividade produtiva voltada ao mercado foi a produção de banha de porco, em meados do século XX. Até o final da década de 1960 esta atividade esteve em franca expansão e absorveu grande parte da economia local. Na década de 1950 foi instalado um abatedouro no município, o que possibilitou a exportação do produto para outros estados do Brasil (EPAGRI, 2005).

A partir da década de 1970, com a expansão do óleo de soja industrializado, a banha de porco começou a perder valor no mercado. Em São Bonifácio o sistema de produção desarticulou-se completamente e a atividade madeireira consolidou-se como uma nova alternativa de renda para a população local. A demanda por madeira pelo setor da construção civil da região da Grande Florianópolis e Tubarão estimulou a implantação de várias madeireiras no município (EPAGRI, op. cit.). De acordo com notícia publicada no jornal Diário Catarinense, no final da década de 1970, São Bonifácio contava com mais de 50 madeireiras (DIÁRIO CATARINENSE, 1993).

Com a criação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro em 1975 esta atividade passou a sofrer muitas restrições, embora somente a partir dos anos 80 a exploração madeireira no município tenha sido efetivamente reprimida por ações de fiscalização, decorrentes da criação do Parque e da legislação ambiental vigente (EPAGRI, idem).

Além da atividade madeireira, a partir da década de 1980, a produção leiteira também passou a representar uma atividade produtiva importante para as famílias

de agricultores, com suporte técnico dos órgãos de extensão rural e apoio da Universidade Federal de Santa Catarina. Além da atividade leiteira, o pequeno cultivo diversificado de cereais, hortifrutigranjeiros e o cultivo do milho, tanto para o consumo familiar como para comercialização, se manteve ao longo de todo este período, constituindo grande parte do sistema de produção das unidades produtivas familiares do município atualmente (EPAGRI, idem).