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3. O IDOSO EM CONTEXTOS INSTITUCIONAIS

3.1. O envelhecimento nas sociedades ocidentais

3.1.1. A identidade e o envelhecimento

Embora o processo de envelhecimento, de um ponto de vista biológico, se inicie exatamente no momento em que se nasce, de um ponto de vista social este só começa a ser conceptualizado enquanto realidade biográfica substancialmente mais tarde. Ao longo da vida, a personalidade do indivíduo está submetida a uma série de mudanças. A “meia-idade” está frequentemente, associada a uma situação de “crise”, esta faz com que o sujeito se questione sobre a sua existência identitária e social13. Acreditamos que na velhice, situada cronologicamente depois da “meia-idade”, o individuo se confronte com mais “crises”. Em primeiro lugar, pela experiência do contacto com a morte – amigos, familiares ou de outros que lhe são significantes; em segundo lugar, pelo confronto com os sinais fisiológicos e morfológicos da sua mudança corporal; em terceiro lugar, porque o avanço no seu ciclo vital significa o avanço no ciclo vital da sua rede social - no crescimento e autonomização dos filhos ou outros familiares próximos (Aboim et al. 2010:73); em quarto lugar, pela perda de papéis sociais na sociedade e na família – o que obriga os indivíduos idosos a reequacionar os seus objetivos pessoais de forma a se adaptarem às condições que o rodeiam (Ribeirinho, 2005: 43). Assim, no processo de envelhecimento não podemos considerar apenas os fatores intrínsecos,

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A autora baseia as suas afirmações na obra de Fernandes, Ana Alexandre (1997), Velhice e sociedade:

demografia, família e políticas sociais em Portugal, Oeiras, Celta.

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Portugal está entre os países onde a entrada na “meia-idade” é considerada mais tardiamente, já próximo dos 50 anos (Aboim et al. 2010:74)

31 aqueles que dizem respeito apenas ao envelhecimento do corpo, mas também os fatores extrínsecos.

Deste estudo destacamos as conclusões que dizem respeito à identidade no processo de envelhecimento: hoje pode ser-se jovem aos 35 anos ou mais, enquanto em contrapartida, uns 60 anos bem conservados não são necessariamente um atributo de velhice. Quanta mais idade se tem, mais se tende a pensar que é preciso ter mais idade para se ser considerado velho. Por outro lado, quanto mais velho se é, mais se tende a fugir da velhice - em Portugal, os inquiridos com mais de 60 anos tendem a considerar velhos os mais de 70 anos. Para os jovens, a média da idade normativa da velhice é de 67 anos (Pais, 2010:22-23). Contudo o marcador de transição para a velhice mais valorizado, segundo as estatísticas, está relacionado com uma lógica de dependência de outrem, ou seja, o facto de se precisar que outras pessoas tomem conta do idoso em causa, ou em segundo lugar, se este se encontrar fisicamente debilitado (Aboim et al. 2010:79-80). Para os europeus, a obtenção da condição de “reformado” por si só não constitui um marcador de passagem para a “velhice”, desvalorizando este fator em detrimento da condição de saúde (Aboim et al. 2010:78).

A “idade” é um sistema de codificação social do tempo biográfico que a partir de determinado momento da vida, muitos tentam ignorar, desvalorizar e negar (Aboim et al. 2010: 73). A indústria de engenharia e design corporal das sociedades ocidentais é uma evidência disto mesmo (Aboim et al. 2010: 73).14

As normatividades etárias não são efeito puro da realidade biológica, elas constituem também um campo de luta simbólica (Pais, 2010:20). Esta luta simbólica faz do envelhecimento um processo diferencial. Cada indivíduo envelhece de um modo particular, diferente de outro, conforme os modos de vida, - se casou, se teve filhos, se viveu só, o tipo de profissão que teve - diferença entre trabalho manual ou intelectual; os acontecimentos traumáticos - mortes, doenças, desemprego, violência, separação ou divórcio; bem como outros fatores de ordem social, como a escolaridade, a condição social - com reflexos designadamente nos hábitos de higiene, alimentação, e outros, como hábitos tóxicos - a ingestão de álcool, o uso de tabaco ou drogas. Os fatores

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Os autores baseiam o seu pensamento em Ferreira, Vítor Sérgio (2008), “Be some body: modificação corporal e plasticidade identitária na sociedade contemporânea”, Itinerários. A investigação nos 25 anos

intrínsecos e extrínsecos encontram-se interligados e fazem do envelhecimento um processo singular na vida de cada individuo (Ribeirinho, 2005:37)15.

A população idosa das sociedades ocidentais apresenta-se com características muito particulares: existe um elevado número de pessoas a viverem sós, maioritariamente mulheres - devido à feminização do envelhecimento, associado à maior longevidade das mulheres em relação aos homens; a rede de suporte familiar não consegue por si só assegurar os cuidados aos seus idosos seja qual for a sua condição de saúde – o que faz com que recorram a respostas fora da família, formais ou informais; a melhoria no acesso aos cuidados de saúde e o crescimento dos serviços de apoio domiciliário permitiram que os idosos se mantenham até a uma idade mais longa nas suas casas (Sousa, 2011:20).

A identidade não é apenas pessoal, ela é também social. O “ser social” dos indivíduos, na perspetiva durkheimiana, é considerado como aquilo que eles herdam sem o quererem (Dubar, 2006:13). A identidade social apresenta uma forte correlação com a categoria de pertença. A pertença a uma categoria mede aspetos importantes da vida dos indivíduos das sociedades modernas e determina, de forma mais ou menos expressiva, exibem-se maneiras de fazer, de sentir e de julgar. Por estas razões, o género não pode hoje em dia ser negligenciado pelas análises sociológicas. Ninguém escolhe o género ao qual pertence e as instituições da sociedade ocidental continua a tratar homens e mulheres de forma diferente mesmo que estes se encontrem em situações semelhantes, por exemplo, na mesma função muitos homens continuam a receber um salário superior ao das mulheres (Dubar, 2006:12). O estudo coordenado por Pais e Ferreira (2010) salienta como o género afeta as atitudes perante a vida (Nata e Menezes, 2010:235). A perceção diferenciada da entrada na “velhice” consoante o género tende a dominar nos vários países da Europa, com as mulheres a serem geralmente consideradas “idosas” mais cedo do que os homens, em média, um ano e quatro meses (Aboim et al. 2010: 75).

A evolução das atitudes perante a vida estão fortemente dependentes do género, da idade, mas também do contexto nacional (Pais e Ferreira, 2010:254). As relações de

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A autora fundamenta os seus argumentos em Fernandes, Ana Alexandra (2002), “Investigação, Formação e Intervenção - Reflexão em Torno dos Condicionantes à Intervenção no Campo da Gerontologia Social”, Futurando, nº5/6/7, ISSS-CESDET, pp.25.

33 dominação nas sociedades, desde o seu início na história da humanidade, são quase sempre estabelecidas entre homens e mulheres mas também entre velhos e novos (Dubar, 2006:22-24). Mas o contexto socioeconómico mais abrangente onde estas “dominações” tomam lugar tem também um papel importante.

O estudo de Pais e Ferreira (2010) deu-nos uma visão heterogénea de como os indivíduos constroem significativamente a sua vida, centrando-se em indicadores relevantes do domínio pessoal e social, como a satisfação com a vida e a sociabilidade. Em relação a Portugal, concluiu-se que tem uma média ligeiramente negativa de satisfação com a vida, assim como de envolvimento comunitário. Pelo contrário apresenta níveis elevados relativamente à sociabilidade. Os resultados reforçam o peso de variáveis de natureza relacional, económica e política na satisfação com a vida, sugerindo que a construção subjetiva e pessoal da felicidade é efetiva e inevitavelmente efetuada “em contexto” (Nata e Menezes, 2010:253-254).

Na próxima alínea vamos desenvolver o tema da condição de saúde implicada na velhice e da forma como a dependência física ou mental de um idoso pode ditar a sua adesão, ou não, aos serviços dirigidos para idosos como o apoio domiciliário e os lares de idosos.

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