• Nenhum resultado encontrado

NAS MUDANÇAS DE LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL

4 O ISEB E O PCB: ANTIIMPERIALISMO E ANTIAMERICANISMO

4.2 As ideologias anti-imperialistas: o ISEB e o PCB

4.2.1 O ISEB e a ideologia de desenvolvimento nacional

4.2.1.1 A ideologia de desenvolvimento nacional

No livro O Nacionalismo na Atualidade Brasileira, Hélio Jaguaribe (1958) destacou que “o nacionalismo consiste, essencialmente, no propósito de instaurar ou consolidar a aparelhagem institucional necessária para assegurar o desenvolvimento duma comunidade” (apud Toledo; 1978, 134). Este conceito de nacionalismo, segundo Vieira Pinto em Consciência e Realidade Nacional (1960), não deveria ser confundido com o nacionalismo imperial. O nacionalismo dos países subdesenvolvidos não seria um nacionalismo fascista ou xenófobo com “vocação” imperialista, mas a única maneira de participar de um verdadeiro internacionalismo (apud Toledo; 1978, 131-132).

Isso porque, para a maioria dos isebianos, o subdesenvolvimento brota de uma situação colonial. Nas palavras de Vieira Pinto (1960):

(...) cedo ou tarde o país atrasado sofre alterações da estrutura material em conseqüência quase sempre da instalação de dispositivos de dominação externa destinados a melhor explorá-lo, que acabam por sugerir a um ou outro indivíduo a transformação da consciência que conduz à meditação crítica sobre a realidade (apud Toledo; 1978, 36).

Cândido Mendes, em Nacionalismo e Dependência (1963) chegou a identificar o subdesenvolvimento com a estrutura colonial afirmando que:

(...) quando nos referimos à estrutura colonial, descartamos como irrelevantes para a caracterização da área histórica ora em exame a sua assimilação ao mero estatuto político daquele regime. Não deixam de estar subordinadas à situação colonial aquelas nações que, há muito, conquistaram a sua independência jurídica mas se conservam ainda tributárias da estrutura em que originalmente se integravam, nas suas implicações mais profundas (apud Toledo; 1978, 68-69).

Para sair da situação colonial, segundo Vieira Pinto, o desenvolvimentismo nacional precisa ser uma ideologia “autêntica” que surge da consciência “das massas” com caminho e

identidade consciente. Mas “somente quando o país alcança o grau de desenvolvimento econômico capaz de gerar a atual modalidade de consciência nacionalista, dão-se os meios de superar as diversas formas de alienação de que sofre.” Este desenvolvimento econômico, pelo menos inicialmente, deveria surgir de um “capitalismo autóctone” com “plena consolidação do modo de produção capitalista nos países periféricos” (apud Toledo; 1978, 75).

Nestes trechos, percebe-se que o “nacionalismo” dos isebianos não era apenas um nacionalismo patriótico nem também xenofóbico, mas um nacionalismo que se definia por não ser imperialista. Também, não era expressamente anti-capitalista – ao contrário, exaltava o capitalismo industrial como a fonte do novo desenvolvimento nacional. O estrangeiro capitalista no Brasil, era, por essência, “anti-nação”; mas o brasileiro capitalista era nacional, enquanto se aliava com a indústria nacional, e não caia, por lucro próprio ou outro motivo, na tentação de se aliar com os interesses estrangeiros.

Como relatou Caio Navarro de Toledo, (1978, 117 e 118) no seu livro ISEB: Fábrica de ideologias, os isebianos entendiam que a sociedade brasileira era divida em dois setores: os “dinâmicos e produtivos” (ou modernos) e os “estáticos e parasitários” (ou tradicionais). O setor tradicional incluía a classe latifundiária, a burguesia mercantil e a classe média não- produtiva; enquanto o setor moderno incluía a burguesia industrial, o proletariado (urbano e rural) e a classe média produtiva. Este seria o setor responsável pela consolidação do modo de produção capitalista, e do qual a nova ideologia deveria brotar. Os setores modernos se articulam, nas palavras de Cândido Mendes, quando da “derrubada da estrutura colonial e implantação em seu lugar de um princípio de funcionalidade social, que será assimilado, lato sensu, à industrialização.”

A partir de uma perspectiva que coloca ênfase no industrial e nos bens acabados, os isebianos identificavam que os setores modernos representavam “a nação” enquanto os improdutivos e estagnados representavam a “anti-nação”. Mesmo assim, Toledo afirmou que

os conflitos que surgiriam entre estes dois grupos ou entre outras distinções de classes sociais ou econômicas dentro do país não eram bem tratados pelos isebianos. Isso porque, para Vieira Pinto, Corbisier e Sodré, “as forças que se agrupam em torno daqueles setores que obstaculizam o projeto nacional-desenvolvimentista têm no imperialismo o seu principal agente” (Toledo; 1978, 122). Já vencido o imperialismo, não existirá as mesmas distinções.

Contudo, Vieira Pinto reconheceu a possibilidade de contradição de classes afirmando que:

(...) a teoria exposta (...) só a consideramos válida para a presente fase da realidade brasileira (...). Não desconhecemos a existência da contradição entre as classes e da sua luta como fator dinâmico salutar no processo do desenvolvimento (...); contudo, é preciso observar que a natureza dialética do processo permite que a resolução da atual contradição principal – imperialismo e a desigualdade no desenvolvimento – conduza a outras formas de contradição suprema, agora imprevisíveis” (apud Toledo; 1978, 125).

Resumindo (consciente do perigo já mencionado de entrar em plena contradição com alguns dos seus pensadores), o desenvolvimento nacional dos isebianos é de construção de uma nação sobre uma ideologia autóctone que brota do seio da população para guiar o desenvolvimento do país, neste caso através do desenvolvimento industrial e capitalista, assim, livrando-se do imperialismo do “metrópole” (ou país do Centro) que obstaculizou este desenvolvimento.

Antes de fechar esta seção, queremos destacar uma crítica de Roland Corbisier (1960), então diretor do ISEB, em Formação e Problema da Cultura Brasileira, que corresponde à nossa análise do peso simbólico da língua inglesa. Corbisier resumiu a importância da industrialização no desenvolvimento brasileiro assim: “A colônia exportando matérias-primas e produtos naturais, exporta o não ser, e importando produtos acabados, importa o ser” (citado por Toledo; 1978, 72 e Pécaut; 1990, 117). Ao tornar-se uma nação industrializada, a nação produz o próprio ser.

Mas Corbisier não limitou esta idéia à economia industrializada, percebendo também a imposição cultural do imperialismo. Segundo ele:

(...) importar o produto acabado é importar o ser, a forma, que encarna e reflete a cosmovisão daqueles que a produziram. Ao importar, por exemplo, o cadillac, o chiclete, a coca-cola e o cinema não importamos apenas objetos e mercadorias, mas também todo um complexo de valores e condutas que se acham implicados nesses produtos (apud Toledo; 1978, 86).

“Importar o ser”, então não significa apenas importar um produto, mas também o conjunto de noções ou ideologias ligadas a este produto. Esta importação estende-se tanto a produtos industriais acabados como a produtos culturais, como o cinema e a língua.

Importar, no caso do audiolingüalismo, um método de ensino com livros didáticos e materiais prontos, já empacotados dentro de um conjunto de idéias de como ensinar a língua, não seria importar o ser? Não seria importar o acabado, definido por outro, alheio à cultura, para consumo? Se aceitarmos a constatação acima de Corbisier, o consumo do audiolingüalismo, ou do ensino de inglês como produto importado, seria também consumir um complexo de valores e condutas implicado nesta língua e nas metodologias de ensino dela.

Estendendo o argumento de Corbisier um pouco mais, e invertendo a análise, quando Corbisier refere-se à Coca-Cola e ao cinema, perguntamos – um dos valores ou condutas implicados no consumo destes produtos não é a língua inglesa?

Através destas perguntas, percebemos que o inglês, nesta análise, serve como produto com valores e condutas implicados em seu consumo, e também como valor ou conduta implicado em outro produto, demonstrando o ponto feito por Phillipson que a língua inglesa serve como forma e conteúdo, com transmissora e transmitida.