• Nenhum resultado encontrado

A ideologia neoliberal: aspectos históricos e mudanças institucionais

3. A CONJUNTURA POLÍTICO-ELEITORAL DE 1994 A 2002, NO ESPÍRITO

3.1. A ideologia neoliberal: aspectos históricos e mudanças institucionais

Segundo o historiador britânico Perry Anderson (1998), as origens do neoliberalismo enquanto um fenômeno distinto do liberalismo clássico remontam ao período do pós-II Guerra Mundial, tendo surgido como uma reação teórica e política ao Estado interventor e de bem-estar. Segundo Anderson, o texto que inaugurou essa corrente ideológica foi O Caminho da Servidão, de Frederick Hayek, produzido já em 1944. O texto é um frontal ataque aos mecanismos de limitação de mercado por parte do Estado, denunciados como uma ameaça letal à liberdade, não só econômica, mas também política.

Em 1947, enquanto se consolidava nos países europeus o Estado de bem-estar social, Hayek convocou alguns daqueles que compartilhavam de suas idéias para uma reunião que se realizaria na Suíça. Dentre os convidados, destacavam-se Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Lipman, Michael Polanyi, todos com o traço comum de serem adversários do Estado de bem-estar e também do New Deal norte- americano.

Dessa reunião, se seguiu à formação da Sociedade de Mont Pélerin (denominação dada em referência à estação onde se realizara a reunião), que promoveria encontros a cada dois anos, e cujo propósito fundamental seria o combate ao keynesianismo e ao Estado de bem-estar, além da preparação das bases para um outro tipo de capitalismo, livre das regras impostas por aqueles modelos de Estado (ANDERSON, 1998).

É importante frisar que o cenário encontrado por esses intelectuais não era o mais propício para se colocarem em prática idéias de mercado livre, isso porque o capitalismo entrava em uma fase extraordinária de crescimento durante as décadas de 1950 e 1960, tornando inverossímeis os avisos neoliberais a respeito dos riscos que a excessiva intervenção dos Estados na economia poderia trazer para o capitalismo global.

A principal tese sustentada por Hayek, que foi endossada pelos demais defensores da corrente neoliberal, era a de que o chamado novo igualitarismo desse período, promovido pelo Estado

provedor, destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos. “Desafiando o consenso oficial da época, eles argumentavam que a desigualdade era um valor positivo – na realidade imprescindível em si – pois disso precisavam as sociedades ocidentais” (ANDERSON, 1998, p. 10).

As idéias neoliberais só começaram a ganhar terreno com a ocorrência da grande crise internacional do capitalismo, verificada diante da 1º crise internacional do petróleo, a partir de 1973, das baixas taxas de crescimento e dos altos índices de inflação que já se faziam presentes há alguns anos. Para Hayek o ponto fulcral dessa crise era o poder excessivo dos sindicatos e, de maneira mais geral, do operariado, que havia corroído as bases da acumulação capitalista com as pressões visando melhorias salariais e com suas exigências para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais. Na concepção dos neoliberais, esses dois processos destruíram os níveis de lucro das empresas, desencadeando a disparada dos preços e dos índices inflacionários, que por sua vez geraram a crise generalizada da economia. Como remédio, admitiam a manutenção do Estado forte somente para romper com o poder dos sindicatos, mas a estrutura estatal deveria ser parca nos gastos sociais e nas intervenções no setor econômico.

Para os neoliberais, a estabilidade financeira deveria ser a principal meta de qualquer governo. Para isso, seria necessária uma disciplina orçamentária, contenção dos gastos sociais e a restauração das taxas de desemprego, vista como natural, especialmente para diminuir os níveis salariais. Esse modelo foi adotado em maior ou menor grau a partir do final da década de 1970 e início dos anos 1980, com a ascensão de Margareth Thatcher na Inglaterra, Ronald Reagan nos Estados Unidos e Helmut Khol na Alemanha.

Os limites deste trabalho não permitem aprofundar as transformações e impactos trazidos pela adoção do modelo neoliberal nas sociedades em que foi aplicado. Para a presente análise, o importante é observar alguns aspectos da hegemonia alcançada pelo neoliberalismo enquanto ideologia que, segundo Anderson (1998, p. 23),

[...] alcançou êxitos num grau com o qual seus fundadores jamais sonharam, disseminando a idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se as suas normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberalismo hoje. Este fenômeno chama-se hegemonia,

ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes.

Essa hegemonia neoliberal também se expressou igualmente no comportamento de partidos e governos, mesmo daqueles que formalmente sempre se colocaram como seus opositores, vide eleição e governo de Luiz Ignácio Lula da Silva.

Além disso, é importante considerar as profundas transformações socioeconômicas e tecnológicas verificadas no último quarto do século XX e a fragmentação do socialismo real, que também abalaram profundamente as estruturas dos partidos políticos ocidentais. Em primeiro lugar, pode-se apontar o aumento da complexidade das sociedades ocidentais, que acarretou problemas diversos aos partidos. Segundo Pedro Ribeiro (2004, 2004; 30),

[...] em sua dimensão estrutural, a complexificação social significou uma crescente diferenciação funcional societária, multiplicando os interesses – cada vez mais conflitantes e complexos – presentes no seio da sociedade. Tal sociedade altamente segmentada por meio de linhas demarcatórias entrecruzadas, sobrepostas e não ajustáveis a estratificações classistas tradicionais passou a organizar-se em subsistemas específicos, em micro-agregações de pessoas voltadas à consecução de objetivos particularistas.

Tal fragmentação desfavoreceu especialmente aqueles partidos políticos com liames societários mais fortes, como é o caso do PT, cujas bases operárias e sindicais fracionaram-se paulatinamente em vários sistemas especializados, com interesses específicos e, por vezes, conflitantes.

No caso dos partidos do tipo catch-all, não houve tantas dificuldades, já que sua amorfa constituição mostrou-se bem mais flexível e maleável para abrigar diferentes subsistemas ideologicamente conflitantes (RIBEIRO, 2004). Mas o aparecimento dos inúmeros subsistemas, como grupos de minorias étnicas, ecologistas, organizações não governamentais, movimentos feministas de vários tipos, e outros, impeliu as agremiações partidárias a modernizarem-se sob pena de perderem grande parte dos recursos necessários à sua sobrevivência.

No aspecto simbólico, também se observam mudanças: a crescente complexidade social culminou com a ruptura das identidades tradicionais pautadas em estruturas agregadoras e inclusivas, como igrejas e partidos. Tais organizações se enfraqueceram frente aos novos subsistemas especializados que formam identidades mais efêmeras, “na medida em que estão

em permanente rearranjo com outras microestruturas com o fito de melhor atender a seus interesses particularistas” (RIBEIRO, 2004; p. 31). Esse fato dificulta grandemente a construção de relações duradouras de identidades partidárias.

Outro importante aspecto dessas transformações é a evolução tecnológica e a difusão maciça dos meios de comunicação, em especial a televisão, que fez aflorar a possibilidade de uma relação direta, sem mediações, entre políticos e eleitores. Esse fato tornou ainda mais comum o sucesso de políticos sem nenhum vínculo ou apelo partidário. Dentro desse mesmo conjunto de transformações no campo da mídia, podemos incluir o refluxo da imprensa opinativa e partidária em prol de uma imprensa mais comercial e supostamente imparcial, neutra e informativa, fazendo com que as agremiações partidárias perdessem importância como formadoras de opinião (RIBEIRO, 2004; ABREU, 2003). Em outras palavras, as agremiações partidárias, salvo raras exceções, para não se cair no determinismo, e os políticos passam a ter dois caminhos a seguir: ou aderem ao cenário hegemônico – que na prática significa seguir o conselho do marketing político-eleitoral para tornar-se simpático ao eleitor, mesmo que isso signifique mudar o discurso, o lugar de fala e até mesmo o programas de governo – ou o enfrentam e saem gritando palavras de ordem de oposição, com grandes chances de tais críticas terem um efeito bumerangue, culminando com derrotas nas urnas (ALMEIDA, 2002).

Coaduna-se com a idéia de que o Partido dos Trabalhadores, em nome do principio de realidade, acabou se alinhando ao novo cenário institucional, apesar das iniciais dificuldades de compreendê-lo. Parte da esquerda do partido compartilhava a idéia de que esse comportamento se limitaria a uma inflexão necessária, que seria corrigida mais a frente, em condições favoráveis. Outros setores passaram a externar as suas insatisfações que, em muitos casos, levaram à dissidências. Não obstante, passado o período mais polêmico e conturbado da transição, o diagnóstico não é outro senão aquele apontado por Vianna (2006, p. 11) segundo o qual “a adaptação ao mundo venceu o impulso por mudá-lo”.