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A Igreja Católica e a construção do Estado Novo

CAPÍTULO II – A CONSTRUÇÃO DO ESTADO NOVO: O DOMÍNIO DE

4. A Igreja Católica e a construção do Estado Novo

As relações entre a Igreja e o Estado Novo assumem uma importância que ultrapassaram amplamente o aspecto constitucional, considerando que Oliveira Salazar tinha sido um dos mais proeminentes dirigentes do Centro Católico, juntamente com o seu grande amigo Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa. A sua carreira no CADC, Centro Académico de Democracia Cristã, foi entretanto já abordada em precedente capítulo.

Assim e apesar do Centro Católico não ter participado activamente no golpe militar de 28 de Maio de 1926, este não o apanhou desprevenido, não tendo por isso sido propriamente uma surpresa, como bem nota Braga da Cruz (1978), que quando o movimento militar se instalou no poder, no primeiro governo tivessem surgido entre os três ministros civis, dois destacados dirigentes do Centro, a saber, Mendes dos Remédios e Oliveira Salazar.

No entanto o CADC não deixava de apresentar as suas reservas quanto à capacidade do exército para governar o país. Na edição de 6 de Junho de 1926 do Novidades, jornal do movimento católico (cit. in Braga da Cruz, 1978), o CADC afirma estar convicto de que o “exército não poderá salvar a nação, se esta não quiser contribuir para se salvar a si mesma. A renovação social e política que se impõe, só poderá advir duma obra intensa de extensa cooperação de todos os valores nacionais”.

A entrada de Salazar para o executivo de Vicente de Freitas foi festejada pela imprensa centrista, pois, apesar de rejeitada a ideia de que este tenha ido para o Governo enquanto representante do Centro, não se escondia a sua filiação organizativa. Não obstante, Braga da Cruz (1990) defende que a Igreja contribuiu não só para promover a ascensão de Salazar e do Estado Novo, como também para a sua consolidação e evolução, ao tornar-se num suporte institucional do regime, apesar deste se ter afirmado sempre separado da Igreja e a funcionar com plena autonomia em relação a ela. Também Nogueira (1977b) advoga o papel essencial, apesar de não declarado, da Igreja no percurso político de Salazar.

Apesar do regime concordatário de separação entre o Estado e a Igreja, com a instauração da ditadura militar as relações entre os mesmos vão conhecer significativos progressos. Desde logo, com o reconhecimento da personalidade jurídica das corporações encarregadas do culto e da liberdade de ensino religioso nas escolas particulares, bem como com a entrega à Igreja dos bens destinados ao culto e que lhe haviam sido tirados. Mais tarde, com a aprovação do Estatuto das Missões Católicas e com a celebração de acordos com a Santa Sé, relativos ao Padroado do Oriente e,

principalmente, com o ingresso no executivo de Salazar e depois de Mário de Figueiredo (Braga da Cruz, 1990).

Importa igualmente notar, que o salazarismo não declarou o catolicismo como religião de Estado e, como sublinha Braga da Cruz (1998) “nem o nome de Deus foi constitucionalizado, nem o chefe de Estado era obrigatoriamente católico, nem as outras religiões eram proibidas, nem a Igreja nacional era subsidiada pelo Estado”, referindo ainda que figuras laicas e maçónicas foram admitidas como presidentes da República e da Assembleia Nacional.

Pelo exposto, Salazar parecia oferecer à maioria dos católicos a garantia de corresponder às suas aspirações, quer em matéria de cariz religioso, quer em matéria de cariz político e social, apesar de algumas reservas terem surgido como resultado da dissolução do próprio Centro Católico, em consequência da criação da União Nacional em 1930, e da criação da Acção Católica em finais de 1933 (Braga da Cruz, 1990). Perante a oposição de alguns dirigentes centristas, como Lino Neto, Dinis da Fonseca e Tomás de Gamboa, para os quais o CADC deveria ser mantido, Salazar (cit. in Braga da Cruz, 1978), recém-nomeado Presidente do Conselho, defendeu que “a agregação denominada Centro Católico, ou seja, a organização independente dos católicos para trabalharem no terreno político, vai revelar-se inconveniente para a marcha da ditadura, deve torná-la esta dispensável por uma política superior, ao mesmo tempo que só traria vantagens para o país a transformação do Centro num vasto organismo dedicado à acção social”.

No entanto, à atitude colaborante dos católicos para com o Estado Novo, não foi estranho o facto da instauração do novo regime ter criado perspectivas favoráveis à Igreja e à sua acção, em terrenos políticos, sociais educativos e coloniais. De facto, como sustenta Braga da Cruz (1990), no campo político e ideológico, o regime assumiu- se de inspiração católica, rejeitando qualquer veleidade totalitária e subordinando-se ao direito e à moral. No campo social, optou por um corporativismo associativo, misto e parcial, pautado pelos ensinamentos da doutrina social da igreja e pelo respeito pela

justiça social. Na educação terminou com a hostilidade do ensino público à religião e admitiu a possibilidade do ensino particular ser oficializado e subsidiado, comprometendo-se, ainda, a orientar toda a acção pedagógica numa perspectiva cristã. Finalmente, na questão colonial, o governo abriu caminho a novas missões caracterizando-as como instrumentos de civilização e influência nacional.

Em 1940 o progressivo entendimento ente a Igreja e o Estado Novo conheceu a sua mais alta expressão com a assinatura da Concordata e do Acordo Missionário, após um longo período de negociação. Nogueira (1978) refere que o projecto, iniciado em 1937, tinha sido entregue pessoalmente por Salazar ao núncio apostólico, para posterior exame pelo Vaticano e, depois de uma prolongada negociação entre Lisboa e Roma, em que interveio como “mediador e apaziguador de atritos” o Cardeal Cerejeira, e como mandatários do governo, Teixeira de Sampaio e Mário de Figueiredo.

Em 1939, apesar de o acordo ter estado eminente, Salazar rejeitou algumas exigências da Santa Sé, relativas a algumas questões patrimoniais, às dioceses ultramarinas e ao estatuto das missões, mas, sobretudo, ao casamento e seus efeitos civis e ao divórcio (Braga da Cruz, 1998). Nogueira (1978) sustenta que “reconhece o Estado português a validade deste, quando celebrado religiosamente, e admite a sua indissociabilidade, de harmonia com o magistério da Igreja. Mas sendo César defensor do que é de César, Salazar recusa-se a impor ao Estado Português a obrigação de admitir efeitos civis a casamentos de urgência, de consciência, ou secretos, e que, além de não serem comunicados às autoridades, não respeitam os requisitos da lei civil”. Após novas negociações, a Santa Sé aceitaria as posições assumidas pelo Governo e, no dia 7 de Maio de 1940, os textos da Concordata e do Acordo Missionário, relativo ao Ultramar, eram assinados pelo Cardeal Maglione, com a assistência dos Monsenhores Tardini e Montini, e por uma missão especial portuguesa, formada por Eduardo Marques, Mário de Figueiredo e o representante português junto da Santa Sé (Nogueira, 1981).

A Assembleia Nacional, depois de debater os textos, ratificou-os por unanimidade e Salazar afirma “a Concordata e o Acordo Missionário vem reintegrar Portugal na

directriz tradicional dos seus destinos, e nos altos domínios da espiritualidade o povo português é o mesmo de há oito séculos” (cit. in Nogueira, 1981) e defende, também, que os documentos assinados favoreciam a “nacionalização da obra missionária, que se integra definitivamente na acção colonizadora portuguesa” (cit. in Braga da Cruz, 1990).