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PARTE III PENSADORAS COM TEORIAS NO ÂMBITO DA AÇÃO E DOS VALORES

3.3. Victoria Camps: A Justiça Social

3.3.2. A imparcialidade e a igualdade entre cidadãos e cidadãs

John Rawls, filósofo americano contemporâneo (1921-2004), propõe um novo conceito de justiça, baseado numa interpretação diferente do conceito de contrato social. A sua teoria da justiça visa proporcionar os critérios de uma sociedade justa, assentes nos princípios da “igualliberdade” e da “igualdade de oportunidades”, complementados com o princípio da diferença, essencial na promoção da igualdade entre todos/as.

Face à questão de saber o que é uma sociedade justa, John Rawls propõe uma conciliação entre dois valores éticos fundamentais: a liberdade individual e a igualdade social, sendo, para isso, necessário que o Estado providencie o seguinte:

1- Garanta a todos os indivíduos as suas liberdades básicas – liberdade política (votar e ocupar cargos públicos), a liberdade de expressão e reunião, a liberdade de consciência e de pensamento, as liberdades da pessoa (integridade física e psicológica), o direito à propriedade privada (ex: ao próprio corpo) e à proteção – a que vulgarmente se chama os direitos humanos e as liberdades civis, de acordo

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com o princípio da liberdade igual, enunciado por Rawls do seguinte modo: “Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema de liberdades básicas que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para todos” (Rawls, 2001: 239).

2- Promova a igualdade de oportunidades – ainda que as condições económicas de alguns lhes sejam desfavoráveis – através de políticas sociais que assegurem a todos a possibilidade de alcançar os seus objetivos no interior da sociedade; Rawls enuncia este princípio referindo que “As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas por forma que, simultaneamente: a) redundem nos maiores benefícios possíveis para os menos beneficiados (…); b) sejam a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades” (Idem: 239).

3- Regule e corrija as desigualdades, redistribuindo a riqueza de forma desigual de modo a permitir que os menos favorecidos fiquem o melhor possível, concretizando, assim, o princípio da diferença. De acordo com este princípio, será justo que um indivíduo pague mais impostos ao Estado e que outro pague menos, se os rendimentos do primeiro forem mais elevados do que os do segundo; a aplicação do princípio da diferença aos dois cidadãos visa restabelecer a igualdade entre ambos.

Na perspetiva de Rawls, estes três princípios de justiça a serem providenciados pelo Estado, “seriam aceites por pessoas livres e racionais, colocadas numa situação inicial de igualdade e interessadas em prosseguir os seus próprios objetivos, para definir os termos fundamentais da sua associação” (Rawls, 1993: 33), estando, deste modo, a conciliar liberdade e justiça distributiva ou social.

De modo a explicar como o modelo social e económico de uma sociedade justa, que ele próprio preconiza – no qual concilia a liberdade individual com a igualdade social a fim de alcançar uma sociedade justa – Rawls recorre a uma experiência mental que denomina de “posição original”42, na qual indivíduos racionais e livres definiriam as regras e normas

42 “Esta posição posição original não é, evidentemente, concebida como uma situação histórica concreta,

muito menos como um estado cultural primitivo. Deve ser vista como uma situação puramente hipotética, caraterizada de forma a conduzir a uma certa conceção de justiça. Entre essas caraterísticas essenciais está

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de funcionamento de uma sociedade o mais justa possível; o aspeto interessante desta experiência é que cada um dos homens e das mulheres que integram essa sociedade estariam cobertos por um “véu de ignorância”, ou seja, todos e todas desconheceriam completamente qual a posição social que iriam ocupar enquanto cidadãos e cidadãs pertencentes à mesma sociedade que hipoteticamente estavam a construir, bem como ignorariam as funções que aí iriam desempenhar, tal como não saberiam nada mais a seu próprio respeito. Desse modo se garantiria a imparcialidade das opções e escolhas de cada um e de cada uma, exigindo desse modo que a sociedade promova os valores básicos que permitam a todos/as ter a mesma liberdade e, ao mesmo tempo, garanta o mínimo de desigualdades sociais e económicas entre todos os elementos que a constituem. A teoria de Rawls, apesar de defender a liberdade individual tanto no plano político como no económico, procura corrigir as desigualdades na distribuição da riqueza material e do mérito social.

Também neste ponto da abordagem do tema, à semelhança do anteriormente relatado, em relação à perspetiva ética kantiana, torna-se difícil a alguns alunos e a algumas alunas aceitarem esta posição enunciada na teoria de Rawls, pois consideram que, desse modo, continuaremos sem resposta para a questão de saber se é possível haver uma sociedade justa, já que a solução preconizada por Rawls situa-se ao nível da imaginação estando, além disso, os cidadãos e cidadãs cobertos por um “véu de ignorância”. A maioria questiona, ainda, a justiça subjacente ao seu princípio da diferença, apresentando situações concretas, como a relatada no caso seguinte:

Um indivíduo “A” trabalha mais horas do que as que deve trabalhar, a fim de ganhar mais dinheiro para poder viver com mais conforto; um indivíduo “B” que tem a oportunidade de trabalhar o mesmo número de horas e ganhar também mais, opta por

o facto de que ninguém conhece a sua posição na sociedade, a sua situação de classe ou estatuto social, bem como a parte que lhe cabe na distribuição dos atributos e talentos naturais, como a sua inteligência, a sua força e mais qualidades semelhantes. Parto inclusivamente do princípio de que as partes desconhecem as suas conceções do bem ou as suas tendências psicológicas particulares. Os princípios da justiça são escolhidos a coberto de um véu de ignorância. Assim se garante que ninguém é beneficiado ou prejudicado na escolha daqueles princípios pelos resultados do acaso natural ou pela contingência das circunstâncias sociais. Uma vez que todos os participantes estão em situação semelhante e que ninguém está em posição de designar princípios que beneficiem a sua situação particular, os princípios da justiça são o resultado de um acordo ou negociação equitativa”

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trabalhar apenas as suficientes para usufruir de um salário que lhe garanta a satisfação das necessidades básicas; ora, será justo que quem trabalha mais, pague mais impostos ao Estado do que quem faz apenas o mínimo? O critério de justiça distributiva consiste na reposição da igualdade, quando ela não existe, sem analisar outros fatores?

A fim de complementar a teoria da justiça de John Rawls, iremos recorrer ao pensamento de Victoria Camps, filósofa contemporânea (1941), de nacionalidade espanhola, que passamos a apresentar de seguida.

3.3.3 A solidariedade individual como complemento da justiça social na perspetiva

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