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A imparcialidade no Brasil e a exasperação do problema: as consequências da escassez

Em reiteradas oportunidades, este trabalho afirmou que o Brasil é um espaço de graves contradições que estão, mais especificamente para a temática deste estudo, relacionadas à aplicação e compreensão das ciências criminais. Essa característica tem sido responsável por incongruências significativas entre a constituição e a legislação ordinária, algo que acontece, consoante estabeleceu o primeiro capítulo, tanto pela forma como ocorreu em solo brasileiro a consolidação do positivismo racionalista, quanto pela falta de identidade ou, como também já se mencionou, pela carência de um princípio unificar ao que se difunde (e que, a título exemplificativo, pode ser analisado pela coexistência entre o sistema constitucional acusatório e a lógica inquisitorial do código de processo penal).

Entretanto, importante que se reitere: não se trata da defesa de uma postura autoritária, mas de uma escolha que já foi democraticamente efetuada pelo legislador constitucional ordinário e, como tal, interdita condutas incompatíveis aos valores e ao sistema de proteção a direitos humanos. A respeito, já se aduziu, nesta pesquisa, que Aroca sustenta a inadequação das categorias relacionadas aos processos acusatório e inquisitório, por inexistir processo penal diferente do acusatorial. Assim, para o autor, “el llamado proceso acusatorio no es mas que un verdadero proceso, con sus princípios esenciales, mientras que el llamado proceso

inquisitivo no existe como proceso”632. Recorde-se, também que, ao seu turno, Gloeckner

discorda de Aroca no sentido de que a distinção entre os sistemas é possível e necessária, não para legitimar as práticas do processo arbitrário, mas para estabelecer a antítese que, ao demarcar “um marco claro de tensionamento das categorias”, esteja apta a enfraquecer as práticas autoritárias633.

De qualquer forma e, conforme as diferenças conceituais, os autores são consonantes no que tange ao espírito do processo penal democrático como matriz do pensamento científico-normativo atual (e que deveria prevalecer em sede da prática jurídica respectiva). O Brasil, nesse contexto, elege e ratifica a democracia em múltiplos espaços do texto constitucional, a exemplo do que determina já no artigo 1º da carta fundamental. Não obstante, a aclamação desse valor constitucional pelo legislador originário não tem sido suficiente para aplacar o alvedrio inquisitorial no emprego de leis com ele incompatíveis (anteriores e não recepcionadas), bem como na publicação de novos e repressivos diplomas regulamentares, igualmente antagônicos à norma básica. Paralelamente, a transposição dos valores constitucionais efetuada com a abertura política não atingiu totalmente o cotidiano da aplicação do direito, o que pode ser facilmente verificado nas divergências substanciais verificadas na atuação de juízes e tribunais.

Frise-se: não se trata de obstar dissentimentos que caracterizam o relativismo que decorre da interpretação, intrínseca ao direito e que pode estar relacionada às discussões sobre verdade, já aqui realizadas ou, no âmbito da pesquisa científica, aos questionamentos acerca

da inviabilidade da polaridade entre verdadeiro e falso, já denunciada por Popper634. Significa

mais e importa que, a par das divergências, são também imprescindíveis os limites, a exemplo dos apontados por Dworkin, quando discute o assunto com base no que chama de “aguilhão semântico”, ou melhor, da perfídia das grandes altercações que, só existem porque os juristas

632 MONTERO AROCA, Juan. El principio acusatorio entendido como eslogan político. Op. cit.., p. 66-87,

2015, p. 86. No mesmo sentido, também estabelece o autor em outra obra: “Hemos ido viendo que el proceso penal no necesita para ser configurado, con base en la mera razón, hacer referencia a un pretendido principio acusatorio, por cuanto basta con entender lo que es proceso y lo que supone la actuación del derecho penal por medio del mismo. Desde el sentido común puede cualquier jurista percatarse de que las notas individualizadoras de ese pretendido principio o son propias del proceso sin más (la distinción entre juez y parte) o responden a la división del proceso en dos fases cada una con su propia finalidad (el juez que instruye no puede luego juzgar) o no deben informar el proceso penal (la pretensión penal y la vinculación la misma del juez penal) a riesgo de ignorar que no puede ser lo mismo actuar el derecho material privado que el derecho penal”. In: MONTERO AROCA, Juan. Princípios del Proceso Penal: um intento de explicación doctrinal basada en la razón. Valência: Tirant lo Blanch, 1998, p. 359-360.

633 GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Processo Penal Pós-acusatório? Ressignificações do autoritarismo no processo penal. Ob.cit., p. 383.

634 POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. Trad. de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota.

analisam os fenômenos com base em diferentes concepções acerca da essência do direito635. E

o problema é justamente definir a natureza fundamental que deve orientar todo o processo hermenêutico de adaptação dos fatos às normas jurídicas. Assim, ainda que esse processo seja mutável e adaptável aos seres que, dentro do seu contexto, dão-lhe diferentes nuances, é necessário estabelecer e respeitar parâmetros básicos (no caso, constitucionais), mesmo que suscetíveis a alterações de sentido no decorrer do tempo.

Dessa forma, a tarefa das próximas páginas é analisar a observância do dever de imparcialidade no que se refere à legitimidade da jurisdição brasileira. Para tanto, reitera-se que, no Brasil, a imparcialidade constitui garantia constitucional implícita, integrando o bloco de constitucionalidade, formado pela interpretação conjunta do regime democrático, dos princípios elencados pela constituição, bem como pelo que foi subscrito pelo país em convenções internacionais. Isso significa que o fundamento do dever de equilíbrio e isenção jurisdicional decorre (ou deveria resultar) de uma interpretação sistemática daquilo que, em termos normativos, deve orientar a aplicação de todos os postulados jurídicos.

É por isso que, objetivando resguardar a independência e imparcialidade, a constituição do país estabelece expressamente uma série de garantias e vedações ao exercício da atividade judicante. Em consequência, o artigo 95 da carta, a título de prerrogativas, confere aos juízes vitaliciedade, dependendo a perda do cargo à sentença judicial transitada

em julgado636, inamovibilidade, salvo interesse público, além de irredutibilidade nominal de

subsídios637. Em termos de proibições, impede o constituinte cumulação de funções com

qualquer outro cargo (exceto e limitadamente a atividades de magistério), veda o recebimento de custas ou participações nos processos, bem como o desempenho de ações político- partidárias e, ainda, o exercício da advocacia no período de três anos do afastamento do judiciário (quarentena de saída).

635 DWORKIN, Ronald. O império do direito. Trad. de Jefferson Camargo, São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.

109 e 488. No que tange à essência, remete-se o leitor para a relação entre o ser e os conceitos, elaborada pelo já citado Martin Heidegger, para quem “uma análise da presença contistitui, portanto, o primeiro desafio no questionamento da questão do ser. Assim, torna-se presente o problema de como se deve alcançar e garantir a via de acesso à presença. Negativamente: na construção da presença, não se deve aplicar, de maneira dogmática, uma ideia qualquer de ser e realidade por mais “evidente” que seja. Nem se deve impor à presença “categorias” delineadas por aquela ideia. Ao contrario, as modalidades de acesso e interpretação devem ser escolhidas de modo que esse ente possa mostrar-se em si mesmo e por si mesmo. Elas têm de mostrar a presença na sua cotidianidade mediana, tal como ela é antes de tudo, e na maioria da vezes. Da cotidianidade, não se deve estrair estruturas ocasionais ou acidentais, mas, sim, estruturas essenciais”. In. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Op. cit., p. 44.

636 O afastamento administrativo fica reservado apenas ao período de estágio probatório.

637 Sobre esse ponto, importante esclarecer que a irredutibilidade de subsídios não abrange necessariamente a

recomposição monetária e ou inflacionária decorrentes da desvalorização da moeda. Entretanto, não pode ocorrer diminuição nominal de valores.

Ao lado dos preceitos da constituição, a legislação ordinária estabelece, nos artigos 112, 252, 253 e 254, do código de processo penal, hipóteses de impedimento, incompatibilidade e suspeição que atingem apenas de forma sectária as possibilidades de lesão aos princípios correlatos à imparcialidade (devido processo legal, contraditório e isonomia, etc.) elencados no início deste capítulo. Sobre o tema, Badaró sustenta ainda que ao lado da diferenciação operada legislativamente “a distinção é meramente terminológica, sendo

destituída de relevâncias práticas”638, até porque todos os elementos estão relacionados ao

mesmo postulado constitucional: a imparcialidade. Então, além de a lei brasileira ocupar-se de

divisões inócuas e, com base no pensamento de Pozzebon639 (já genericamente referido, mas

que será mais bem detalhado à frente) não disciplina suficientemente o conteúdo jurídico respectivo.

Entretanto, para que seja possível apreciar esse ponto em particular, é necessário compreender toda a dinâmica que abarca o assunto. Assim e independente da manifestação do julgador, de ofício, é permitido às partes recusa do juiz por meio da ‘exceção de suspeição’ prevista no artigo 96 do CPP. Tal dispositivo, contudo, é suposta norma em branco ao que é complementada por algumas situações que, tendo como referencial o juiz e os envolvidos, representam a incongruência entre o ato de decidir e as relações comerciais, de aconselhamento, amizade ou inimizade, proveito na formação de precedentes e, ainda, interesse em julgamento a ser efetuado por qualquer das partes e relativo a demandas movidas/respondidas pelo próprio juiz ou parentes próximos. Especificamente no que tange à disposição pela formação de jurisprudência, o legislador refere-se à ‘vantagem’ de cônjuge, ascendente ou descendente. Já quanto a possíveis dividendos decorrentes de decisão alusiva à fato análogo, há ampliação de destinatários, a lei faz menção ao cônjuge, mas também a qualquer outro familiar, até o terceiro grau, em termos de consanguinidade ou afinidade.

Circunstâncias correlatas à suspeição são as de impedimento, previstas nos artigos 252 e 253 do CPP. Em síntese, nelas o codificador tenciona facilitar a originalidade cognitiva e impedir o pré-julgamento, já que veda a atuação jurisdicional de magistrado que tenha intervido no feito em diferente instância ou mesmo participado como defensor, advogado, membro do ministério público, autoridade policial, perito, auxiliar da justiça ou testemunha. A proibição também atinge o juiz que, a despeito de atividade particularmente primeva, constate que algum parente (até o terceiro grau) por relações afetivas ou sanguíneas, tenha

638 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 274. 639 POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A imparcialidade do juiz criminal enquanto ausência de causas de

desempenhando qualquer das funções acima enumeradas. Na mesma linha, mas em sede dos julgamentos colegiados, é também obstruída a intervenção conjunta de dois ou mais magistrados que detenham ligações familiares, mais uma vez, até o terceiro grau. Ademais, outro aspecto curioso a ressaltar é que, assim como nas hipóteses de suspeição, também no impedimento existe interdição ao juiz quando “diretamente interessado no feito” o que similarmente se estende a familiares.

Contudo, diferente do que está adstrito à suspeição, o reconhecimento jurisdicional do impedimento está apenas genérica e legislativamente franqueado à provocação dos envolvidos (artigo 112 do código de processo penal) ou sujeito à manifestação unilateral do juiz. Essa conclusão advém do fato de que dentre as hipóteses de ‘exceções’ processuais, instrumentos legais para que sejam suscitados incidentes, não há propriamente uma ‘exceção de impedimento’ (artigo 95, CPP). Não obstante, como tais obstáculos são originados de

ausência de imparcialidade e, portanto, representam também infração ao juiz natural640, nada

impede que sejam arrazoadas pelos sujeitos processuais indistintamente, bem como a qualquer tempo e independente da observância de regras formais, situação esta que igualmente se aplica à suspeição, por idêntico fundamento.

Tocante às incompatibilidades, o legislador processual penal não apresentou enumeração casuística e, nesse sentido, é possível concluir que sob essa terminologia estão reunidas todas as situações adstritas ao ‘foro íntimo’. Ou seja, tratar-se-iam do gênero de acontecimentos (compreendendo suspeição ou impedimento) que, reconhecidos diretamente

(de ofício) pelo julgador, representassem sua retirada do conflito641.

Outrossim, a essas observações relacionadas às causas oficiais de parcialidade e albergadas pela constrição judicial específica, agregam-se outras referentes à taxatividade do rol de situações que permitem o afastamento do juiz pelas partes. A respeito, entabula Pozzebon que “a questão da imparcialidade somente tem vindo à tona nos processos criminais, quando suscitadas as hipóteses de exceção de impedimento ou de suspeição,

respectivamente, previstas nos artigos 252 e 254 do Código de Processo Penal”642. Sobre a

interpretação reducionista que se tem dado ao tema, acrescenta o autor: “as hipóteses previstas

640 Recorde-se que juiz natural é fundamento para a vedação de juízos ou tribunais de exceção, bem como para a

definição de regras de competência gerais, prévias e constantes. Ou seja, o juiz natural impede a formação de órgãos julgadores específicos e subsequentes a determinados fatos criminais: isso acontece justamente para preservar o dever de imparcialidade e proibir a ‘escolha’ do juiz segundo interesses específicos.

641 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. Op. cit., p. 281.

642 POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A imparcialidade do juiz criminal enquanto ausência de causas de

impedimento ou de suspeição. Op. cit., p. 116. Sustenta ainda o autor que o conceito é negativo, uma vez que “se possa falar ser imparcial o juiz não suspeito ou impedido”.

nos aludidos dispositivos, para parte da doutrina e jurisprudência, são exaustivas”643, ou seja,

ante o descompasso estrito e literal aos itens elencados, inexiste obstrução à atividade

judicante. Atinente a isso, Badaró sustenta que “o rol legal não pode prevalecer sobre a

finalidade que tal regra pretende assegurar [...]. É inaceitável que se admita o julgamento por um juiz parcial, sabidamente parcial, apenas e tão somente porque a situação da qual se infere

o risco de parcialidade não esteja previsto em lei”644.

Pozzebon compartilha desse entendimento645 e, ao referir Lopes Jr., menciona que a

interpretação da questão, quanto à taxatividade legal, é contrária ao conteúdo material da imparcialidade. Para este último, o problema é que a limitação da matéria impede a verificação da compatibilidade entre a postura jurídica do julgador e a observância de ditames constitucionais garantidores. Isso significa que é possível “a assunção, por parte de alguns julgadores, de uma postura ideologicamente comprometida com o combate ao crime, conduzindo a um (ab)uso de poderes investigatórios e/ou instrutórios que o CPP infelizmente consagra”646.

Ainda e em decorrência da pretensa exaustividade, há que se ressaltar, em transposição às concepções criminais excessivamente repressivas aludidas por Lopes Jr., outros eventos podem indicar parcialidade, a exemplo dos que detêm um viés ideológico. A respeito, Fenoll é categórico ao afirmar que “cuando un juez juzga, sus únicas ataduras ideologicas deben ser

los mandatos de la Constitución”647. Em consequência, segue o autor espanhol aferindo que

“cualquier ciudadano puede desconfiar, legitimamente, de los juicios de un determinado juez cuando tiene la percepción de que el mismo posee uma orientación ideológica de combate ao

crime especialmente marcada”648. Em outras palavras, é também possível identificar

parentelismos em termos de questões espirituais, políticas ou mesmo de comportamento social.

643 POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A imparcialidade do juiz criminal enquanto ausência de causas de impedimento ou de suspeição. Ibidem, p. 117.

644 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. Op. cit., p. 274. Prossegue o autor de forma exemplificativa:

“embora a lei preveja o impedimento do juiz cujo cônjuge seja parte no feito (artigo 254, IV, CPP), não seria impedido de julgar o juiz que tivesse uma relação homoafetiva com o acusado?”. Não obstante, reconhece-se a possibilidade de, atualmente, casais homoafetivos realizarem união civil matrimonial. Entretanto, isso não retira a importância do questionamente quanto ao fato de que a lei não prevê todas as situações, simplesmente porque elas são socialmente contingentes.

645 POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A imparcialidade do juiz criminal enquanto ausência de causas de impedimento ou de suspeição. Op. cit., p. 117.

646 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, Op. cit., p. 324.

647 FENOLL, Jordi Nieva. Ideología e imparcialidad judicial. Justicia: revista de derecho procesal, Barcelona,

n. 1-2, p. 23-26, 2011, p. 23.

648 FENOLL, Jordi Nieva. Ideología e imparcialidad judicial. Justicia: revista de derecho procesal, Ibidem, p.

Não obstante, Fenoll também sustenta que ideologia é um termo extremamente genérico, de maneira que o magistrado não pode ser excluído simplesmente em razão de suas convicções e predileções íntimas, até porque isso equivaleria a obstar de maneira

profundamente arbitrária as liberdades de pensamento e expressão649. De outro lado, também

lembra o autor que é relevante e deve ser considerada pelo direito, a sensação de injustiça que naturalmente surge da veemente atuação judicial por determinado assunto, sempre que fatos

vinculados ao tema serão julgados650. Ademais e assim como no Brasil, Fenoll refere que, em

seu país de origem [Espanha] “por desgracia, es completamente imposible excluir, a priori, a un ‘fanático’ de la función de juzgar en un caso concreto que tenga que ver directamente con su ideologia”651.

Acrescenta ainda Fenoll que no direito comparado em geral, a situação melhora já que, apesar de normalmente inexistirem dispositivos que contemplem as crenças e ideologias propriamente ditas, as legislações preveem cláusulas abertas, permissivas de interpretação extensiva causal. Em decorrência, nesses países pode ocorrer o afastamento do magistrado por quaisquer dúvidas, desde que fundadas, sobre a imparcialidade, a exemplo do que é previsto na Alemanha, Itália, Suécia e Estados Unidos, em que existem determinações como as seguintes: a) ZPO alemã, § 42 e § 24 da StPO: o juiz pode ser afastado do julgamento “se existe um motivo que justifique devidamente as dúvidas sobre a imparcialidade”; b) CPC italiano, artigo 51 e 36.h do CPP: afasta-se o julgador sempre que presentes “graves razões de convencimento”; b) CC sueco (Rattegangsbalken), capítulo 4, sección 13, 10: “exclui-se o juiz de um processo, se há qualquer outra circunstância que diminui a confiança em sua imparcialidade”; d) § 455 do U.S Code Judiciary and Judicial Procedure: afasta-se o magistrado quando, em qualquer processo “sua imparcialidade puder ser razoavelmente questionada”652.

649 Ressalta-se, contudo, que no âmbito dos diplomas internacionais, encontram-se consignadas limitações

legítimas à liberdade de expressão, relativas aos direitos à reputação, segurança nacional, ordem, moral públicas e saúde, admitidas sempre que impostas por lei e sejam necessárias, tudo segundo o que preconiza o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 19.3). Isto acontece porque os mesmos textos que preveem os direitos comunicativos estabelecem outros, de igual relevância, fundados nos direitos à presunção de inocência e ao ‘fair trial’, corolário do devido processo legal. No que se refere à liberdade de pensamento, o assunto é muito mais polêmico, mas são vedados, por exemplo, os ‘hate speech’ (discursos de ódio).

650 FENOLL, Jordi Nieva. Ideología e imparcialidad judicial. Justicia: revista de derecho procesal, Op. cit., p.

24.

651 FENOLL, Jordi Nieva. Ideología e imparcialidad judicial. Justicia: revista de derecho procesal, Ibidem, p.

24.

652 FENOLL, Jordi Nieva. Ideología e imparcialidad judicial. Justicia: revista de derecho procesal, Ibidem, p.

24-25. Quanto às referências ao direito comparado, ver também, do mesmo autor: El sesgo ideológico como causa de recusación. Revista Ius et Praxis. Talca, ano 18, n. 2, p. 295- 308, 2012 e o artigo 339 do código penal alemão, que prevê como criminosa a conduta parcial de juiz ou servidor.

Por conseguinte, afirma o autor que o ideal seria, nos Estados em que as regras ao impedimento ou suspeição são fechadas, incluir-se à legislação um dispositivo geral, com redação ampliada e que contemple manifestações judiciais prévias, ainda que abstratas, a respeito de crenças e particularidades psicológicas. Assim sendo, seria possível afastar o juiz se ele “haber sentado critério publicamente sobre aspectos directamente relacionados con el objeto del proceso, en términos tales que se evidencie un sesgo ideológico por parte del juzgador”653.

É importante consignar, neste aspecto, que não obstante o parágrafo IV do artigo 252, do CPP brasileiro asseverar o impedimento do juiz ou de familiar quando “diretamente interessados no feito”, não há, na jurisprudência pátria nenhuma interpretação que ligue tal dispositivo à questão ideológica. O que se verifica, paradoxalmente, conforme referido por Pozzebon, é uma linha interpretativa limitada e reducionista quanto às disposições legais já presentes nos artigos 252 e 254 do CPP, o que demonstra como o tema é tormentoso,

necessitando não apenas de uma revisão legislativa, mas também de cultura jurídica654.

A fim de demonstrar o quadro, citam-se precedentes do Supremo Tribunal Federal que, em detrimento de análises mais vanguardistas sobre o assunto, já avançou e também retrocedeu a posicionamentos obsoletos. Assim, em uma análise dos julgamentos efetuados nas duas últimas décadas, são reiteradas as decisões restritivas à aplicação do inciso III do artigo 252, que trata do pré-julgamento em razão de o julgador ter conhecimento prévio da controvérsia. Nesses casos, a suprema corte brasileira tem entendido que o óbice resume-se à atuação reiterada do magistrado em uma mesma ação penal, mas em instâncias diferentes. As

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