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1. CAPÍTULO I ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1.2 Desenvolvimento da Competência de Autocuidado à Ostomia

1.2.1 A Importância da Enfermagem

Cada pessoa desenvolve as atividades de vida num continuum que pode oscilar entre a dependência total e a independência total, sendo através do diagnóstico deste grau de dependência, que a enfermagem irá, de forma individualizada, desenvolver a sua decisão clínica, planificando, executando e avaliando os cuidados de enfermagem (Abreu, 2007).

Ajudar a pessoa ostomizada a desenvolver a competência de autocuidado à ostomia é uma experiência desafiadora para o enfermeiro (Brown e Randle, 2005; Pontieri-Lewis, 2006). A elevada rotatividade de internamentos, o que se traduz num menor tempo de permanência da pessoa em contexto hospitalar, bem como a vasta gama de profissionais de saúde que contactam com a pessoa ostomizada, complexificam este desafio, pela falta de continuidade na assistência a estas pessoas (Persson et al., 2005; Rust, 2007).

Tseng e colaboradores (2004) defendem que é através da conceção de planos de cuidados de enfermagem individualizados, fundados em dados provindos de instrumentos de avaliação, que se pode potenciar essa continuidade de cuidados. Assim, a assistência à pessoa ostomizada deve basear-se em instrumentos de avaliação que confiram rigor ao processo de enfermagem, com enfoque no processo diagnóstico, dada a influência deste na qualidade do processo de intervenção e, portanto, na qualidade da assistência de enfermagem prestada.

O tempo necessário ao desenvolvimento da independência no autocuidado à ostomia varia de pessoa para pessoa (Burch, 2005; Silva e Shimizu, 2006). A aprendizagem dos cuidados à ostomia pode ser lenta, já que são necessários tempo e prática para que se desenvolvam habilidades no sentido da mestria (Toth, 2006). Readding (2005) explica que o enfermeiro pode ajudar a pessoa ostomizada a desenvolver a competência de autocuidado recorrendo a programas de treino individualizado, que podem incluir o ensino encenado e protocolos de avaliação das necessidades de aprendizagem. Tseng e colaboradores (2004) referem ser necessária a conceção contínua de programas de educação sobre os cuidados à ostomia, todavia, são colocadas questões que se prendem com o momento de ensino e o conteúdo deste: O que ensinar? Quando ensinar? A linha de pensamento de Law, Akroyd e Burke (2010) vai de encontro ao mencionado, ao apelar para o reconhecimento da reavaliação constante da formação educacional da pessoa ostomizada como veículo para o desenvolvimento eficaz de conhecimentos e habilidades à ostomia por parte desta.

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Neste contexto, Borwell (2009) defende que se deve instituir a avaliação no processo de desenvolvimento da competência de autocuidado da pessoa à ostomia, por permitir identificar necessidades educativas e facilitar novas estratégias de intervenção.

O processo de enfermagem deve ser registado de forma rigorosa, porém, a literatura sugere que a documentação produzida pelos enfermeiros é frequentemente inconsistente e carece de uma abordagem padronizada, levando à perda de muita informação de interesse (Irving et al., 2006). Assim, desperdiçam-se informações relevantes para o planeamento dos cuidados futuros à pessoa ostomizada (Law, Akroyd e Burke, 2010). As mesmas autoras explicam que os registos de enfermagem devem conter a data e a hora da observação e/ou interação com a pessoa ostomizada, refletindo o progresso da pessoa e/ou problemas na sua condição.

Esta documentação deverá ser compreensível a todos os que a consultem e deve espelhar os domínios da competência de autocuidado que a pessoa possui face à ostomia e aqueles que necessita desenvolver. O registo pertinente e objetivo da informação permite a continuidade de cuidados, fornecendo dados fundamentais aos enfermeiros para a identificação de diagnósticos de enfermagem individualizados. Law, Akroyd e Burke (2010) afirmam que o registo da informação é importantíssimo pois orienta a prática dos enfermeiros. Silva (2006, p. 19) vai mais além, referindo que “a visibilidade do exercício

profissional dos enfermeiros (…) só é viável através da produção de indicadores que são produzidos a partir da informação documentada pelos enfermeiros ao nível da prestação de cuidados”.

O enfermeiro deve ser um mediador no processo de desenvolvimento de conhecimento, habilidades e atitudes da pessoa ostomizada, devendo essa informação ser documentada. Cabe-lhe facilitar o processo de aprendizagem, sendo o conhecimento gerado produto da reflexão entre o enfermeiro e o ostomizado sobre as experiências vividas, o que permite que a pessoa assimile conhecimentos, os reformule e compreenda a pertinência da sua utilização (Martins, 2005).

Para cuidar, o enfermeiro tem de ser capaz de trabalhar no presente, não menosprezando o passado e o futuro, mas antes, atribuindo sentido aos dados transatos e delineando perspetivas futuras. A abordagem segmentar não permite conhecer a totalidade da pessoa ostomizada, pois redu-la a um momento da sua vida - a ostomia (Martins, 2005).

É certo que a pessoa ostomizada necessita de reiniciar a sua vida. Para fazê-lo são precisas atividades para as quais a intervenção do enfermeiro não é diretamente sensível, como sejam as atividades relativas ao lazer ou aquelas permeadas pelos relacionamentos interpessoais. No entanto, se o enfermeiro contribuir para a autonomia da pessoa face ao

33 autocuidado à ostomia, a satisfação dessas atividades encontrar-se-á facilitada (Worster e Holmes, 2008). É assumido que os resultados em saúde não são exclusivos de um grupo profissional ou disciplina do conhecimento, o que não invalida, tal como refere Pereira (2007), que existam resultados que sejam mais influenciados pelas intervenções de enfermagem. O mesmo autor defende que a maioria dos resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem representa a resolução de um diagnóstico de enfermagem.

Regressemos ao caso particular da pessoa ostomizada. O desenvolvimento da competência de autocuidado da pessoa à ostomia é descrito por Fulham (2008) como um fator relevante no processo de adaptação. Ora, caso a pessoa não seja independente na gestão dos cuidados à ostomia, esta não possuirá preparação que lhe suporte a integração da nova identidade, dada a perda de autonomia e controlo, mas também a transferência de poder para outrem (Metcalf, 1999; Fulham, 2008; Worster e Holmes, 2008; Vujnovich, 2008; Black, 2010). Um estudo de Simmons e colaboradores (2007) concluiu que as pessoas que melhor se adaptam à nova condição de ostomizado são aquelas que expressam menor receio de constrangimento público, menor nível de limitação funcional e maior controlo sobre a ostomia.

Embora as questões abordadas acima sejam de extrema importância e evidenciem o papel do enfermeiro como facilitador do processo de adaptação da pessoa ostomizada à nova condição, merece ressalvar a interpretação de alguns autores sobre a definição de autocuidado e a existência de perfis/traços de autocuidado. Backman e Hentinem (1999) destacam-se nesta área, ao defenderem que o autocuidado não é apenas uma forma consciente para e de agir, acreditando tratar-se de uma “rotina subconsciente”. Deste modo, o autocuidado não é, portanto, indissociável da biografia da pessoa, devendo a prática do autocuidado ser encarada como o reflexo do estilo individual da pessoa, onde os fatores culturais, sociais e psicossociais exercem grande influência. O perfil de autocuidado representa, assim, um fator capaz de influenciar a transição vivida pela pessoa ostomizada, sendo aceite a necessidade de se desenvolverem estudos de investigação que explorem os perfis de autocuidado e a sua influência no curso do processo adaptativo da pessoa.

Os aspectos anteriormente debatidos, que fundamentam a prática dos enfermeiros no processo de cuidar da pessoa ostomizada, resumem-se a sete princípios destacados por Martins (2005), sendo eles: o cuidado de enfermagem à pessoa ostomizada (i) é um processo, (ii) pressupõe respeito à singularidade, (iii) desenvolve-se progressivamente em fases, (iv) envolve enfoque biopsicossocial, (v) exige competência do profissional, (vi) exige uma prática educativa e, por fim, (vii) pressupõe complementaridade.

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