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1. Resolução de Problemas

1.5 A importância da resolução de problemas na educação

Começo por recordar uma afirmação de Polya com que estou plenamente de acordo, e que de certa forma tem implícita a importância, também, da resolução de problemas.

Tendo experienciado o prazer na matemática ele não o esquecerá facilmente e, então, existirá uma grande probabilidade de que a matemática se torne algo para ele: um hobby, ou uma ferramenta para a sua profissão, ou a sua profissão, ou uma grande ambição. (Polya, 1957, p. vi)

“Os melhores educadores sempre tentaram encorajar o desenvolvimento das capacidades necessárias para executar tarefas não rotineiras, isto é, ensinar para a vida, não para a escola (OCDE, 2014, p. 28). Neste sentido, tanto este trabalho como o projeto Problem@Web consideram a resolução de problemas como algo que se deve aprender e como um processo através do qual se aprende. A perspetiva adotada é que a resolução de problemas assenta no desenvolvimento de atitudes e capacidades e no apreço pela matemática.

A sociedade atual evolui, em todas as áreas, a um ritmo tão acelerado que torna imperativa uma evolução a nível educacional por forma a capacitar todos os cidadãos a dela fazerem parte. É urgente que também a escola passe a mensagem de que “adaptar, aprender, atrever a tentar coisas novas e estar sempre pronto para aprender com os erros são chaves de resiliência e sucesso num mundo imprevisível (…) [e que] são cada vez mais procuradas capacidades complexas de resolução de problemas em profissões emergentes, marcadamente técnicas, que exigem capacidades elevadas de gestão” (OCDE, 2014, p. 13).

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De acordo com Levy (2010), uma característica atual dos mercados de trabalho é que a tecnologia consegue mudar a natureza do trabalho mais depressa do que as pessoas conseguem mudar as suas competências. O autor afirma ainda que apesar de não sabermos tudo sobre as futuras ocupações, sabemos alguma coisa sobre as competências que serão necessárias para as exercer. E, Levy (2010) argumenta que um lugar de trabalho rico em tecnologia requer capacidades fundamentais tais como, numeracia, literacia e capacidade de leitura, uma avançada capacidade de resolução de problemas (a que chamou expert thinking) e uma avançada capacidade de comunicação (a que chamou

complex communication).

Na perspetiva de Autor, Levy e Murnane (2003, citados em OCDE, 2014), os requisitos necessários no mundo do trabalho podem classificar-se em cinco categorias principais. As duas primeiras, que designam por routine skills, correspondem às tarefas que requerem repetição metódica de um procedimento rígido, isto é, tarefas em que as máquinas e computadores facilmente substituem os seres humanos. Podem ser cognitivas ou manuais. As non-routine skills correspondem às tarefas que requerem um conhecimento tácito e apenas podem ser descritas de forma imperfeita por um conjunto de regras. Nestas podemos distinguir entre competências manuais e competências abstratas. As manuais correspondem a tarefas difíceis de automatizar, mas do ponto de vista humano, são simples de executar e requerem apenas habilidades primárias que a larga maioria dos seres humanos possui (por exemplo, preparar uma refeição). As abstratas baseiam-se no processamento de informação e requerem competências de resolução de problemas, intuição, persuasão e criatividade. De entre as competências abstratas, os autores distinguem as analíticas das interpessoais. As primeiras correspondem a tarefas interpessoais (tais como gerir equipas, persuadir potenciais compradores) que requerem comunicação interpessoal complexa. As analíticas correspondem a tarefas que requerem a transformação de dados e de informação. Neste contexto, Autor, Levy e Murnane (2003) (citados em OCDE, 2014) consideram que a competência de resolver problemas é uma componente essencial das competências necessárias para executar tarefas interpessoais e analíticas não rotineiras. Isto porque, nas tarefas abstratas não rotineiras, “os trabalhadores precisam de pensar como atacar uma situação, monitorizar sistematicamente o efeito das suas ações e ajustar ao feedback” (OCDE, 2014, pp. 27-28). É para executar estas tarefas não rotineiras abstratas que o expert thinking e a complex communication são absolutamente essenciais.

As tarefas cognitivas rotineiras, por serem tarefas mentais fáceis de descrever por regras dedutivas ou indutivas, ou seja, ao poderem ser executadas seguindo um conjunto de regras, podem facilmente ser computorizadas. As tarefas manuais rotineiras, físicas, mas que também podem ser facilmente descritas usando regras dedutivas ou indutivas, isto é,

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descritas em termos de um conjunto de movimentos precisos e repetitivos, também são boas candidatas à computorização. Disto resulta que serão tarefas tendencionalmente atribuídas a máquinas, dispensando a intervenção humana (Levy, 2010).

Já as tarefas manuais não rotineiras não serão tão facilmente entregues a computadores uma vez que são tarefas físicas de difícil descrição com um conjunto de regras do tipo Se-

Então-Executa e requerem, por exemplo, reconhecimento ótico, um controle fino de

músculos, procedimentos que, para já, não é fácil programar para serem executados por computadores. As tarefas que requerem expert thinking, tais como resolver problemas (para os quais não há soluções baseadas em regras), têm de ser executadas por humanos, pelo menos enquanto os computadores não os puderem substituir, uma vez que são já auxiliares quase indispensáveis. Do mesmo modo, as tarefas em que a interação entre humanos é imprescindível e para as quais a complex communication é essencial, dificilmente serão executadas por computadores (Levy, 2010).

A figura 7 ilustra as tendências observadas nas tarefas profissionais rotineiras e não rotineiras, nos EUA, desde a década de 60 do século passado. Podemos verificar que as tarefas que requerem expert thinking e complex communication cresceram muito até 2002, no entanto, atualmente, esse aumento deve ser ainda muito maior. Por seu turno, “as tarefas rotineiras, sobretudo as cognitivas por serem facilmente programáveis, tiveram um declínio abrupto” (Levy, 2010, p. 10).

Figura 7 – Tendências na prevalência de tarefas rotineiras e não rotineiras nas ocupações nos EUA, de 1960 a 2002 (Autor, Levy & Murnane, 2003, p. 1296).

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A visão acerca da necessidade de aquisição de competências ligadas à resolução de problemas por parte da OCDE vem corroborar a necessidade sentida, já em 1989, pelo National Research Council (NRC):

Prevê-se que a força de trabalho do futuro tenha de lidar com as complexidades do local de trabalho através do trabalho em equipa, do raciocínio lógico, e do uso de capacidades de resolução de problemas. Fraco aproveitamento a matemática não deve representar a norma para a maioria dos alunos das escolas americanas. (Croom, 1997, p. 2)

De acordo com o NRC (1989, citado em Schoenfeld, 1992), a matemática “é um tema vivo que procura compreender os padrões que se encontram tanto no mundo à nossa volta como na mente dentro de nós” (p. 4). Por conseguinte, é necessário que o ensino da matemática se foque na procura de soluções, ou seja, na resolução de problemas, na exploração de padrões, na formulação de conjeturas, na vivência da matemática e não numa matemática

morta, em que apenas se memorizam procedimentos, fórmulas e se resolvem exercícios. É

necessário que os estudantes tenham oportunidade de estudar matemática como uma disciplina exploratória, dinâmica, que evolui, em vez de rígida, absoluta, fechada num conjunto de leis a serem memorizadas.

“Numa sociedade em que o conteúdo do conhecimento aplicável muda rapidamente, os teóricos educacionais, investigadores e atores da educação procuram qualquer coisa estável na mente que ajude a uma fácil adaptação ao longo da vida” (Adey, Csepó, Demetriou, Hautamaki & Shayer, 2007, p. 75): “É perfeitamente claro que apenas transmitir o conhecimento central das disciplinas científicas - por muito atualizado que seja – nos conteúdos escolares tradicionais não resolve o problema” (Adey et al., 2007, p. 75). Em novas ideias, como por exemplo learning to learn (Hautamaki et al., 2002, citados em Adey et al., 2007), na procura de novos caminhos, na definição de objetivos para a educação, o objetivo de melhorar as capacidades gerais é frequentemente abordado. No entanto, por falta de uma estrutura teórica adequada e falta de conhecimento científico que o sustente esse objetivo não foi ainda completamente atingido (Adey et al., 2007).

Um dos entraves é o facto de, por variadas razões, o conceito de capacidade geral ou inteligência ser evitado aquando da discussão destas questões relacionadas com a educação. O termo inteligência pode assumir significados diversos consoante a área de especialização em que está a ser utilizado e, particularmente na educação, parece ter caído em descrédito. Substituí-lo por capacidade geral, capacidade mental geral ou capacidade cognitiva geral, é comum na literatura e aparentemente aceitável para muitos educadores. De todas as possíveis características da inteligência, Adey et al. (2007) apontam três que consideram importantes: 1) a sua componente geral que opera transversalmente em todos

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os contextos e domínios; 2) a sua plasticidade, ou responsabilidade no aumento, ou aceleração, em resposta a influências ambientais apropriadas; e 3) que esta plasticidade vai tão longe como o próprio cérebro (Adey et al., 2007, p. 92). Adey et al. (2007) argumentam ainda que:

(...) enquanto os educadores virem a inteligência como algo fixo, que pré- determina a capacidade dos alunos de processar todo o tipo de informação e, portanto, como uma força oculta que incapacita (mina) os seus esforços, é natural que a considerem e a tratem com grande desconfiança. Mas, logo que aceitem o facto de que o funcionamento do processador geral intelectual na mente pode ser melhorado pela educação, então a construção da inteligência torna-se mais aceitável que no passado. (Adey et al., 2007, p. 92)

Na perspetiva destes autores, confirmadas as características referidas, hoje os educadores têm nas suas mãos o controle da capacidade de aprender dos seus alunos, o poder de aumentar a sua capacidade cognitiva geral e, portanto, aumentar a sua performance académica, como consequência (Adey et al., 2007).

Todos os professores sabem que capacidades baseadas em regras são relativamente simples de ensinar e testar. O problema é que estas capacidades, que podem ser codificadas, também são executadas por computadores. Pela sua natureza, complex communications e expert thinking não podem ser reduzidas a regras e, portanto, são relativamente difíceis de ensinar e avaliar. No que diz respeito ao expert thinking comecemos pelo facto de todos concordarem que as crianças precisam de ‘capacidades de resolução de problemas’. Na prática, no entanto, essas capacidades têm sido interpretadas como soluções baseadas em regras tais como as regras da álgebra. As regras da álgebra são muito importantes, mas são apenas o segundo passo do processo de resolução de problemas. O primeiro passo - o passo que os computadores não são capazes de executar - envolve analisar o conjunto confuso de factos de um problema do mundo real para determinar o conjunto de regras algébricas a aplicar, ou seja, o expert thinking. (Levy, 2010, p. 8) Por outras palavras, as ferramentas de diagnóstico podem resolver problemas ‘conhecidos’, mas resolver problemas novos’ continua a ser algo para os humanos fazerem. (Levy, 2010, p. 7)

De acordo com esta forma de sentir o mundo e a educação matemática percebe-se o, ainda atual, enfoque na resolução de problemas. A importância da resolução de problemas na educação matemática é, desde há muito, reconhecida. No entanto, essa importância nem sempre é tida em conta no terreno, nas escolas, nas políticas de educação, na atuação dos

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professores, na sociedade em geral. A investigação sobre resolução de problemas ainda tem muito a oferecer, por exemplo, à prática pedagógica (e não me refiro apenas às escolas). É preciso compreender muito melhor de que forma as várias abordagens possíveis da resolução de problemas matemáticos podem contribuir para o fim das dificuldades que os alunos têm em adquirir literacia matemática, em adquirir expert thinking e mesmo complex

communication.