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CAPÍTULO 3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

3.1 A importância da organização interna para a luta pela terra

As formas encontradas pelos assentados para se organizarem, exprimem a necessidade de autonomia desses indivíduos para obterem o acesso a um pedaço de terra. Neste sentido, Piccin (2012) afirma que o espaço social que os agricultores assentados constroem possui elementos de ordem política, cultural e econômica que impulsionam para a formação da reprodução social desses indivíduos.

De acordo com as lideranças do Assentamento Francisco Julião que participaram do processo da organização interna do acampamento, isto se deu por iniciativa dos próprios assentados devido à necessidade de obterem um pedaço de terra para produzir, como é demonstrado nos relatos de Adail Santos e Renilda Ramos

“(...) Esperamos pelo INCRA cinco anos, nada fizeram para nós, aí reunimos o pessoal, tiramos uma linha, arrumamos um topógrafo particular e dividimos a terra para os 42 moradores, média de dois alqueires e meio para cada um, fizemos a nosso modo e entramos pra dentro, pedimos energia e entramos para dentro da propriedade e começamos a trabalhar, a produzir (....)” (Entrevista com Adail Santos Presidente da associação de produtores.

“(....) E depois, sete meses e meio a gente recebeu a bela notícia da emissão da posse, e aí logo depois a gente esperando pelo INCRA pra parcelar e o INCRA até ontem nada que veio, qué que a gente fez, pagou um topógrafo, veio e parcelamos (...)” (Entrevista com Renilda Ramos assentada do Francisco Julião).

A reprodução social desses agricultores se reflete nas formas encontradas para fortalecer a organização coletiva nos assentamentos. Através das informações

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obtidas por meio das entrevistas realizadas com os assentados e lideranças, a organização coletiva nos assentamentos representa uma necessidade para que possam desenvolver ações de aspectos social, econômico e político com objetivo de garantir a sobrevivência no campo. O relato de Alcimaro Martins do Zumbi dos Palmares esclarece a importância do trabalho com os jovens assentados para conscientização da identidade camponesa.

“(...) Eu trabalho com os jovens, coletivo de jovens aqui na comunidade numa perspectiva cultural, é trabalhando um pouco sobre esta questão de fortalecimento da identidade camponesa (...) excluída né então essa inserção faz com que você queira dar um retorno pra comunidade desenvolver alguma atividade prática (...)” (Alcimaro Martins, assentamento Zumbi dos Palmares).

A fala do assentado Alcimaro Martins também apontou para a importância dos movimentos sociais junto aos assentados, e a partir do trabalho de conscientização, a luta pela terra e suas implicações motivam a realização de atividades de fortalecimento da organização coletiva dentro dos assentamentos, como alternativa de sobrevivência no campo. No mesmo sentido, a fala do assentado Hermes Cipriano mostra os motivos de se engajar para manter a organização coletiva como forma de manutenção das organizações coletivas nos assentamentos. Segundo ele, a organização dos assentados é importante porque

É a única alternativa que os agricultores têm. Se não se organizar, individualmente não vai conseguir avançar. (Hermes Cipriano do assentamento Antônio de Faria)

Outros relatos coletados apontam que o motivo para trabalharem à frente das organizações coletivas no assentamento seria a falta de interesse dos demais assentados para o trabalho coletivo. Renilda Ramos e Davi Barbosa afirmam que:

“(...) Alguém tem que se disponibilizar né, pra tá indo levando e trazendo notícia pros assentados porque, como eu tinha dito antes,

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depois que vira assentamento as pessoas não quer sair dos seus lotes, então, alguém tem que se sacrificar né” (Renilda Ramos). “(...) E eu achei que associação fosse um instrumento né, entrei na associação achando que ela, e ela é também um instrumento quando é bem organizada e a pessoa entender qual a função dela, ela é um instrumento facilitador das ações (...)” (Davi Barbosa assentado no Che Guevara).

Davi Barbosa informou que se tornou uma liderança do assentamento num processo gradual, pois era participante de uma coordenação do assentamento em que vive. Entretanto, em 2009, o Sr. Barbosa foi eleito presidente da associação de produtores do Che Guevara. Em seu relato, ele esclarece que o motivo para estar à frente da associação seria o papel que a mesma desempenha como instrumento para execução das ações em prol dos assentados. Segundo o Sr. Barbosa é por meio da associação que há possibilidade de haver interlocução junto ao poder público municipal para que se possa articular ações em prol dos assentados.

Por outro lado, os resultados referentes a organizações coletivas6 existentes nos assentamentos estudados também demonstram que a criação de instrumentos coletivos de ação ocorreu devido à exigência de órgãos responsáveis por viabilizar recursos públicos destinados à melhoria da infraestrutura e incentivo à produção agrícola. Desta forma, seja por um processo decisório autônomo ou imposto por agentes externos, o fato é que nos assentamentos estudados existem de fato várias organizações atuando e buscando soluções para diferentes problemas que interferem no cotidiano dos seus habitantes (Tabela 5).

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Nenhuma Liderança do assentamento Ilha Grande foi incluída nesta tabela devido a dificuldades encontradas para realizar entrevista.

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Tabela 5 - Organizações coletivas existentes no assentamento. Entrevistado Assentamento Organizações

coletivas

Estratégia de implantação das organizações

Alcimaro Martins

Zumbi dos Palmares Coletivo de mulheres/ Associação/ e

Cooperativa

Exigência do INCRA para criação da associação e cooperativa. O Coletivo de mulheres foi criado por iniciativa

das próprias assentadas. Renilda Ramos Francisco Julião Associação Exigência do poder público municipal

Adail Santos Francisco Julião Associação Exigência do poder publico municipal Davi Barbosa Che Guevara Associação Exigência do INCRA

Hermes Cipriano (Mineiro)

Antônio de Faria Associação e Agroindústria

Exigência da EMATER para criação da associação. A agroindústria foi iniciativa dos próprios assentados

Entretanto, a interferência do Estado no processo de organização social não é bem vista pelas lideranças, por implicarem no estabelecimento de formas verticais de relacionamento com os assentados. Isto fica evidente nas falas de Davi Barbosa e Hermes Cipriano, quando estes afirmam que:

A associação já vem de um modelinho de cima pra baixo, né? Para receber determinadas política pública, fomento tem que tá organizado em uma associação e tal. Então, foi a partir daí que surgiu embora seja criado por nós né, mas já houve um critério de cima pra baixo pra que isso acontecesse, né? (...) (Davi Barbosa assentado do Che Guevara).

Foi bem atravessado, bem complicado porque a associação os assentados tavam discutindo a construção da associação, mas quem presta assistência técnica é a EMATER e aí a EMATER chamou uma reunião e chegou com estatuto pronto (Hermes Cipriano assentado do Antônio de Faria).

Desta forma, o Estado ao exigir que os assentados estejam agrupados em associações impõe um modelo rígido de organização social, e acaba por retirar a autonomia dos assentados em relação à forma de gerenciar suas entidades. Por

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outro lado, esta forma de imposição do Estado desenvolve nos assentados a motivação para criar organizações por iniciativa própria. Nesse sentido, o Sr. Adail Santos, presidente da associação de produtores do Assentamento Francisco Júlio, afirmou que:

A gente tá conseguindo avançar, porque nós temos a associação em dia, tudo certinho, a gente não consegue ter acesso de crédito, porque estava esperando o INCRA para fazer essa demarcação, quando eles fizerem a gente vai acabar de se organizar (Assentado Adail Santos do Francisco Julião).

Outros relatos obtidos de lideranças dos assentamentos demonstram que as dificuldades estão também na falta de compreensão dos assentados quanto à função da associação. Isto fica evidente na fala da Sra. Renilda Ramos quando ela citou os problemas existentes na relação com os assentados:

Porque se a gente faz bem, se a gente faz 90% não tá bom, se faz 99% também não tá bom, se não for 100% num tá bom, mesmo assim ainda algumas pessoas ficam insatisfeitos. Então, pra gente eu no meu ponto de vista, associação é beneficio dos assentamento, (...) (Assentada Renilda Ramos do Francisco Julião).

As dificuldades que se apresentam para as organizações coletivas nos assentamentos prejudicam a execução de ações coletivas entre os assentados, como exemplo as associações apresentam fragilidades para se estruturarem como organização e cumprir com suas funções. Um problema de difícil resolução é a aparente falta de interesse por parte de muitos assentados de se envolver no trabalho coletivo, o que termina por fragilizar a ação das organizações comunitárias. As falas dos assentados Hermes Cipriano e Davi Barbosa exprimem essa preocupação:

“(...) Porque não existe a cultura do cooperativismo e do associativismo na região, nós temos várias dificuldades no sentido até de gerir essas entidades, essas estruturas. E aí muitas vezes elas ficam verticalizadas, elas são assumidas por uma pessoa só, e muitas vezes são pessoas oportunistas, e aí a Prefeitura também ela trabalha muito no sentido de coopta. A prefeitura ela não ajuda em nada no sentido de fazer essas entidades avançarem” (Hermes Cipriano assentado do Antonio de Faria).

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“(...) Eu percebi isso na prática, que há uma política local que não deixa qualquer iniciativa de organização que traga autonomia para os pequenos agricultores ou não, não seja agricultores, elas são moldadas politicamente. (Davi Barbosa Presidente da associação de produtores do assentamento Che Guevara).

Por outro lado, há resistência também por parte dos assentados ao se associarem devido à falta de compreensão em relação aos resultados dos trabalhos das associações ou cooperativas não serem imediatos. Nesse sentido, o Sr. Davi Barbosa argumentou que as famílias distorcem o sentido do trabalho coletivo e buscam ações de ordem imediata, resultando no enfraquecimento dessas organizações, criadas por iniciativa dos próprios assentados.

A cooperativa está em fase de reestruturação nesse momento. A gente criou sim a unidade. As famílias acharam que iam ter uma renda imediata, mas acabou não tendo porque está enraizado na sua cultura o imediatismo, até por conta da prática política local (...) as famílias estão acostumadas que o político seja provedor e não com eles criarem formas de autonomia e de serem provedores (Davi Barbosa Presidente da associação do Che Guevara).

3.2 Esforços dos assentados para viabilizar a comercialização da produção

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