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A importância do terreno na conduta e desfecho dos confrontos armados

No documento Campo de batalha, lugar de memória (páginas 31-38)

Para ajudar o entendimento da conduta de forças em campanha procuraremos referir, com alguma brevidade, conceitos gerais ligados à conduta das forças em operações, pois o seu aprofundamento está arredado do propósito desta dissertação.

Sun Tzu, experiente guerreiro chinês, anterior a Cristo, já considerava o terreno onde se situavam as forças beligerantes, o elemento mais importante na guerra, pelo condicionamento no desempenho, designadamente na utilização de meios, conduta no confronto e desfecho do afrontamento armado.

O aperfeiçoamento dos sistemas de armas e equipamentos veio acrescentar importância ao terreno que continuou a merecer aos comandos das forças envolvidas, o estudo oportuno e atento, na determinação rápida das vantagens e desvantagens que o terreno podia oferecer à manobra e à vida das tropas, pois tinha influência decisiva no aproveitamento, natureza e quantidade dos sistemas de armas a utilizar. O campo de batalha moderno tem, entre outras, determinadas características, que importa referir:

32 - “Intensidade”, capacidade desconhecida em provocar perdas nos combatentes e nos sistemas de armas, em períodos de tempo cada vez mais curtos;

- “Complexidade”, resulta da enorme e diversificada panóplia de equipamento sofisticado que aumenta a multiplicidade dos dados e elementos que estabelecem relações intrincadas e influenciadoras no desfecho da batalha;

- “Amplitude”, crescente pelo aumento do alcance e da letalidade dos novos sistemas de armas;

- “Mobilidade”, o aumento de equipamentos blindados, mecanizados, aéreos facilitam a concentração e a dispersão rápida das forças em acção.

Conforme se trate de uma acção ofensiva ou duma acção defensiva, assim o terreno deve satisfazer condições particulares, distintas em cada caso. É estudado à luz da missão recebida na procura da conquista da vitória, em prejuízo do inimigo, sendo considerado em todos os seus aspectos militares designadamente:

- Observação e Campos de tiro (para observar e utilizar as armas com eficiência);

- Cobertos e Abrigos (evita ser visto e dão abrigo);

- Obstáculos (dão protecção, impedem, canalizam ou retardam o movimento do Inimigo.);

- Pontos Importantes (proporcionam significativa vantagem para quem os conquistar ou mantiver a sua posse). Dão supremacia táctica aos seus ocupantes;

- Eixos de Aproximação (percurso com condições, adequado ao escalão da força em movimento).

Na apreciação de previsível situação de confronto cada comandante deve identificar e avaliar o terreno com valor táctico, que materialize o cumprimento da missão, chamado terreno decisivo, que quando perdido deverá ser reconquistado.

33 Os acidentes e formas do terreno não têm valor absoluto, mas podem determinar vantagens ou inconvenientes decisivos em função da missão recebida. Assim um terreno:

- ligeiramente acidentado é favorável ao avanço do atacante, pois permite-lhe avançar sob protecção de vistas e dos fogos directos do inimigo instalado;

- ondulado e medianamente coberto com vegetação, favorece o desempenho de carros de combate, sucessores da cavalaria pesada medieval;

- com ondulações curtas, paralelas à Orla Anterior da Zona de Contacto, onde as forças antagónicas estão em contacto, possibilita uma rápida mudança do fogo e das forças empenhadas na acção;

- pantanoso, marcado por ravina profundas ou bem florestado facilita a defesa enquanto dificulta o desempenho do atacante. (situação particularmente utilizada na época medieval);

A compartimentação do terreno (zona definida pelo relevo onde é possível observar e executar o tiro directo) determina a escolha do armamento e condiciona a visão dos beligerantes. As cristas militares (áreas de inflexão em vertentes convexas permitem ver e atingir a base da elevação) merecem atenção pois podem contribuir para a economia de forças e condicionar circunstâncias e objectivos.

O terreno continua a merecer aos beligerantes atenção particular e cuidada na medida que orienta o respectivo comando na manobra a executar, na direcção do esforço principal, no ritmo das operações e na repartição das zonas de acção.

A utilização adequada confere vantagens significativas à força utilizadora: dar maiores possibilidades de observação, proporcionar oportunidades favoráveis à utilização das armas a empregar, proteger da observação e fogos inimigos, contribuindo para melhor segurança da força combatente, oferecer eixos de aproximação (caminhos a percorrer no

34 sentido do In.) favoráveis e adequados ao escalão das forças em operações, ajudar a obter o efeito da massa pela aplicação do princípio da economia de forças (economizar forças num local para ter supremacia de meios noutro); permitir estabelecer e utilizar linhas de comunicações (áreas utilizadas pelos órgãos logísticos) essenciais à manobra e respectivo apoio e forçar o oponente a actuar em zonas que não lhe sejam favoráveis.

As acções ofensivas são decisivas nos conflitos armados. A finalidade destas acções é destruir o inimigo pela aplicação de meios de modo violento e localizado. Podemos considerar, em essência, dois tipos de acção ofensiva entre beligerantes:

-“Combate de encontro”, verifica-se quando as forças oponentes se deslocam, animadas do mesmo espírito ofensivo, ao encontro da oponente. Para evitar esta situação, inesperada, monta-se um dispositivo adequado de segurança, semelhante ao utilizado na marcha para o ataque. Sublinha-se que deste modo nenhum dos antagonistas aproveita convenientemente o terreno em seu proveito.

-“Combate coordenado”, quando o terreno materializa um objectivo decisivo ao cumprimento da missão (domínio de um espaço dominante, passagem decisiva, desfiladeiro, cruzamento de vias de comunicação, etc.) as forças envolvidas procuram conquistar ou manter esse objectivo com um ataque coordenado realizado por uma grande unidade (brigada, divisão) ” que dispõe de uma organização equilibrada de elementos de comando e de apoio que lhe permite conduzir acções independentes, de envergadura e prolongadas “. (MILITAR, 2000).

Uma força na situação de “contacto imediato” com o adversário, deverá estar atenta e pronta a executar acções de: “reconhecimento” (para obter informações acerca do Inimigo, tempo ou condições meteorológicas e características da área de operações), “segurança” (para proteger e conservar o poder de combate da própria força ou de forças amigas), “utilização das reservas” (garantem flexibilidade, oportunidade e

35 capacidade de realizar novas acções). Destinam-se a fazer face à incerteza da atitude do adversário, para garantir a segurança da própria força, deter ou destruir os contra ataques inimigos, reforçar as unidades no esforço para manter o ímpeto do acção, garantir vitórias expeditas e explorar o sucesso (perseguição e destruição do inimigo em retirada).

O “Combate Principal”, materializa no terreno a acção da força em cumprimento da missão. A acção exige a coesão dos comandos subordinados que devem ser auxiliados pelo apoio sincronizado, de combate e serviços, com as próprias acções de combate;

A movimentação dos exércitos foi sempre considerada como situação de inferioridade, importante mas difícil, porque os caminhos escolhidos condicionam segurança, comodidade e velocidade da força em trânsito. Em relação ao local escolhido para confronto os itinerários podem ser considerados de: aproximação (utilizados antes do confronto), conduta (para escolha e exploração do melhor aproveitamento táctico do terreno durante o confronto), rompimento do contacto, retardamento ou fuga do local (terminado o confronto).

O aparecimento de exércitos mais numerosos e melhor apetrechados, com maiores sujeições técnicas, tornou-os dependentes de uma estrutura logística pesada mas capaz de garantir o apoio em quantidade e oportunidade. Esta necessidade conduziu em 1837, ao conceito de Logística que pela importância e complexidade foi considerada componente essencial da ciência da guerra, que originou novos conceitos espaciais como: “Zona de Comunicações”, localiza-se à rectaguarda das forças terrestres em operações. Compreende o território necessário ao apoio logístico das forças em combate) e “Linha de Comunicações” (percurso utilizado pelo aparelho logístico para fazer chegar atempadamente às unidades da frente o apoio logístico necessário).

36 Conclui-se a importância do terreno no desempenho e no resultado do confronto que obriga a uma escolha cuidadosa do local onde se deverá travar a batalha decisiva.

Neste contexto o campo de batalha escolhido está relacionado com alargada zona circundante que iremos, no sentido centrípeto, procurar referir de modo resumido:

-“Teatro de Guerra”, conjunto de regiões (terrestres, aéreas ou navais), onde se poderá verificar o confronto das forças dos Estados em hostilidades;

-“Teatro de operações”, parte do Teatro de Guerra onde operam forças capazes de intervirem em tempo oportuno, em qualquer acção que nele tenha lugar. Atendendo à natureza das forças interventoras o Teatro de Operações classifica-se em terrestre, aéreo ou naval.

O Comando da força que irá actuar em determinado “Teatro de Guerra Terrestre” deverá ter o conhecimento perfeito dos aspectos que possam interessar à condução das operações, à manutenção e à comodidade das tropas.

O estudo do terreno, nas suas múltiplas vertentes continua a ser essencial, (orografia, hidrografia, clima, flora, vias de comunicação de toda a espécie para deslocamento e reabastecimento das suas forças, assim como os aspectos agrícolas e industriais com vista à condução das operações). Os limites preferíveis são obstáculos naturais (costas marítimas, margens de grandes rios, altas cadeias de montanhas, etc.);

-“Zona de Operações”, tem significado quase idêntico ao Teatro de Operações, porque é uma grande fracção do Teatro de Operações. Pode classificar-se em função de objectivos geográficos (passagens obrigatórias, desfiladeiros, pontes, vaus, cruzamento de vias de comunicação; grandes acidentes orográficos; cursos de água importantes, portos fluviais e marítimos; linhas fortificadas; centrais produtoras de energia, barragens hidroeléctricas, etc.).

37 O conceito espacial de guerra tem contudo evoluído com o tempo. Desde sempre e particularmente na Idade Média, a primeira preocupação do comandante era a escolha do terreno adequado à acção, tendo em consideração: “local elevado”(se possível na proximidade de um rio ou de outro obstáculo natural para dificultar a progressão ao adversário), “sol e vento pelas costas” (evitava dificuldades de visão provocada por receber o pó no rosto, levantado pelo Cavalaria, carroças de apoio logístico etc, tirar partido das irregularidades do terreno pela dificuldade que podiam causar ou mesmo impedir a utilização dos cavalos, conforme aconteceu ao exército castelhano no planalto de Aljubarrota na 1.ª posição portuguesa virada a norte.

A escolha da área de afrontamento (campo de batalha) era condicionada por variados factores: itinerário de marcha dos contendores, necessidade de manter livre a linha de abastecimento e comunicações, dificuldades logísticas, atítude do adversário (organizado / desorganizado; determinado / temeroso).

Conhecido historiador caracterizou a guerra medieval pelo receio da batalha campal, que arriscava tudo em pouco tempo pois os efectivos em presença não garantiam a vitória e pelo “reflexo obsidicional” expresso na tendência de fuga para a protecção das muralhas. (CONTAMINE). Outro historiador apologista do mesmo conceito definia o castelo “como o melhor amigo do governador medieval “(VERBRUGGEN). O ideal era vencer o adversário pela fome, sede, doença ou guerra guerreada. (MONTEIRO, 2001)

Pelo exposto somos de opinião que a consideração do desempenho das forças no local do afrontamento (campo de batalha) não deve ser considerada em separado dos factores influenciadores designadamente o terreno envolvente, para evitar um entendimento insuficiente ou mesmo deficiente da conduta dos beligerantes na batalha.

38 Recorda-se que a guerra não é apenas um mero acto bélico mas um verdadeiro instrumento politico que continua, em último caso, a acção política por outros meios.

No documento Campo de batalha, lugar de memória (páginas 31-38)

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