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2 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS POR

2.2 O Código Civil de 2002

2.2.5 A responsabilização civil do incapaz

2.2.5.3 A impossibilidade de reparação do dano pelos representantes legais

O segundo ponto que merece análise é a verificação dos dois requisitos que dizem respeito aos representantes, quais sejam as situações em que os representantes legais não

53 Nesse sentido, existe julgado que traduz a aplicação da hipótese em comento, como se observa no acórdão do

possuam a obrigação de reparar o dano e quando não possuam os meios suficientes para fazê- lo.

2.2.5.3.1 Quando os representantes não possuem a obrigação de reparar o dano

Quatro são as hipóteses nas quais os representantes não possuem a obrigação legal de reparar o dano do incapaz: a) quando o dano é causado por pródigo; b) quando o filho menor não está sob autoridade e na companhia dos pais; c) quando o menor é emancipado; d) quando a hipótese for de força maior ou caso fortuito (SIMÃO, 2008, p. 158-186).

A primeira hipótese não traz maiores complicações. A prodigalidade retira a obrigação dos representantes em responder pelos danos causados com base em dois argumentos: i) o pródigo é considerado imputável no que se refere aos atos ilícitos, pois possui discernimento e aptidão para manifestar vontade e; ii) o art. 932, inc. I exige o exercício de autoridade e companhia por parte do representante.

Para Simão (2008, p. 160-162), em regra, está ausente o poder diretivo dos representantes em relação ao pródigo, pois a decretação da condição de pródigo restringe-se aos atos negociais com intuito de manutenção de patrimônio mínimo do indivíduo. Além do mais, a situação de filho pródigo menor é muito pouco provável, fato que é muito mais recorrente em filhos maiores.

A segunda e a terceira hipóteses, isto é, a exigência de autoridade e companhia dos pais a filhos menores e a emancipação e guarda do menor, respectivamente, acompanham o que já foi comentado anteriormente. Como se viu, “autoridade” traduz o exercício do poder familiar (antes denominado pátrio poder), e está insculpido agora nos arts. 1.630 e seguintes54.

54 Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:

Quanto à emancipação, viu-se que a doutrina majoritária considera que a emancipação legal, ao contrário da voluntária, exonera os pais da responsabilidade pelos atos dos filhos como regra.

Quanto à guarda, cabe recordar que a situação de estar a guarda com apenas um dos pais não retira necessariamente o poder diretivo exercido por ambos. É que o termo “companhia” possui importância fática e jurídica, pois não significa tão somente a presença física do filho aos olhos dos pais, e sim traduz o dever de vigilância ininterrupto dos pais sobre os filhos. De qualquer modo, autoridade e companhia são requisitos cumulativos por regra, cabendo análise casuística (SIMÃO, 2008, p. 162-164).

Vale relembrar que em momento posterior (capítulo 3) serão discutidas as questões aventadas na jurisprudência.

A quarta e última hipótese diz respeito à prova, por parte dos responsáveis, de ocorrência de situação de força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima. Como se percebe, são todas espécies que visam elidir o nexo de causalidade entre o ato ilícito e o dano. Rememorando o comentado anteriormente, impende destacar também a possibilidade de se provar que o menor não atuou com culpa (a análise de culpa técnica), o que elidiria por via de consequência a responsabilização de seus representantes (SIMÃO, 2008, p. 178).

2.2.5.3.2 Quando os representantes não possuem os meios suficientes para reparar o dano

A segunda situação relativa à irresponsabilidade dos representantes perante os atos dos filhos menores desperta interessante discussão doutrinária. É a hipótese em que os representantes não possuem “meios suficientes” para arcar com a indenização.

Simão (2008, p. 186-187) alerta que é possível interpretar a locução “meios suficientes” sob três vistas: a) pela operabilidade do sistema; b) por uma visão subjetiva que envolve a consideração do estado patrimonial dos representantes; ou c) considerando a divisão da indenização entre representantes e incapaz.

I - pela morte dos pais ou do filho;

II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único; III - pela maioridade;

IV - pela adoção;

A primeira visão traz maior facilidade de resolução das demandas judiciais, pois bastaria a confrontação dos valores do patrimônio e da indenização para caracterizar ou não a responsabilização direta do incapaz. Caso ultrapasse o valor da indenização, o patrimônio dos representantes responderá pelo valor; caso contrário, o incapaz será diretamente responsabilizado, atendidos os outros pressupostos do art. 928 (SIMÃO, 2008, p. 188-190).

A segunda visão coaduna-se com o aspecto social do direito civil ao considerar o impacto que a indenização poderia causar aos representantes. A situação pode ser observada no caso em que, embora o patrimônio dos representantes se mostre suficiente para suprir os valores indenizatórios, o pagamento destes reduziria os genitores ao estado de penúria, isto é, abaixo de um patrimônio mínimo. Assim, a consequência extrema aos representantes tornaria o incapaz responsável direto pela indenização, ante a ausência de “meios suficientes para indenizar” dos representantes, isentando estes de qualquer obrigação (SIMÃO, 2008, p. 188- 190).

A terceira visão, para Simão (2008, p. 190-191) mais harmônica com os princípios da dignidade da pessoa humana, trata da divisão da indenização entre representantes e incapaz, diante do alto impacto que a indenização causaria se fosse cobrada totalmente dos primeiros. Tal opção respeitaria não somente os direitos da vítima em ser indenizada, como também manteria um patrimônio mínimo para os representantes ao mesmo passo em que responsabilizaria o incapaz por seus próprios atos. Pode-se dizer que é uma espécie de equidade aplicada para ambos.

A doutrina diverge acerca de qual seria a visão mais adequada. Para o presente trabalho, considerando a lógica do sistema civil brasileiro até aqui apresentada, a segunda corrente é a mais adequada. Explica-se.

A regra de fixação do quantum indenizatório prevista no ordenamento brasileiro segue o princípio da integralidade, forte na disposição do art. 944, do CC/2002. Nessa senda, quaisquer exceções à aplicação da integralidade no montante de ressarcimento necessitam de previsão legal, como é o caso da possibilidade de fixação da equidade como critério de quantificação da indenização devida pelos incapazes.

Nessa mesma linha de raciocínio, a aplicação da equidade ao incapaz é benefício a este conferido devido à sua incompleta desenvoltura intelectual, situação que não se repete em relação a um indivíduo plenamente capaz. Caminha nesse sentido a doutrina estrangeira que, segundo Simão (2008, p. 152), considera que a redução da indenização somente pode

beneficiar o incapaz porque este é o indivíduo que possui razões para ter favorecimentos legais.

Assim, pode-se dizer que a lógica do sistema foi permitir a responsabilização do incapaz dando maior amparo à vítima do dano injusto, mas somente em situação excepcional, adotando a equidade como mecanismo de mitigação do quantum indenizatório. Então, se a benesse é taxativamente prevista somente ao incapaz, é possível afirmar que inexistem motivos a ensejar a aplicação do mesmo benefício como restrição do quantum indenizatório devido pelos representantes. Portanto, das três correntes apresentadas, a segunda é a que melhor se coaduna com o raciocínio supracitado.

Quanto à primeira corrente, apesar de atender à operabilidade preconizada pelo CC/2002, é possível dizer que a sua adoção traduziria violação aos pilares do Código Civil que propugnam pela proteção da dignidade da pessoa humana (SIMÃO, 2008, p. 188-190).

Quanto à terceira corrente, adotá-la significaria presumir uma solidariedade55 não prevista em lei, uma vez que se estaria colocando ao encargo de pais e filhos o dever de reparar conjuntamente. Vale relembrar mais uma vez o supracitado Enunciado n. 41, do Conselho da Justiça Federal, que indiretamente rechaça a terceira corrente ao recomendar como única hipótese de solidariedade entre pais e filhos menores a emancipação voluntária.

Ainda quanto à terceira corrente, é importante notar que não se poderia aplicar forçadamente a redução equitativa prevista na hipótese de desproporção de culpa levíssima e dano para os representantes56, pois não há que se falar em culpa dos responsáveis para configurar sua responsabilidade (é necessário lembrar que o fundamento atual é o da teoria objetiva).

Dessa forma, a solução proposta seria analisar se a indenização teria o condão de reduzir os representantes ao estado de penúria, caso em que o incapaz deveria ser considerado diretamente responsável pela obrigação de reparar o dano. A equidade não poderia ser aplicada aos representantes devido à ausência de autorização legal nesse sentido, mas somente ao incapaz.

55 Ou mesmo uma subsidiariedade, como prefere Simão (2008, p. 190). 56 Previsto no parágrafo único do art. 944, do CC/2002 (BRASIL, 2016c).

Aponta-se o Enunciado n. 39 da Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal57, que apesar de ser inconclusivo se lido isoladamente, em combinação com o Enunciado n. 41 supracitado, adota a segunda corrente.