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A imprensa de imigração na Colônia Dona Francisca

4. IMPRENSA CATARINENSE: do nascedouro ao prenúncio da república

4.1. Primeira fase: o nascedouro

4.1.6 A imprensa de imigração na Colônia Dona Francisca

A imprensa catarinense inicia seus primeiros passos pelo interior a partir da década de 50, porém, com características um pouco diferenciadas daquelas praticadas na capital, que eram de caráter acentuadamente político. Ao norte, na colônia Dona Francisca (atual Joinville) e no Vale do Itajaí, mais precisamente em Blumenau, os primeiros jornais são redigidos em alemão e com uma pauta voltada aos interesses dos imigrantes que formavam a maioria da população daquelas colônias recém fundadas. Informações sobre técnicas agrícolas, direitos dos imigrantes e notícias do Velho Continente, entre outros temas, estampavam aquelas páginas. Apesar deste perfil, no final do século XIX estes jornais também não deixaram de interferir na política local.

A Colônia Dona Francisca era uma porção de terra de oito léguas quadradas, a nordeste da província de Santa Catarina, que o Príncipe de Joinville recebeu como dote por desposar a Princesa Dona Francisca, irmã de Dom Pedro II. As terras haviam sido demarcadas pelo engenheiro Jerônimo Coelho em 1846, e já no início de março de 1851 chegavam os primeiros colonos alemães, suíços e noruegueses, quase todos trabalhadores braçais. Ainda em setembro daquele ano, chegaria a terceira leva, com 75 imigrantes alemães, a maioria intelectuais, universitários e políticos, participantes ou simpatizantes dos movimentos

subversivos de 18487. Iniciam-se, assim, as bases para o movimento cultural e intelectual da colônia. Três meses depois, chegava o barco Neptun com mais uma leva de imigrantes, entre eles o lavrador prussiano Karl Knüppel, que a 2 de novembro de 1852 fundaria o Der

Beobachter am Mathiasstrom (O Observador às Margens do Rio Mathias), o primeiro jornal

fora da capital, o primeiro do interior.

O semanário era manuscrito em papel de carta duplo e vendido a 120 réis o exemplar, aos leitores que “literalmente chegavam a disputar a posse de tal preciosidade [...]” (HERKENHOFF, 1998, p. 16). Eram 50 exemplares transcritos por colaboradores que recebiam 80 réis por cópia. A maior parte das cópias era feita pelo próprio redator num “trabalho bastante cansativo e enjoativo”, segundo o próprio Knüppel, em carta-depoimento que remeteu ao redator do jornal Reform, de Joinville, em 9 de fevereiro de 1888, e reproduzida no livro de Herkenhoff (Ibidem, p. 22). De acordo com a pesquisadora, O

Observador foi o segundo jornal em língua alemã no Brasil, apenas precedido por Der Kolonist (O Colono), fundado em Porto Alegre a 2 de agosto de 1852 e atuante até 31 de

julho de 1853.

Knüppel foi escrivão da colônia e possivelmente ali, no exercício de registrar os atos oficiais ocorridos no pequeno lugarejo, onde os imigrantes depositavam todas as suas esperanças e realizações, “foi-se informando, aos poucos, dos fatos que aconteciam na direção e em outros setores, fatos que mereciam ser publicamente expostos, debatidos e criticados - exatamente no estilo humorístico, inimitável do nosso jornalista pioneiro [...]” (Ibidem, p. 14). Na apresentação da primeira edição, um lamento de saudade da terra que ficou d’além mar, considerações sobre as necessidades e os problemas da colônia, e um chamamento aos colonos:

A Colônia!

Quantos corações doloridos e angustiados conta ela? A Colônia às margens do rio Mathias conta com homens que querem o bem e corações plenos de sensibilidade e energia. Mas os seus anseios e a sua determinação se perdem, desperdiçados como o arrebol.

E, no entanto, quanto poder em seus propósitos e anseios! Quanta força, que não se deverá desperdiçar!...

...Esta folha pretende ser um amigo de todos, um amigo estimado, ao qual se confia o que há de melhor e que se recebe e saúda alegremente no limiar de sua casa.

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Elly Herkenhoff em História da Imprensa de Joinville (1998, p. 10) assinala que assim eram chamados os ‘Achtundvierziger’ (Os de 48) - oficiais dos então já dissolvidos batalhões da Guerra Teuto-Dinamarquesa, a guerra pela posse dos antigos ducados alemães de Schleswig e Holstein, limítrofes do Reino da Dinamarca.

O redator enumera ainda as pretensões do jornal como meio de integração da colônia: 1) Levar a opinião e os anseios de todos ao conhecimento geral; 2) Informar os colonos a respeito das condições da Colônia, desde o seu início; 3) Informar as obrigações da Sociedade Colonizadora e a maneira de sua aplicação; 4) Informar a respeito das obrigações dos colonos e de seus direitos para com o Estado, o Príncipe de Joinville e a Sociedade Colonizadora; 5) Demonstrar a necessidade de formação da uma comuna; 6) Demonstrar a situação no futuro, caso perdurarem as atuais condições; 7) Debater as condições entre empregadores e empregados e demonstrar porque seria mais vantajoso para a colônia se fossem empregados apenas trabalhadores europeus; 8) Esclarecer assuntos como: escola, igreja, hospital, caridade e coletas; 9) Divulgar os meios para melhor produção das diversas culturas agrícolas e esclarecer sobre a venda dos produtos; 10) Coletar e publicar assuntos de interesse geral; 11) E para que o útil seja unido ao agradável, publicará anedotas e pilhérias sadias e miscelâneas que lhe forem enviadas; 12) Anúncios.

No programa que diz ainda distanciar-se de “qualquer personalidade, ignorando quaisquer ninharias”, O Observador ressalta algumas das necessidades para a sobrevivência dos meios de comunicação, como a sustentação econômica através de anúncios. Faz um discurso de tom racista, ao propor que “seria mais vantajoso para a Colônia se fossem empregados apenas trabalhadores europeus”. Porém, o humor era a tônica do periódico. Das suas anedotas “ria-se muito, ria-se gostosamente” (KNÜPPEL Apud. HERKENHOFF, 1998, p. 23).

O primeiro prelo da colônia Dona Francisca só chegaria a 9 de novembro de 1862, adquirido em Leipzig, Alemanha, pelo imigrante Ottokar Döerffel. Döerffel, então com 36 anos, havia aportado na colônia em 20 de novembro de 1854, em meio a mais um grupo de imigrantes. Um ano depois, já pensava em instalar uma tipografia em sua modesta propriedade. Após algumas tentativas e muito espera, a sua encomenda chegaria em 21 de setembro de 1858, e estava decido que o primeiro jornal impresso da colônia seria editado ainda naquele ano. Porém, um imprevisto: a barca Franziska, que trazia o prelo, naufragou na entrada da barra em São Francisco do Sul e não foi possível resgatar a preciosa encomenda. Passaram-se mais seis anos para que o novo prelo chegasse em 1862, e em 20 de dezembro daquele ano fosse impressa a edição de apresentação8 do Kolonie-Zeitung und Anzeiger fuer

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Nesta época, era freqüente a impressão de uma edição-programa ou edição de apresentação, antes da tiragem do primeiro número do jornal.

Dona Francisca und Blumenau (Jornal da Colônia e Órgão Publicitário para Dona Francisca e Blumenau).

No extenso artigo de fundo da edição-programa, Döerffel, apresentava as linhas gerais que norteavam o periódico, fazendo também referências à nova pátria:

Esta nova terra ainda não se tornou Pátria para nós. Ela parece ainda não querer nos aceitar como seus filhos e quanto mais profunda a afetividade com que a ela nos tentamos ligar, mais nos sentimos estranhamente repelidos, não raras vezes - e tanto mais impetuosa se reacende a saudade da velha e inesquecível Pátria - a Pátria que, na verdade, também já nos perdeu de vista e nos esqueceu. Realmente, embaraçosa e desalentadora situação a nossa, quando - feito apátridas - não mais sabemos, por assim dizer, a quem pertencemos.

Acostumar e familiarizar o imigrante na colônia; “promover a pesquisa e a análise

no setor - quase sempre novo para o imigrante - da agricultura, das profissões agrárias e dos trabalhos caseiros”; divulgar as questões do direito e da legislação do país que dizem respeito ao colono, “em especial as disposições e medidas governamentais atinentes à colonização ou à posição social do colono, sobretudo quanto às leis e disposições locais, municipais e provinciais, quando relacionadas com os colonos”; “defender os interesses dos colonos” e não deixar de denunciar quaisquer falhas da colonização e debater propostas para a sua remoção”. Estas eram algumas das proposições do jornal. Em suma, “promover o que for proveitoso à comunidade e combater o que lhe for prejudicial”.

Propunha-se, ainda, a apresentar um resumo das mais importantes ocorrências mundiais, “dando atenção especial às coisas e à evolução dos acontecimentos nos países de língua alemã”, bem como “informar fiel e continuamente sobre a situação e a evolução da Colônia, no intuito de despertar também na velha Pátria interesse e simpatia pelos colonos, para que ela não mais considere ovelhas perdidas os seus filhos emigrados, abandonando-os à sua própria sorte - como até agora, infelizmente, vinha acontecendo [...]”. Por fim, adverte o redator: “o jornal nunca servirá a fins partidários ou especiais, nem tampouco acolherá polêmicas pessoais e muito menos se deixará usar - nem na parte redacional, nem nas páginas de anúncios - como arena de manifestações odiosas, grosseiras e ofensivas”.

Tinha pequeno formato (22x30cm) e circulava aos sábados. A edição número um, de 3 de janeiro de 1863, já continha o suplemento Die Lesehalle (O Salão de Leitura) que trazia contos, poesias, anedotas e ensinamentos diversos aos colonos. Vários foram os

suplementos especiais publicados ao longo da história do jornal, alguns deles impressos na Alemanha. Entre 1871 até o início do século XX, adotou o tamanho 30 x 42 cm voltando depois ao pequeno formato original. A partir de 1888 passou a circular às terças e quintas- feiras. Foram praticamente 80 anos de história, encerrando em 21 de maio de 1942 com o nome de Correio Dona Francisca. Foi o primeiro jornal catarinense a alcançar tamanha longevidade. Além de Joinville, Blumenau e São Bento do Sul, 50 exemplares eram enviados para Hamburgo, de onde eram distribuídos pela Alemanha.

Mudou de nome cinco vezes, principalmente para contornar as dificuldades de ser um jornal redigido em alemão em um país estrangeiro de língua portuguesa: Colonie-Zeitung (20/12/1862 a 26/12/1868), Kolonie-Zeitung (02/01/1869 a 25/10/1917), Actualidade (06/11/1917 a 21/08/1919), Kolonie-Zeitung (26/08/1919 a 28/08/1941) e Correio Dona

Francisca (02/09/1941 a 21/05/1942). Essas mudanças ocorreram em função das duas guerras

mundiais e da Campanha de Nacionalização promovida por Getúlio Vargas a partir de 1938. Como Actualidade e Correio Dona Francisca, foi totalmente redigido em português. Na segunda fase Kolonie-Zeitung (1919 a 1941) era bilíngüe. Também mudou de proprietários por quatro vezes: Ottokar Döerffel (1862 a 1873), Carl Wilhelm Boehm (1873 a 1889), Carlos Bernardo Otto Boehm (1889 a 1923), Empresa Boehm & Cia (1923 a 1942). Apesar de se intitular um jornal apartidário, e o foi na maior parte de sua existência, durante o período republicano o Kolonie-Zeitung não deixou de interferir na política local, como será relatado no capítulo quatro.

Até o final do século XIX, circularam 17 jornais em Joinville, sendo oito deles redigidos em alemão. Mesmo alguns, editados em português, costumavam trazer uma ou duas páginas no idioma germânico. A Gazeta de Joinville, produzida por um grupo de imigrantes liderados por Carlos Lange, a primeira em português, só surgiu em 25 de setembro de 1877, ano em que a colônia foi elevada à categoria de cidade. O semanário circulou durante seis anos.

A imprensa voltada aos imigrantes europeus, principalmente àqueles fixados em Santa Catarina, nasceu desterrada do solo catarinense. Antes mesmo do hilariante

Observador, de Karl Knüppel, de acordo com Silva (1977), tanto na Suíça quanto na

Alemanha foram editados jornais que, de certo modo, mantinham os emigrantes que aqui chegavam, ligados à pátria, informados e orientados. Embora estampando a preocupação com os colonos, o principal objetivo destas publicações era fazer propaganda do empreendimento

das sociedades colonizadoras e incentivar os imigrantes à aventura em terras desconhecidas. Também defendiam os interesses dos colonos junto às autoridades teuto-brasileiras.

O primeiro destes jornais, conforme Silva (1977), foi o Allgemeine

Auswanderungszeitung (Jornal para a Emigração em Geral), semanário que circulou em

Rudolstadt, Alemanha, de 1846 a 1871. O Hamburger-Zeitung (Jornal Hamburguês) também faz parte deste ciclo. São poucas as informações sobre estes jornais, mas é importante fazer o registro. Eles publicavam principalmente os relatos dos colonos sobre o desbravar das matas, as construções de suas moradias e dos empreendimentos, enfim, as dificuldades, os encantamentos e as aventuras daquele difícil processo de colonização.

O suíço Der Colonist (O Colono) surgiu em 1851, em Berna, intitulando-se “órgão para a proteção, assistência e esclarecimentos aos emigrados suíços”. Circulou durante anos e trazia amplo noticiário sobre as colônias catarinenses, principalmente de Dona Francisca, onde, por volta de 1853, segundo o jornal, cerca de dois terços da população daquela colônia era composta por suíços.

Preocupada em acompanhar, mesmo de longe, os colonos vindos da Alemanha, a Sociedade Hamburguesa de Colonização, responsável pela criação da Colônia Dona Francisca e pelo bem estar dos colonos para cá enviados, criou, em agosto de 1852, o Mittheilungen

Betreffend Die Deutsche Kolonie Dona Francisca in Süd-Brasilien Provinz Santa Catarina.

Com pequeno formato e 16 páginas, o jornal era mensal e circulou em Blumenau e Joinville.

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