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A imprensa Portuguesa no século XVIII e a circulação de idéias na Colônia

Primeiro periódico Setecentista no país, a Gazeta de Lisboa começou a circular em 10 de agosto de 1715. No frontispício lia-se o ideal do periódico: “[fazer a] História Anual Cronológica e Política do Mundo e Especialmente da Europa.” Ou seja, para além do intuito de publicar notícias nacionais e estrangeiras além das diversas nomeações do governo português, a Gazeta nascia sob os tentáculos da Monarquia lusa, em consonância com a tradição européia que, desde meados do século XVII, possuía periódicos oficiais. 79 A Península Ibérica pertencia à periferia na Europa da edição, no que

Chartier denominou de “antigo regime tipográfico”80, cujos centros estavam situados na Europa do

Norte, mormente na França, Alemanha, Holanda e Suíça. De acordo com a análise do historiador André Belo, a aproximação à debilidade ibérica do ponto de vista tipográfico, com efeito, manifesta- se também no tardio aparecimento e lento desenvolvimento das publicações periódicas impressas na península, em especial ao longo do século XVIII.81

Entre os anos de 1715 e 1760, a redação da Gazeta de Lisboa ficou a cargo de José Freire de Montarroio Mascarenhas, sendo o privilégio exclusivo da tradução e impressão de todas as notícias e dos papéis políticos oriundos da Europa, de responsabilidade de Antonio Correia Lemos.82 Ao longo

desse período a folha manteve o mesmo aspecto: era impressa em formato in quarto e circulava às

79 TENGARRINHA, José, História da Imprensa Portuguesa, Ed. Caminho, Lisboa, 1989, p.43.

80 “É um conceito que parte da identificação de uma continuidade essencial na produção e comercialização dos livros entre o século XVI e o inicio do século XIX. Em tal regime, que cessa com a entrada da imprensa na era industrial, a empresa da edição é, sobretudo um ramo do comércio, estando a atividade tipográfica submetida no essencial aos mercadores de livros, os quais freqüentemente são também impressores.” BELO, André, As Gazetas

e os Livros: a Gazeta de Lisboa e a vulgarização do impresso (1715-1760), Lisboa, 2001,p.30.

81 Idem,

82 Tal privilégio foi concedido por alvará régio em 29 de maio de 1715. Para maiores informações sobre o privilégio de impressão depois da morte de Lemos, ver BELO, op.cit., pp.35-38.

quintas-feiras.83 As edições eram reagrupadas em volumes anuais, o que permitia a leitura retrospectiva

em formato de livro, constituindo o que Belo denominou de conjunto de relatos históricos; sendo também vendida em forma de folheto. “Montarroio escrevia a Gazeta seguindo um <<método não só histórico, mas Cronológico e Geográfico>>. Com isso fazia-se referência ao modo particular de as notícias serem ordenadas no periódico, divididas por Reinos ou regiões européias e por ordem cronológica”84, avalia o historiador.

O aspecto gráfico da Gazeta de Lisboa, durante o governo de D. João V (1706-1750) explicitava os vínculos entre imprensa e o poder absoluto da monarquia portuguesa, expressada na simbologia real. A inserção da grafia (carimbo) real – o símbolo da monarquia portuguesa – tendo os dizeres “Com o Privilégio de Sua Magestade” (sic) situa-se no centro da página, com muito destaque, o que singularizava o periódico ao se referir diretamente à persona do Rei. 85

Gazeta de Lisboa de 27 de agosto de 1743.

Nº35

83 “Inicialmente de quatro páginas, o corpo do periódico conheceu, até a década de 50, um aumento progressivo: oito páginas logo no ano de 1717 e doze páginas a partir de 1734.” De 1742 em diante, a folha passou a produzir o Suplemento da Gazeta de Lisboa, que saía às terças-feiras e dava periodicidade bi semanal ao jornal.” BELO, op.cit., p. 37-38.

84BELO, op.cit., p.40. O historiador analisa também as diferenças entre a produção da Gazeta de Lisboa e dos livros. Para maiores detalhes ler p.42-44

85 Utilizo aqui a noção de persona defendida pela historiadora Iara Lis C. de Souza. Segundo a autora “Este conceito, historicamente formulado, além de abarcar o foro íntimo, a pessoalidade do indivíduo, molda-se pelo artifício com que sua figura é externamente elaborada, ou seja, aquilo que de fora lhe confere sentidos sociais, políticos, eficácias num jogo de representações e anseios políticos.”SOUZA, Iara Lis Carvalho, Pátria Coroada: o

Politicamente, o Governo de D. João V foi caracterizado pela continuidade ao processo de centralização política, iniciado por seu pai, sendo “fortemente influenciada pela administração e pela corte francesa do “Rei Sol”, Luis XIV.”86 No entanto, apesar desse diálogo com o absolutismo francês,

indago: o que de fato era o absolutismo português na época em questão? Vejamos a análise do erudito Luis Fernand de Almeida:

Embora assumindo-se como absoluta, a realeza não dispunha dos meios para que a sua atuação se sentir, de forma plena, à sociedade que pretendia governar. As (...) insuficiências da burocracia régia levavam-na a recorrer à rede concelhia, delegando nas câmaras alguns dos seus poderes e para elas transferindo parte da administração que de outro modo não poderia assegurar.87

Para o autor, na relação direta com a sociedade, a acentuada autonomia das câmaras no exercício administrativo local fazia-se sentir com mais força do que a distante figura do monarca e seu poder político concebido como absoluto. Nesse sentido, para se fazer presente perante todo o corpo social a quem representava e assim exacerbar suas virtudes morais, era fundamental que a simbologia real fosse estampada em todas as publicações da Gazeta oficial. Uma maneira de se fazer lembrado, referenciado, lisonjeado, já que na lógica monárquica da época, o destino do Reino dependia das virtudes do Rei. Era a palavra real em toda a sua plenitude que estava sendo veiculada para os súditos; o que reforçava a “concepção organicista do poder encarnado no corpo do rei, que, em si, resume toda a coletividade.”88 Uma vez que em meados do século XVIII o nascer da esfera pública estava muito

ligado ao âmbito das representações, tentava-se manter, simbolicamente, a unidade da Coroa que, na prática, estava dispersa “por uma constelação de pólos relativamente autônomos”, nas palavras do historiador Antonio Manuel Hespanha.89

Na época, a atividade jornalística não era valorizada socialmente tanto que o termo jornalista era ausente do vocabulário português, sendo o redator comumente chamado de gazeteiro. Como redator, Montarroio omitia opiniões, o que mostra a tendência “informativa” do periódico, uma vez que o profissional “devia respeitar na Gazeta uma forma de escrever sem reflexão crítica explícita.”90 A

particularidade de seu ofício era regida por critérios muito específicos, sobretudo em relação às

86 VAINFAS, Ronaldo (direção), Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808) Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 2000, verbete D. João V, p.167.

87Almeida, Luis Fernand de, Páginas dispersas. Estudos de História Moderna de Portugal, Coimbra, Instituto de História Econômica e Social, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1995, p.196.

88 SOUZA, Iara, op.cit.,p. 23. Para melhor compreender o papel do rei na sociedade portuguesa do período, ver cap.1.

89 HESPANHA, A. M, As vésperas do leviatã. Instituições e poder político.Portugal –século XVII, Livraria Almeida, Coimbra, 1995, p.197.

notícias por ele veiculadas: a concepção de novidade ou notícia, como afirma Belo, tinha que ter um caráter histórico para ser apreciada e, então, publicada. Segundo a descrição de João Luís Lisboa,

Montarroyo never had great political or social relevance in Lisbon, or in the Academy (where he failed to be elected). This corresponds to the low cultural status given to news work. But he had a central position among those who devoted themselves to the task of consuming and spreading the latest reports. He received foreign newspapers, and sclected his own material from them. The fact that he had information that he did not publish in the gazette gave him a certain authority. He also had acquaintances at the court and was part of the most importam newsletter networks in the capital.91

De acordo com Belo, a credibilidade do impresso estava circunscrita a canais especiais de informação como as folhas estrangeiras, as correspondências e os relatos de políticos ilustres do Reino. Por volta de 1749, quando o privilégio de impressão já estava nas mãos de Luís José Correia de Lemos92 e o propósito do periódico era o lucro e a vulgarização, o redator passou por conflitos no que

se refere à edição das notícias. Como salienta o historiador, “segundo o que Montarroio escreve nas suas cartas, a versão da Gazeta que era enviada ao Desembargo do Paço para ser censurada era, uma vez aprovada, sujeita a alterações no caminho para o prelo. Obtidas as licenças, os impressores faziam nela acrescentos, à sua própria maneira.”93 Nesse sentido, vemos como a concepção da folha estava

associada à idéia de privilégios; característica intrínseca ao Antigo Regime Português, que mostra quão filtradas eram as informações que chegavam aos leitores.

Observamos, portanto, que a simplicidade do trabalho de produção de uma folha como a

Gazeta de Lisboa é só aparente. Confeccionar as notícias pela ótica do recebimento de algumas Gazetas estrangeiras, traduzir artigos escolhidos, censurar as obras consideradas sediciosas, anunciar

livros de interesse, receber e selecionar anúncios, informar a entrada e saída de navios eram atividades que englobavam processos complexos e envolviam diversos atores sociais. Ao estudar tais singularidades do periódico, no início do século XVIII, o grupo de pesquisadores portugueses João Luis Lisboa, Tiago C.P. dos Reis Miranda e Fernanda Olival, mostra-nos que um periódico dessa grandeza fazia parte de uma “rede de correspondentes de que podemos definir vários centros”94:

redator, correspondentes, tradutores, personalidades políticas, impressores, leitores. Esse circuito de informações tornava-se cada vez mais complexo uma vez que se destinava a diversos fins que “não

91 LISBOA, João Luís Lisboa, “News and newsletters in Portugal” IN Enlightement, Revolution and the periodical press, Voltaire Foundation, Oxford, 2004, p.42.

92Luís José Correia de Lemos era filho de Antonio Correia de Lemos, a quem pertenceu o privilégio de impressão desde 1715.

93BELO op.cit.,p.58. 94LISBOA, op.cit., p.15.

apenas da informação [mas também] negócios, encaminhando pedidos, encomendas, nomeadamente de livros”95, pondera João Luis Lisboa.

Desse exame circunscreviam-se pólos de interesses que ao se cruzarem nas práticas de composição e transmissão da notícia singularizavam a natureza de uma Gazeta oficial. A periodicidade era, particularmente, um aspecto importante: o periódico era escrito em dias certos “seja pela organização das atividades semanais do correspondente, seja pela eventual regularidade das actividades de que se fala, seja pelos ritmos de chegada e partida dos correios.”96 Assim, na vida

cotidiana, a confluência dessas múltiplas tarefas era empreitada árdua, pois todos esses agentes sociais tinham de lidar com o imprevisto: das prováveis falhas no sistema de correspondência, à frustração dos leitores na expectativa das notícias que não foram publicadas. Na leitura dessas fontes, portanto, “o historiador deve sempre ter em vista que os sujeitos vivem a história como indeterminação, como incerteza, como necessidade cotidiana de intervir para tornar real o devir que lhes interessa”, como elucida os historiadores Sidney Chalhoub e Leonardo Pereira.97

Além das folhas estrangeiras a correspondência (especialmente entre os nobres) era também considerada uma fonte de muita confiabilidade no período: a partir delas notíciavam-se acontecimentos ocorridos na Corte e nas demais localidades do Reino. Mais uma vez João Luis Lisboa destacou a singularidade das correspondências no processo de circulação das notícias, ressaltando o mútuo interesse existente entre o redator e os intelectuais da província; uma relação passível de estabelecer um “esquema de reciprocidades, quer no que diz respeito a informações, a livros, a produções literárias variadas, a objectos de colecção, ou a favores.”98 Se as relações se constituíam na base das reciprocidades e

dos favores, interessa-nos saber quais informações eram consideradas valiosas para ambas as partes. É o que esclarece Lisboa: “Nesta cadeia de reciprocidades, pode-se trocar uma história curiosa por um testemunho de actualidade, mas também notícias dos movimentos de exércitos, intrigas da corte, escalas de navios, bens que se trocam por odes medievais, registros sepulcrais, genealogias ou curiosidades antigas.”99 Por todas essas razões, além de ser um produto caro e de acesso restrito, a

Gazeta de Lisboa era já na época considerada um periódico desinteressante, sendo desvalorizada como

veículo de transmissão de notícias, quando comparada aos informativos manuscritos.

95 Idem, 96 Ibidem,,

97 CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda (org), A História Contada: capítulos de História

social da literatura no Brasil, Ed. Nova Fronteira Rio de Janeiro, 1998, p.9.

98 LISBOA, João Luis, “Gazetas feitas à mão” In João Luís; MIRANDA, Tiago C. P. dos Reis, e OLIVAL, Fernanda, Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora, Vol. 1 (1729-1731), Edições Colibri, Lisboa, 2002, p.26. (grifo meu).

Se à primeira vista somos tentados a classificar o mundo das letras impressas portuguesas como originais quando comparadas ao universo dos países do norte europeu, nem por isso a sociedade lusa deixava de expressar, na prática cotidiana, a complexidade do locus onde se produzia a palavra escrita. Em uma relação de complementaridade, a Gazeta de Lisboa convivia com a circulação de manuscritos, sobretudo durante a primeira metade do século XVIII. De acordo com o historiador português João Luís Lisboa “quando falamos da multiplicidade de imagens, situações e participantes é porque o espaço da informação política e social periódica não começa com a Gazeta nem se limita ao tipo de publicação que é o dela, enquanto existe, mesmo referindo apenas a informação que circula por escrito. Nesse espaço de notícia, têm um papel fundamental os manuscritos.”100 A classificação dos

diversos tipos de manuscritos, entretanto, é uma tarefa difícil. Ao historiador que pesquisa a dimensão do universo mental do período e lida com esse tipo de fonte, faz-se fundamental trabalhar com as nuanças e nebulosidades próprias daquele tempo, sobretudo quando observamos as especificidades da sociedade portuguesa, no século XVIII.101

Sob o reinado de D. João V a sociedade lisboeta viveu uma situação muito complexa. No aspecto religioso e cultural, a cidade era toda efervescência. No Róssio, a “sala intíma da cidade”102, as

novidades eram de todo tipo: protestos, espetáculos, autos de fé, procissões, paradas militares etc. ocorriam diariamente no coração de Lisboa, cuja tradição era vibrante e comunicativa. A fé movia o povo em suas manifestações.103 Economicamente, contudo, o reinado de D. João não privilegiou a

melhoria de vida urbana.

O mísero estado da ribeirinha, tinha freqüentes réplicas no interior da cidade. À Câmara escasseavam os recursos para as obras de grande ou mesmo de pequeno porte. A reedificação do Terreiro do Pão, em 1709 ajudara a empobrece-la. As ruínas atulhavam a cidade. Caía aos bocados em 1712 a muralha junto à Nossa Senhora da Graça. Os desmoronamentos das velhas construções eram freqüentes e o Senado via-se a perros em constantes pleitos com os privilegiados quando intentava qualquer obra (...) E os anos iam correndo, e as casas envelheciam, desaprumavam-se e caíam. O Caracol da Penha era uma ruína. Nem se podia passar por lá. O Açougue do Terreiro do Paço, desfazia-se em 1745.104

100 LISBOA, João Luís, op.cit.., p.13.

101 Para uma discussão mais aprofundada dos diversos tipos de Gazetas manuscritas, como classifica-las e compreender as redes de interlocução e constituição desta fonte, ver LISBOA, João Luis, “Gazetas feitas à mão” In João Luís; MIRANDA, Tiago C. P. dos Reis, e OLIVAL, Fernanda, Gazetas Manuscritas da Biblioteca Pública de

Évora, Vol. 1 (1729-1731), Edições Colibri, Lisboa, 2002 e MIRANDA, Tiago C. P. dos Reis, "Proveniência,

autoria e difusão", in LISBOA, João Luís; MIRANDA, Tiago C. P. dos Reis, e OLIVAL, Fernanda, Gazetas

Manuscritas da Biblioteca Pública de Évora, Vol. 2 (1732-1734), Edições Colibri, Lisboa, 2005.

102 Essa expressão é de SEQUEIRA, Gustavo de Matos, “A cidade de D. João V”, in: D. João V. Conferências e

estudos comemorativos do segundo centenário da sua morte (1750-1950), Lisboa, Publicações Culturais da CML, 1952, p.46.

103 SEQUEIRA, op.cit.,p.46. Com o terremoto de Lisboa, em 1755, acabou com essa região da cidade que foi completamente deslocada e desfigurada no governo de Pombal. (1750-1777).

A descrição do historiador Gustavo Sequeira de Matos aponta-nos que entre as décadas de 1710 e 1740 as condições de vida em Portugal agravavam-se a cada dia. “A fome era negra (...) havia muita religião, mas pouca educação; e o desprestígio criado à magistratura judiciária pelas demasias e violências de certos fidalgos contribuía para a indisciplina social crescente”, complementa Julio Dantas.105 Apesar das constantes dificuldades da maioria da população, Lisboa também possuía uma

outra face, o esplendor da riqueza. O reverso dessa medalha podia ser apreciado nas redondezas onde habitavam a nobreza e a realeza. Nos arredores do palácio real vivia-se com esplêndida grandiosidade, que delineava a duplicidade de ambientes. Lisboa “tinha realmente outra cidade dentro de si, escondida nas suas insuficiências urbanas.”106 Essa parte deslumbrante da capital era a cidade de D.João V.

Não obstante os problemas sociourbanos, os anos entre 1708 e 1750 também foram de crescente enriquecimento, advindo do ciclo do ouro no Brasil. Como analisou Sequeira, dos cofres reais, alimentados pelo caudal de ouro dos Quintos das Minas Gerais, houve muito financiamento: o rei valorizou a construção de monumentos religiosos, as Artes, a Ciência e as Letras. Foi nesse período que se fundou a “Academia Real de História, organizaram-se Academias Militares, defenderam-se os Monumentos e as obras de arte, condenando-se os destruidores à pena dos falsificadores, protegeram- se e sugeriram-se as fundações de uma série de Academias Literárias.”107 O próprio rei estimulava o

gosto pelas novidades científicas, especialmente quando estivessem circunscritas à dimensão do espetáculo, como as atividades empíricas, sobretudo em cursos extraescolares da Física Experimental.108 Incentivou-se também o estudo da astronomia, da matemática e da cartografia, tendo

o desenvolvimento da indústria particular atenção.109

Toda essa multiplicidade de acontecimentos era tema constante das Gazetas manuscritas da primeira metade do século XVIII, informativos que não estavam sujeitos à mesma censura das folhas impressas. Nesse sentido, tudo podia ser dito tendo particular destaque os boatos e escândalos, quer ocorridos no Paço ou nos soalheiros da cidade. Como afirmou Julio Dantas,

desde a reportagem dos crimes que se cometiam, até as informações noticiosas da corte e da cúria patriarcal, desde os anúncios e comunicados tanto por linha, até as notícias da sociedade e ás indiscrições mundanas, de tudo se encontra nesses arqui-avós setecentistas de hemerografia moderna, tão interessante também para a história do jornalismo em Portugal.110

105 DANTAS, Júlio, “Os jornais manuscritos do século XVIII”, Boletim do Sindicato Nacional dos Jornalistas, Nº 4, 1941, p. 41.

106 SEQUEIRA, op.cit.,p.:49. 107 Idem, p. 61

108 VILLALTA, Luiz Carlos, Reformismo ilustrado e práticas de leitura: usos do livro na América Portuguesa, tese de doutorado, USP, 1999, p. 55-56.

109 Neste período criaram-se oficinas de curtumes e de fabricação de pólvoras, sob a proteção real. 110 DANTAS, op.cit., p. 37.

Tais folhas manuscritas eram muito apreciadas pelos leitores do tempo e os redatores tinham especial interesse em divulgar o escândalo, cujo intuito era aguçar a curiosidade pública e aperfeiçoar a profissão, cuja marca era a indiscrição e a “malícia jornalística.”111

Diferentemente dos anos de D. João V, o alvorecer da segunda metade do século XVIII já demarcava as peculiaridades do período em Portugal: com a morte do monarca subia ao trono D. José I (1750-1777) e, com ele, o primeiro ministro Sebastião de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal. Figura central no governo de D. José, Pombal realizou inúmeras reformas com base nos princípios iluministas. Principal expoente do que a historiografia denominou de Despotismo Esclarecido, “Pombal empenhou-se em fortalecer o poder do Estado, em firmar a supremacia da Coroa face á nobreza e à igreja –incluindo-se, aqui, os jesuítas – e em reformar a economia, com vistas a tirar Portugal da inferioridade em relação às potências européias.”112, defende Villalta. Apesar de a política

pombalina ter tido múltiplas vertentes, restringiremos nosso olhar à atuação do ministro no que concerne à veiculação das idéias impressas e a forte censura que predominou no período, sobretudo depois do alvará de 18 de maio de 1768, quando Pombal estruturou a Real Mesa Censória, com jurisdição própria e submetida exclusivamente ao poder Régio.