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Como exemplificado no tópico 3.3 do presente estudo, nossa Constituição Federal possui um rol exemplificativo de direitos fundamentais (artigo 5º ao artigo 17º), o que não é empecilho para o reconhecimento de outros direitos e garantias individuais, chamado estes de materialmente fundamentais (NETO & SARMENTO, 2012, p. 437). A fundamentalidade desses direitos está intrinsicamente ligada ao seu elevado valor moral, não se pode negar proteção a certos direitos e garantias individuais apenas pela sua localização no texto constitucional. A presença de garantias individuais fora do título II de nossa Carta Magna já foi expressamente declarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADIN 939-7/DF, motivo pelo qual alguns doutrinadores apontam a menoridade penal como impassível de abolição:

“Assim, o artigo 228 da Constituição Federal encerraria a hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art.5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação ao artigo 150, III, b (Adin 939-7 DF) e consequentemente, autentica clausula pétrea prevista no artigo 60, § 4.º, IV.” (...) “Essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em Juízo”. (MORAES, 2005, p. 2176)

Dessarte, nossa Suprema Corte Constitucional (STF) já, incidentalmente, declarou expressamente a hipótese de existirem direitos e garantias individuais fora do rol do artigo 5º de nossa Constituição Federal. Cabe agora a discussão em relação às garantias individuais quanto ao artigo constitucional (artigo 228) que define a menoridade penal em 18 (dezoito) anos, o ilustre criminalista e advogado Luiz Flávio Gomes posiciona-se contra a possibilidade da redução penal, afirmando que esta seria inconstitucional, uma vez que a menoridade penal prevista na Constituição Federal seria garantia individual, nas palavras do doutrinador:

“A inimputabilidade do menor de dezoito anos foi constitucionalizada (CF, art. 228). Há discussão sobre tratar-se (ou não) de cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4.º). Pensamos positivamente, tendo em vista o disposto no art. 5.º, § 2.º, da CF, c/c arts. 60, § 4.º e 228. O art. 60, § 4º, antes citado, veda a deliberação de qualquer emenda constitucional tendente a abolir direito ou garantia individual. Com o advento da Convenção da ONU sobre os direitos da criança (Convenção Sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução I.44 (XLIV), da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989. Aprovada pelo Decreto Legislativo 28, de 14;09.1990, e promulgada pela Decreto 99.710, de 21.11.1990. Ratificada pelo Brasil em 24.09.1990), que foi ratificada pelo Brasil em 1990, não há dúvida que a idade de 18 anos passou a ser referência mundial para a imputabilidade penal, salvo disposição em contrário adotada por algum país. Por força do § 2º do art. 5º da CF esse direito está incorporado na Constituição. Também por esse motivo é uma cláusula pétrea. Mas isso não pode ser interpretado, simplista e apressadamente, no sentido de que o menor não deva ser responsabilizado pelos seus atos infracionais.” (GOMES, Luiz Flávio. Menoridade

penal:cláusula pétrea? Disponível

em: http://www.ifg.blog.br/article. php?story=20070213065503211). Importante ressaltar que o criminalista aponta para outro fator interessante em relação à redução penal, aduzindo que o Brasil ao ratificar a

Convenção sobre os Direitos das Crianças e dos Adolescentes (capítulo 1, tópico 1.3 do presente estudo) estabeleceu, conforme explicitado na própria Convenção, que a idade penal, salvo disposição sobre lei anterior, será 18 (dezoito) anos de idade. Assim, devido ao fato da Convenção ter caráter de tratado sobre direitos humanos, a menoridade penal ganhou força de cláusula pétrea, pois o Brasil antes mesmo de ratificar tal Convenção já havia adotado a menoridade penal abaixo dos 18 (dezoito) anos de idade, portanto, qualquer alteração nesse sentido seria retrógada e inconstitucional, por força do artigo 5º, §2º da atual Constituição Federal, in verbis:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (BRASIL, Constituição Federal/1988).

Sob essa ótica, a menoridade penal estabelecida em 18 (dezoito) anos de idade, além de ser garantia individual, também estaria prevista no rol dos direitos fundamentais previstos no artigo 5º do texto constitucional. Portanto, neste entendimento, a imputabilidade penal aos 18 (dezoito) anos de idade possui força de direitos humanos e de garantia individual, sendo cláusula pétrea por ambos os motivos.

Há quem entenda que apenas os direitos fundamentais clássicos, como o direito à vida, à saúde, moradia e educação, teriam força de cláusulas pétreas, mesmo não estando localizados no artigo 5º de nossa Constituição Federal, assim alerta a doutrina em relação à nossa Carta Magna:

“Além dos direitos universais, titularizados por todos, ela garantiu ainda direitos fundamentais específicos para indivíduos e grupos mais vulneráveis, como as pessoas com deficiência, crianças e adolescentes, idosos, povos indígenas e quilombolas. Um setor minoritário da doutrina defende, porém, que apenas os direitos individuais clássicos, com as respectivas garantias, agrupados em sua maior parte no art. 5º do texto constitucional, teriam caráter pétreo. Os demais poderiam ser até suprimidos pelo constituinte

reformador. Argumenta-se que, ao aludir a direitos individuais e não a direitos fundamentais, o constituinte originário teria querido apenas proteger os tradicionais direitos de defesa, como ocorre, de resto, no sistema constitucional português.” (Neto & Sarmento, 2012)

Certa parte da doutrina entende que os direitos relativos a determinados grupos sociais, sejam eles ligados por etnia, crença, raça, etc..., não podem ser classificados como garantias individuais. Seguindo a lógica da doutrina, apenas direitos universais, ou seja, somente o direito que atinja todos, sem qualquer discriminação, mesmo que positiva, terá o caráter de cláusula pétrea,

Impende frisar que o presente estudo possui como objetivo principal demonstrar que a discussão sobre a redução da maioridade penal é muito mais profunda e envolve diversos outros elementos, os quais não estão sendo utilizados em âmbito nacional. Porém, cabe aqui expor a opinião de figuras importantes no ramo jurídico, sobre maioridade penal em 18 (dezoito) anos de idade como sendo cláusula pétrea, opinou Marcus Vinícius Furtado Coelho (presidente da OAB) e Raquel Dodge (procuradora da República), respectivamente:

“Entendemos que é flagrantemente inconstitucional a redução da maioridade penal. A maioridade penal é um direito nacional por excelência. A emenda não supera a análise da inconstitucionalidade (..), a medida não é adequada ao fim que se destina, que é reduzir a criminalidade (..). O Estado, que não tem políticas de educações e saúde, de lazer, que inclui o desporto, que não possui uma política de entrada deste adolescente no mercado do de trabalho (..) não tem sistema para reeducar, possui a legitimidade para diminuir a maioridade penal? E tratar os menores de 16 como adultos?” (disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/especialistas-contra-a-reducao-da-maioridade-penal/).

“No momento em que a Constituição assume como regra a maioridade penal, ela dá o direito ao jovem de ser punido apenas quando for adulto. A Constituição diz que não será permitido emenda que deseja abolir os direitos individuais. Torná-los imputáveis subtrairia um direito que é deles hoje” (disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/especialistas-contra-a-reducao-da-maioridade-penal/).

Não pensam da mesma maneira o senador Aloysio Nunes Ferreira (autor de uma das propostas de redução penal), aduzindo que:

“o argumento da inconstitucionalidade não pode prevalecer (..) a ideia de que uma pessoa só adquire o discernimento aos 18 anos de idade não pode fazer sentido” (disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/especialistas-contra-a-reducao-da-maioridade-penal/)

E o senador Ricardo Ferraço:

“Discordando daquelas que acham que o Senado não deve discutir o assunto, temos que discutir sim. Estamos diante de uma legislação que está perpetuando o sentimento da impunidade.”

(disponível em:

http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/especialistas-contra-a-reducao-da-maioridade-penal/).

Percebe-se que há um ponto em comum na discussão, a maior parte dos juristas entendem que a redução da imputabilidade seria caminhar para trás, uma atitude retrógada. Enquanto políticos, sejam senadores ou deputados, defendem que existe uma impunidade em relação aos menores infratores e por isso buscam a redução da imputabilidade. Como demonstrado ao longo deste capítulo, há uma dicotomia doutrinária em relação à inconstitucionalidade da redução da imputabilidade, certa parte entende que o artigo 228 da Constituição Federal representa garantia individual e é considerado como sendo cláusula pétrea, já a outra parte, minoritária, fundamenta que as garantias individuais não são passíveis de serem consideradas como cláusulas pétreas. Ocorre que ainda há outro ponto de vista para ser considerado na discussão, a imputabilidade pode ser considerada como instrumento de política criminal

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