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3.2 O Ministério Público no Brasil

3.2.2 Constituição Federal de 1988 e a consolidação do novo perfil do

3.2.2.1 A independência do Parquet brasileiro diantes dos Poderes da República

O Ministério Público, em 1988, conclui seu processo bidimensional de independência, a conquistar uma independência positiva e uma independência negativa. Ou seja, uma

100

Ver art. 129 da Constituição Federal brasileira.

101 Neste sentido, GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia..., cit., p. 90. 102

Demonstra esta circunstância, GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia..., cit., p. 90 – 91; ISMAIL FILHO, Salomão Abdo Aziz. Ministério Público e atendimento à população..., cit., p. 79. Conforme MACEDO JÚNIOR, mediante a ação civil pública, inaugurou-se um novo período de defesa coletiva dos interesses sociais. Por meio desse instrumento, afastou-se a tradição individualista e privatística da cultura jurídica brasileira, ampliando-se significativamente o acesso à justiça a um sem-número de cidadãos. MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Ministério Público brasileiro: um novo ator político. In: VIGLIAR, José Marcelo Menezes (Coord.); MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto (Coord.). Ministério Público II: democracia. São Paulo: Atlas, 1999, p. 106 – 107.

103 Neste sentido, GARCIA, Emerson. Ministério Público..., cit., p. 39; PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério

independência estabelecida positivamente, por intermédio de procedimentos de autogoverno da Instituição e de garantias contra a interferência de outros poderes, e uma independência estabelecida negativamente, por meio da “limpeza” de funções alheias ao papel principal da Instituição e do impedimento a seus membros de exercerem funções desconexas da carreira.104

O texto constitucional, desse modo, dissolve os estreitos vínculos dantes existentes entre o órgão ministerial e o Poder Executivo, ao vedar a representatividade judicial deste Poder e ao garantir a autonomia financeira e administrativa da Instituição, assegurando a independência funcional de seus integrantes, além de lhes conceder garantias similares àquelas conferidas aos magistrados, do que resulta a postura de órgão efetivamente

independente, tanto nos aspectos estrutural e funcional, quanto no aspecto diretivo.105

O aspecto estrutural da independência do Ministério Público está na iniciativa legislativa que este órgão possui nas esferas administrativa e orçamentária. A iniciativa administrativa diz respeito a faculdade destinada aos Procuradores-Gerais quanto à propositura das leis responsáveis pelos estatutos dos Ministérios Públicos da União e dos Estados (art. 128, § 5º caput), assim como dos projetos de lei que tratam sobre cargos e

serviços auxiliares dos mesmos (art. 127, § 2º)106. A iniciativa orçamentária equivale à

capacidade de propor ao Poder Legislativo o orçamento da Instituição nos moldes da lei de

diretrizes referente ao tema (art. 127, § 3º).107

O aspecto funcional é, sem dúvida, o mais importante para o estabelecimento da independência do Parquet brasileiro. Remete à função realizada por este órgão e seu consequente relacionamento com as demais instituições, sobretudo com os Poderes do Estado. Nesta perspectiva, é importante a localização topográfica do Ministério Público em Capítulo distinto daqueles destinados ao Executivo, ao Legislativo e ao Judiciário. Porém, é extremamente necessária, para se delinear uma posição institucional de independência em relação a tais Poderes, a ausência de vínculo funcional com qualquer um deles. Tanto é que, na Constituição de 1988, o Ministério Público não apresenta entre seus deveres funcionais o

104 Demonstra esta circunstância, ARANTE, Rogério Bastos. Ministério Público e política no Brasil..., cit., p. 76. 105

Assim, GARCIA, Emerson. Ministério Público..., cit., p. 39. Segundo ARANTE, é interessante lembrar que o Ministério Público bateu às portas da Constituinte com a alegação de que a sua independência institucional era requisito da democracia constitucional vindoura e uma segurança da sociedade antes mesmo que do próprio Parquet. Afinal de contas, apesar de ter ocorrido recentemente, a Instituição transformara-se em defensora dos interesses indisponíveis da sociedade, porém a sua dependência referente à esfera política, pela ligação com o Poder Executivo, dificultava o cumprimento dessa missão. ARANTE, Rogério Bastos. Ministério Público e política no Brasil..., cit., p. 77.

106

Destaque-se, porém, que compete ao Presidente da República a iniciativa legislativa sobre as normas gerais de organização do Ministério Público nos Estados (art. 61, § 1º, d).

de defender os interesses de entes públicos. Para o desempenho de tal tarefa, foi criada a Advocacia-Geral da União, com a finalidade de representá-la e especialmente ao Executivo (art. 131, caput), sendo o mesmo estabelecido para os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (art. 132).108

Tal autonomia e independência acarretam ao órgão ministerial não só o poder, mas também o dever de proteger a sociedade contra os abusos e arbítrios cometidos pela Administração Pública. Sempre que os atos da Administração ameacem, violem ou lesionem os direitos e interesses dos cidadãos, o Ministério Público tem o poder/dever de agir no

sentido de fazer jus às sua funções institucionais.109

Assim, quando necessário, o Parquet deve exercer seus deveres constitucionais até mesmo em oposição aos agentes do próprio Estado, pois lhe são concedidas atribuições que o

colocam no papel de legítimo ombudsman.110 Estas atribuições são diretamente relacionadas

ao controle dos Poderes Executivo e Legislativo, a exemplo da fiscalização do patrimônio público e dos serviços de relevância pública, a ação direta de insconstitucionalidade, a representação para fins de intervenção e a atuação diante do Tribunal de Contas. Além disso, acrescenta-se o combate aos crimes realizados pelos agentes públicos contra a Administração, sobretudo a corrupção, o peculato e a prevaricação. O estrito respeito aos princípios constiucionais e a observância dos direitos e garantias fundamentais das pessoas nos atos da Administração Pública também são objeto dessas importantes funções do Ministério

Público.111

O aspecto diretivo da independência do Parquet é referente à constituição de sua cúpula dirigente, que é realizada por meio de um ato complexo, cujas fases não são atribuídas somente a um dos Poderes do Estado, a fim de reduzir o risco de subordinação da chefia do Ministério Público a algum deles. Assim, no âmbito federal, o chefe da Instituição, o Procurador-Geral da República, obrigatoriamente um integrante da carreira, é nomeado pelo Presidente da República, sendo seu nome previamente aprovado pela maioria absoluta do Senado Federal, para exercer mandato de dois anos, permitindo-se sua recondução nos mesmos moldes (art. 128, § 1º). Ou seja, consiste numa técnica de escolha que inclui considerações sobre as lógicas da própria Instituição, do Poder Legislativo e do Poder

108

Assim, LOPES, Júlio Aurélio Vianna. Democracia e cidadania..., cit., p. 40 – 41.

109

Neste sentido, PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público..., cit., p. 178.

110 Segundo ISMAIL FILHO, ombudsman é um servidor público que possui a função de escutar, anotar as

reinvindicações dos cidadãos perante o Poder Público, a defender tais interesses diante das autoridades. ISMAIL FILHO, Salomão Abdo Aziz. Ministério Público e atendimento à população..., cit., p. 81.

Executivo. Logo, visa diluir a responsabilidade pela denominação do Procurador-Geral da República e construir uma direção do Ministério Público dotada de autonomia. A destituição do Procurador-Geral segue a mesma dinâmica, a ocorre apenas por iniciativa do Presidente da

República, antecedida de autorização da maioria absoluta do Senado (art. 128, § 2º).112

O Ministério Público nos Estados, Distrito Federal e Territórios é dirigido pelo Procurador-Geral de Justiça, o qual é indicado de modo similar ao seu congênere da União, porém com participação ativa da corporação, que apresenta uma lista tríplice de membros da Instituição e da qual o respectivo Chefe do Poder Executivo nomeará aquele que ocupará o cargo (atr. 128, § 3º). A sua destituição somente poderá ocorrer com aprovação da maioria absoluta do Poder Legislativo correspondente (art. 128, § 2º) e o seu mandato, assim como no

âmbito federal, também é de dois anos, permitida uma recondução (art. 128, § 3º).113

Existem avanços quanto às regras de nomeação e destituição previstas nos textos constitucionais anteriores. Avanços, com certeza, porém, tímidos. A absoluta democracia interna do Ministério Público e a concretização de sua independência e autonomia importa novo mecanismo de escolha dos Procuradores-Gerais. Não há lógica em permanecer, na esfera da União, a indicação e nomeação do Procurador-Geral da República pelo Presidente do país, mesmo se tratando de ato complexo que envolve a aprovação do nome indicado pela maioria absoluta do Senado Federal. Também não há sentido, nos Estados, Distrito Federal e Territórios, a escolha dos Procuradores-Gerais de Justiça pelos Chefes do Poder Executivo correspondentes, mesmo que tal escolha esteja restrita aos nomes indicados em lista tríplice apresentada pelos membros dos respectivos Ministérios Públicos. Os mecanismos de nomeação dos Procuradores-Gerais consagrados pela Carta Constitucional vigente ainda trazem resíduos de uma ideia superada de Instituição Ministerial e uma limitação à sua

independência total.114

De qualquer forma, a junção da iniciativa de auto-estruturação, da diversidade de investida do chefe da Instituição e da ausência de vinculação funcional a qualquer dos poderes constituídos, gera uma circunstância institucional de independência do Ministério Público no tocante ao Estado, ainda que provenha do mesmo. Tal independência torna-se ainda mais visível na comparação de seus aspectos relacionados com os modelos apresentados em outras nações ou na própria história constitucional brasileira.

112

Assim, GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia..., cit., p. 93; LOPES, Júlio Aurélio Vianna. Democracia e cidadania..., cit., p. 38.

113

Neste sentido, GOULART, Marcelo Pedroso. Ministério Público e democracia..., cit., p. 93; LOPES, Júlio Aurélio Vianna. Democracia e cidadania..., cit., p. 39.

Em síntese, as funções realizadas pelo Parquet são específicas e não pertencentes a qualquer dos Poderes do Estado. Não há, portanto, mais dúvida de que o Ministério Público, na qualidade de instituição independente e autônoma, não compõe o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário. Esta é a característica marcante que diferencia a Instituição brasileira, colocando-a como a mais avançada do mundo à luz do Direito comparado.

É exatamente esse caráter peculiar – a não subordinação aos órgãos de exercício do poder – que exige um estudo mais minucioso em relação à posição do Ministério Público na organização política do Estado brasileiro e em relação ao papel que deve exercer no progresso

de consolidação da democracia.115