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A ineficácia do repúdio à herança sobre a condição de herdeiro

II- O seguro de vida misto

5. Os herdeiros legais e o Contrato de Seguro de Vida

5.2. A ineficácia do repúdio à herança sobre a condição de herdeiro

herdeiro

Neste âmbito, coloca-se a questão de se determinar qual a posição jurídica do sucessor chamado por força da vocação. A este respeito, surgem duas correntes: a doutrina da aquisição ipso iure e a doutrina da aquisição mediante aceitação.

Segundo a primeira, a aquisição sucessória ocorre ipso iure à própria vocação, já que a função da aceitação será apenas a de consolidar a aquisição sucessória.248 A doutrina

da aquisição por aceitação, por seu turno, defende que a aquisição sucessória ocorre após a aceitação e por força daquela249, sendo esta a doutrina consagrada na lei

portuguesa.250

Assim, a posição jurídica que a vocação atribuiu ao chamado é o direito de aceitar ou repudiar a herança, tratando-se de um direito potestativo. É mediante o exercício deste direito que o chamado ingressa na titularidade dos bens e direitos hereditários. Neste sentido, surge o direito de repúdio enquanto declaração de vontade, expressa e formal, após o chamamento à sucessão, pelo qual o sucessor manifesta a sua renúncia a proceder à aceitação da herança. Encontramo-nos no âmbito de um negócio jurídico unilateral, formado por uma declaração de vontade não receptícia, segundo o qual vigora o princípio da autonomia da vontade.251

Nos casos em que o tomador designa como beneficiários do contrato de seguro em apreço “os meus herdeiros”, questionamo-nos sobre o impacto que terá o repúdio, no que concerne à aquisição da condição de herdeiro e, consequentemente, de beneficiário no âmbito do contrato de seguro.

248 No mesmo sentido, a doutrina espanhola pronuncia-se a este respeito através da designada “tese germânica” no que concerne à aquisição do título de herdeiro, considerando que os sucessores do de cujus adquirem o estatuto de herdeiro antes de procederem à aceitação da herança, pelo que, apesar de aceitarem ou repudiarem o benefício económico a que o titulo se reporta, estes adquirem tal condição anteriormente por lei ou testamento. Alicerçam o seu entendimento de que o momento em que se adquire a condição de herdeiro será a data da morte do de cujus e não o momento da aceitação da herança por parte do sucessor. Vide (ACOSTA MÉRIDA, 2006, p.251 e 252).

249A doutrina românica, por seu turno, defende que não nos poderemos referir a herdeiros, mas, antes, a pessoas com vocação sucessória. E que, só após procederem à aceitação da herança, essa vocação converter- se-á na condição de herdeiro. (ACOSTA MÉRIDA, 2006, p.251 e 252).

250Atento o disposto no art.º 2050.º, n.º 1, do C.C.: “O domínio e posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação, independentemente da sua apreensão material”.

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Atento o disposto no art.º 201.º, n.º 2, da LCS, “(...) considera-se como tais os herdeiros legais que o sejam à data do falecimento”. Esta norma tem origem no direito comparado252, a partir da qual se denota a independência do contrato de seguro

relativamente às regras previstas no âmbito do direito sucessório. De facto, o legislador reconhece um direito próprio ao beneficiário relativamente ao segurador no que concerne à aquisição do capital seguro. Como denota CARMÉN BOLDÓ RODA253, a consequência que deriva de tal distinção redunda na aquisição do direito

sobre o capital seguro por parte do beneficiário que assuma simultaneamente a condição de herdeiro, independentemente de este ter aceite ou repudiado a herança.254

A este respeito, destaquemos a autonomia do direito atribuído ao terceiro beneficiário no âmbito do contrato de seguro de vida, uma vez que o beneficiário não adquire um direito derivado do tomador do seguro, mas, antes, adquire um direito próprio, conforme vimos anteriormente. De facto, o beneficiário, à luz do que sucede no âmbito do contrato a favor de terceiro, adquire o direito ao benefício diretamente do segurador, sem que seja necessário para o efeito o intermédio do tomador. Assim, o beneficiário dispõe de um direito direto sobre o capital seguro “iure stipulationis”. A aquisição ao direito de indemnização pelo beneficiário não ocorre “iure hereditario”, uma vez que o beneficiário não se sub-roga na posição jurídica do promissário extinto255, não se substituindo a este em qualquer relação jurídica ativa ou passiva que

integre o património deste. A aquisição do direito ao capital seguro ocorre antes “iure

stipulationis”, uma vez que o benefício económico que lhe será atribuído deriva da sua

designação como beneficiário no âmbito do contrato de seguro de vida, denotando- se a distinção, do ponto de vista causal, do papel desempenhado pela morte da pessoa segura em ambos os casos.256

252Em particular, a parte final do art.º 85.º da LCS espanhola.

253Vide (RODA, 2005, p.64). No mesmo sentido, RITA LOBO XAVIER in (XAVIER, 2013, p.11).

254 No mesmo sentido, pronuncia-se o Ac. do STJ de 13-09-2012, o qual destaca que “(…) o facto de a outra filha

do falecido ter repudiado a herança daquele, defendendo o apelado que as verbas atribuídas a título de indemnização pela morte do pai lhe caberão na íntegra. O direito a que alude o art.º 496.º, n.º 2, do Código Civil não são adquiridos por via sucessória, constituindo um direito próprio das pessoas aí mencionadas, não sendo adquiridos por via sucessória. (…) Não se estando, assim, perante direitos sucessórios, é evidente que o mencionado repúdio da herança em nada releva para o caso dos autos.”

255 Que se configura na respetiva relação jurídica enquanto tomador e pessoa segura, referimo-nos aos contratos a favor de terceiro tipo A.

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Em suma, fruto da independência do direito a receber o capital seguro e o direito a suceder mortis causa, o repúdio à herança não abrange ou engloba o capital seguro, pelo que o beneficiário do contrato de seguro em apreço encontrar-se-á munido de exercer o seu direito junto do segurador, ainda que tenha renunciado à herança.