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2. A APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO

2.1. A INFORMAÇÃO COMO PRODUTO

A informação hoje é farta, tão abundante que não temos condição de ler ou perceber o que é colocado a disposição, tanto nas redes de internet quanto nos meios de comunicação.

“Vivemos hoje um paradoxo. Estamos na sociedade da informação. Nunca foi tão grande a quantidade de informação e o seu significado social. E todavia, nunca a liberdade da informação foi tão ameaçada! Vale a pena reflectirmos um pouco sobre o significado da liberdade de informação.

Vamos a partir do texto constitucional: o art. 5.º XIV, que assegura a todos o acesso à informação.

A Constituição Portuguesa distingue os direitos de informar, de se informar e de ser informado23”.

Hoje, as redes sociais promovem até a queda de regimes ao juntar pessoas e estimular a ação coletiva dos grupos como ficou conhecida “a primavera árabe”. É um fenómeno novo que merece profunda reflexão, como o faz, ainda ASCENSÂO:

“Há que estar atento à variação do significado da informação na sociedade contemporânea. A informação é cada vez menos saber, e cada vez mais um produto.

23

ASCENSÃO, José O. (2001). Direito Intelectual, Exclusivo e Liberdade. Separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 61, III – Lisboa. pp. 1195-1217.

37 Sem entrarmos em divagações económicas, diremos que o que parece claro é que a informação se transformou em mercadoria. Ela é apropriada e transaccionada. O domínio das fontes da informação dá poder.

Mas o direito à informação não pode ser separado do direito à informação verdadeira.

A informação mede-se em termos de quantidade e utilidade. Isso é próprio de uma mercadoria. A verdade da informação é uma realidade cada vez mais afastada, como metafísica. Desde logo porque se perdeu ou se recusa ostensivamente todo e qualquer critério de verdade”.

A propriedade da informação

A informação confere poder a quem a possui. No campo da Propriedade Intelectual procura-se impedir o uso do conhecimento envolvido no processo/produto ao conferir direitos ao detentor de “impedir terceiros” de usar, fabricar, guardar o objeto patenteado.

As tentativas de impedir a entrada dos genéricos no mercado levam à ações junto ao poder judiciário em que é alegado o uso indevido das informações técnicas sobre o produto (imprescindíveis para o registro ou AIM pelas Agências Regulatórias). Ora, um medicamento tem de ser publicamente avaliado e divulgado para a aprovação e conhecimento do médico. O conhecimento não deve ser mercadoria apreendida, somente o produto pode ser objeto de monopólio. O conhecimento é património da humanidade porque é cumulativo e resulta do saber dos homens através da história. Há sérias tentativas de cercear a divulgação científica ou de divulgá-la apenas quando o produto resultante da investigação estiver sob o monopólio.

Ainda sob a informação, escreve Ascensão:

“O que se passa no domínio das bases de dados é particularmente inquietante. A informação é livre. É um princípio fundamental. Desde que a adquiri licitamente, posso utilizá-la como desejar.

Mas também esta zona de liberdade é alvo das maiores cobiças. De vários modos, procura-se obter a propriedade da informação.

38 O modo mais significativo, e mais preocupante, está na admissão do chamado direito sui generis sobre as bases de dados.

A Comunidade Europeia criou, além do direito de autor sobre as bases de dados originais, o chamado direito sui generis do produtor da base.

Este é um direito cujo objecto é o próprio conteúdo da informação da base. O produtor passaria a poder opor-se a actos de extracção ou reutilização do conteúdo da base, desde que esta tivesse exigido um investimento considerável, no ponto de vista quantitativo ou qualitativo. Neste caso, é a própria informação que passa a ser apropriada. E, através de uma série de ambições ambíguas, põem-se em causa liberdades fundamentais e a fluidez do diálogo social.

Entendamo-nos bem sobre o que está em debate. Todos concordam que seria inadmissível que, tendo alguém organizado uma base de dados, os concorrentes a fossem comercializar livremente – em muito melhores condições de preço até, por não terem que amortizar nenhum investimento. Mas para evitar isso basta a concorrência desleal, porque o acto seria tipicamente parasitário. Não é necessário criar um direito exclusivo para este efeito.

Suponhamos porém que um pesquisador, baseando-se em dados que recolheu das bases existentes, os toma como fundamento duma dissertação, que publica. Reutilizou, sem dúvida, esses dados. Significa isto que a sua actividade deixou de ser livre, e que terá de coligir as inúmeras autorizações necessárias, para que o livro possa ser dado a público?

É evidente que, deste modo, se criam os maiores empecilhos à pesquisa universitária e científica e ao diálogo social em geral. A informação passou a ser apropriada; passa a ser um produto venal como qualquer outro. A rede de arame farpado adensa-se, atingindo agora o que deveria ser o valor fundamental da sociedade da informação. A sociedade da informação

revela-se afinal como a sociedade da privatização da informação”. (grifo nosso)

Este texto do Professor Ascensão (p. 1211) revela os dilemas éticos profundos entre os poderosos detentores dos meios e da informação e aqueles que necessitam divulgar o conhecimento para alcançar novos patamares técnico-científicos.

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Vendendo o produto material do conhecimento

Agora, é expresso o conhecimento transformado em mercadoria, em produto:

“Ainda que abstrato, o conhecimento depende de algum tipo de suporte material para poder circular efetivamente. Colocar o conhecimento no papel cria um produto de conhecimento; uma vez impresso, há um produto material que espelha o produto abstrato. O conhecimento torna-se então claramente um produto industrial. É igualmente evidente que sua produção é cada vez mais controlada por um número cada vez menor de agentes, e isso por si só apresenta diversas dificuldades. Contudo, isso é apenas parte do problema mais amplo; a situação não é necessariamente melhor com relação à difusão de conhecimento24”.

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