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A Rússia, primeiro país em extensão territorial do mundo, dispõe de vastos recursos minerais. Entre os mais importantes para sua economia, estão o petróleo e o gás. Este país é o maior exportador mundial de gás - embora os Estados Unidos tenham assumido a liderança na produção desta matéria-prima em 2012, em razão da exploração do gás de folhelho (ou xisto) -, e o segundo maior produtor e exportador de petróleo, atrás apenas da Arábia Saudita (IEA, 2015). O setor é responsável por cerca de 25% do produto nacional bruto da Rússia, 50% de sua receita orçamentária e quase 70% de sua receita de exportação (YERGIN, 2012; GUSTAFSON, 2012; AALTO, 2016; EIA, 2014).

A exploração de petróleo tem desempenhado um papel importante na economia russa desde o século XIX, com implicações em sua política doméstica e externa desde então. Ainda no início daquele século, o reconhecimento da importância estratégica do petróleo pelas autoridades czaristas fez com que o Império Russo empreendesse esforços militares para obter controle da região de Baku (atual capital do Azerbaijão), então sob o domínio do Império Otomano. Em 1898, a Rússia já era a principal produtora mundial em razão do petróleo produzido em Baku, posição que manteve até 1902 (GÖKAY, 1999). De 1890 a 1900, a produção triplicou na região, sendo o Império Russo responsável por mais de 40% da produção mundial no começo do século XX, o que atraiu o interesse de investidores estrangeiros para a região, encabeçados pela família Nobel, seguida pela Rothschild e, mais tarde, por empresas britânicas (BAHGAT, 2011).

Durante a Guerra Civil Russa (1918-1921), lideranças comunistas (formadas principalmente por descendentes russos e armênios) passaram a apoiar o movimento revolucionário. Paralelamente, lideranças nacionalistas locais declararam a independência do Azerbaijão, assinando acordos com petroleiras ocidentais. No entanto, o território foi recuperado pelo Exército Vermelho e incorporado à União Soviética em 1922, que pôs fim a todos os contratos firmados pelo governo nacionalista do Azerbaijão com as petroleiras do Ocidente (GÖKAY, 1999).

Assim, a Revolução Russa derivou na expropriação dos ativos de todas companhias petrolíferas que atuavam nas regiões sob o domínio soviético, ensejando um boicote por parte das “Sete Irmãs”. No entanto, por volta de 1923, a URSS já se recuperara da queda de produção causada pela guerra civil e buscou voltar ao mercado mundial de

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petróleo, oferecendo concessões de exploração. A primeira empresa a se esquivar do boicote e firmar acordo com Moscou foi a Royal Dutch-Shell. Segundo Gökay (1999), Lenin considerou até mesmo transferir o controle da indústria petrolífera do Cáspio- Cáucaso para a Shell. Na época, o governo soviético buscava pôr em prática sua Nova Política Econômica (Novaya Ekonomiceskaya Politika – NEP), que restabelecia algumas práticas capitalistas vigentes antes da Revolução, a fim de permitir que a URSS saísse da grave crise econômica em que se encontrava (SCHUTTE, 2011).

Durante a vigência NEP, Moscou conduziu longas e complicadas negociações com várias empresas estrangeiras para o desenvolvimento dos campos de Baku. No entanto, quando Lenin morreu, em 1924, a NEP foi sendo gradualmente abandonada. Todas as negociações com as empresas estrangeiras finalmente se encerram em 1927, ano em que Stalin completou a consolidação de seu poder no Politurbo, o que pôs fim a todas as esperanças de assistência externa, crédito e cooperação econômica com o Ocidente (GÖKAY, 1999).

A partir do período stalinista (1927-1953), colocam-se em práticas as propostas de planejamento central, planos quinquenais e autossuficiência econômica - o chamado “socialismo em um só país”. Nesse período, a indústria de petróleo soviética cresceu abaixo da média mundial e, após o golpe contra Mossadegh no Irã, em 1953, que derivou na interrupção do acesso da URSS ao petróleo iraniano, as indústrias soviéticas passaram a enfrentar dificuldades para obter combustíveis e seguir produzindo (KOTKIN, 2008).

A partir da década de 1950, porém, a descoberta de vastas reservas de petróleo na região do Urais-Volga (ver Figura 3) faz a produção aumentar significativamente, fazendo dessa região a principal produtora de petróleo na União Soviética, ultrapassando o Cáucaso. De 1961 a 1969, a URSS passou de importador a exportador líquido de petróleo. As exportações dessa matéria-prima tornaram-se o principal artigo da balança comercial soviética e passaram então a servir como meio para alavancar o desenvolvimento econômico doméstico. Entre 1960 e 1964, é construído o oleoduto Druzhba (“Amizade”), que passa a transportar o petróleo da região do Urais-Volga até Polônia, Hungria, Tchecoslováquia e Alemanha Oriental. Em 1970, uma extensão deste gasoduto chegou até Viena (CANTONI, 2015; POUSSENKOVA, 2010; HEINRINCH, 2014; KOTKIN, 2008).

Em outubro de 1960, Moscou firmara um acordo inovador de fornecimento de petróleo com a italiana ENI. O petróleo soviético seria intercambiado por produtos tecnológicos, como borracha sintética, tubos de aço e outros produtos italianos. Tal

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acordo ficou conhecido como “oil for pipes” (“petróleo por tubos”). Conforme observa Goldstein (2009), esse compromisso proporcionou à ENI adquirir petróleo pela metade do preço vigente no mercado mundial, tornando a Itália o segundo maior consumidor de petróleo soviético, atrás apenas da República Popular da China.

Segundo Gaidar (2007), a União Soviética aumentou sua participação no mercado mundial por meio da prática de dumping. No seu contrato de fornecimento de petróleo para a Europa Ocidental, particularmente para a Itália, os preços do petróleo soviético eram aproximadamente metade do que se praticava no mercado internacional na década de 1960, o que contribuiu para a queda dos preços mundiais nesse período.

A volta da URSS ao mercado de petróleo, por sua vez, gerou temores de que ela pudesse desestabilizar o arranjo criado pelas “Sete Irmãs”. O governo italiano sofreu forte pressão contrária ao acordo por parte de Washington. Alegava-se que esses equipamentos poderiam ajudar no fortalecimento econômico e militar da União Soviética, prejudicando os interesses do bloco ocidental. Em uma entrevista concedida à jornalista norte- americana Ernestine Adams, em dezembro de 1960, Enrico Mattei, presidente da ENI, destacou que a URSS já recebia equipamentos sofisticados de empresas britânicas e da Alemanha Ocidental – como a Krupp/Mannesmann - os quais poderiam ser muito mais ameaçadores para a segurança dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) do que o acordo entre italianos e soviéticos (CASTRONOVO, 2015). De fato, entre 1958 e 1962, as exportações alemãs de tubos de aço para a União Soviética cresceram de 3,2 mil toneladas para 255,4 mil toneladas (HÖGSELIUS, 2013)

Em fevereiro de 1961, a ENI assinou um protocolo adicional ao acordo de 1960, cobrindo o período de 1962 a 1965 (CANTONI, 2015). Em 1962, a Otan impôs um embargo à venda de equipamentos relacionados à indústria de hidrocarbonetos à URSS. Apesar de tal medida, o consumo de petróleo soviético na Europa não diminuiu. O embargo foi retirado em 1966 (PEROVIC, 2016).

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