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A instabilidade económica e seus reflexos na educação

CAPITULO I. GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO: CONTRIBUTOS E DESAFIOS PARA

1.2 A instabilidade económica e seus reflexos na educação

em Portugal no início de 2008 com um forte aperto do crédito, com a redução da capacidade de acesso dos bancos aos mercados de capitais e com a quebra do banco português de negócios (BPN), seguida da nacionalização em Novembro de 2008, e do banco privado português (BPP), seguido de falência em 2010. Entre as várias causas que culminaram na crise em Portugal, a mais significativa foi a crise financeira internacional, iniciada em 2007 nos Estados Unidos da América (EUA), tendo-se repercutido nos seus principais parceiros comerciais, mais precisamente a Europa. Caldas (2013) argumenta que os fatores mais importantes que contribuíram para a crise financeira estão relacionados com a inadequação da gestão de risco, a fraqueza geral das instituições financeiras mundiais que criaram e mantiveram os produtos de crédito complexos, resultando numa má gestão do risco.

Por conseguinte, e com a escassez de crédito e a crise da dívida soberana, Portugal viu-se obrigado a recorrer a um resgate financeiro no seio da União Europeia, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu, mais precisamente na ordem dos 78 milhões de euros (Pitta e Cunha, s/d). Foi precisamente no âmbito de todo este processo que o Governo Português se comprometeu em cumprir um plano de austeridade, que objetivava a redução do défice orçamental. Assim, as medidas adotadas acabaram por culminar na redução dos salários e no aumento dos impostos, para além de outras tantas reformas estruturais que resultaram no aumento do custo de vida e do desemprego da população em geral.

Desde então, e até à atualidade, tem-se vindo a assistir a um agravamento da situação económica e financeira em vários setores de atividade, inclusive da educação (Benavente, Queiroz & Aníbal, 2015; Lopes, 2015), tendo-se agravado, em simultâneo, a situação do estado social e as condições de vida da população portuguesa. Cunha (2012) defende que cerca de um quinto das famílias portuguesas foram afetadas pelo desemprego, acrescentando que, e derivado deste problema, estas foram os agentes económicos mais afetados pela crise, considerando, efetivamente, que as famílias tiveram que tomar medidas muito drásticas relativamente às suas atividades e à gestão do seu orçamento familiar, reduzindo

a atividade de lazer (cerca de 32%), seguindo-se uma redução na despesa com os bens de consumo essenciais (despesas com alimentação, água, eletricidade e gás): são referidos cortes nas despesas com esta rubrica em 30% dos lares, a redução nas despesas de saúde e educação aparecem logo atrás com 22% e 5% respetivamente.

(Cunha, 2012, p. 9)

Em suma, pode-se constatar que Portugal foi um dos países da Europa que mais severamente foi afetado pela crise económica (Freire & Moury, 2014), a qual surgiu em meados de 2008, tendo sido obrigado a recorrer a um apoio financeiro internacional. Foi

precisamente no âmbito deste pedido de apoio externo, com o intuito de solucionar os problemas de caráter financeiro e económico com que o país se deparou, que houve a extrema necessidade de implementar um conjunto de medidas e de políticas radicais, almejando contrapor todos os efeitos mais nefastos provocados pela crise e uma recuperação económica (Reis, Rodrigues, Santos & Teles, 2013). Porém, e apesar de esta crise ser fundamentalmente económica, acabou por afetar muito significativamente outras áreas do quotidiano do país, tal como é o caso da saúde e da educação (Benavente et al., 2015; Lopes, 2015).

Assim, entende-se que, após toda esta explanação sucinta do contexto da atual crise económica, foi esta a principal causa do desinvestimento no Ensino Superior, dado que as famílias portuguesas se viram incapazes de manter ou atingir melhores condições de vida, investindo os seus fundos nos bens de consumo básicos.

A crise económica atingiu as IES e colocou-as no centro do debate público como resultado do colapso financeiro de 2008 e da crise económica que atravessámos. O principal impulso deste debate centra-se na (re)justificação do papel do Ensino Superior e na redefinição da sua relação de financiamento com o governo (Cabrito, 2004; Cerdeira, 2008; Pacheco, 2003). Segundo Cabrito (2004), a crise económica, veio legitimar o longo argumento de que a educação superior deveria ser tratada da mesma maneira que qualquer outro serviço na economia e, como tal, deveria estar sujeita a mais responsabilidades e práticas de gestão. O autor reforça que “Diversificar as fontes de financiamento surge, assim, como a solução final para as dificuldades financeiras por que vêm passando as instituições públicas de Ensino Superior (…)” (Cabrito, 2004, p. 980).

No entanto, considera-se essencial analisar o impacto da crise económica no Ensino Superior, que levou a mudanças em níveis micro e macro.

Segundo Geiger (2010) o impacto imediato a curto prazo da crise económica foi no nível micro institucional, onde houve um menor número de estudantes nas IES, levando-as a adaptaram-se à realidade, fazendo planos para reduzir o pessoal em todos os níveis, criando alternativas de pagamento de propinas, adaptando o currículos dos cursos disponíveis.

Parece que a crise económica criou uma política neoliberal e um quadro de gestão no Ensino Superior que resultou em movimentos para mudar o ónus financeiro para a educação superior, tanto ao nível dos governos, como dos alunos e suas famílias (Bresser-Pereira, 2010; Silva, 2011). Então, cada vez mais percebemos que os

governos tentam transformar o financiamento direto e a dívida pública em fundos indiretos através de empréstimos estudantis e dívidas privadas.

Essa transformação atende aos objetivos macroeconómicos dos governos e legitima a conversa sobre os alunos obterem “valor para o dinheiro” e um “retorno sobre o investimento” num modelo de Ensino Superior de “prestador de serviços-cliente” (Geiger, 2010).

No estudo de Lopes (2015), a autora argumenta que, ao longo destes últimos anos de crise económica e social, as políticas públicas de educação se têm revelado desajustadas. De facto, e ao intervir pro-ciclicamente em domínios relacionados com o financiamento do Ensino Superior, com a ação social escolar e com a política científica, o Estado acaba por inviabilizar os objetivos da educação democrática e desperdiça anos de recuperação significativa em vários domínios. Como é sabido, o desígnio da contenção do défice do setor público é servido por medidas de austeridade que culminaram no empobrecimento das famílias, tal como no reforço de toda a desigualdade a nível social. Simultaneamente à diminuição acentuada dos gastos públicos com a educação, que no ano de 2012 retrocederam para valores similares aos registados em 2001, as famílias dispõem, cada vez menos, dos recursos considerados como sendo indispensáveis para compensar a retirada do Estado (Lopes, 2015).

Na Figura 1 apresentam-se as despesas do Estado na educação, mais concretamente entre o ano de 1972 e de 2012, com o intuito de compreender a evolução dos gastos na educação.

Figura 1 - Execução orçamental per capita Fonte: Lopes, 2015

Em adição, a autora refere que, aos cortes crescentes no financiamento público do ensino, se tem vindo a associar uma redução muito acentuada nas políticas de ação social escolar (Figura 2), tal como ocorre com as bolsas atribuídas aos estudantes e com outros meios destinados ao apoio dos estudantes e das suas famílias (Lopes, 2015).

Figura 2 – Tendência evolutiva da ação social escolar em Portugal Fonte: Lopes, 2015

Entre outros aspetos, toda esta política de retração tem implicado o abandono crescente do Ensino Superior em Portugal, sendo que cada vez mais ocorrem desistências nos primeiros anos dos programas curriculares (Fernandes & Chagas Lopes, 2014). Na verdade, a própria Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) discutiu essa questão, atribuindo especial ênfase ao facto de os maiores cortes no financiamento público da educação estarem a ocorrer em países como Grécia ou Portugal, mais concretamente os que se têm deparado com elevadas dificuldades na contenção dos défices públicos (OCDE, 2013).

O estudo conduzido por Fernandes (2013) é bastante pertinente, visto que a autora apresenta dados estatísticos mais concretos relativamente aos impactos da crise económica no âmbito do Ensino Superior. De facto, a autora argumenta que todas as alterações potenciadas pela crise económica, bem como pelo aumento do número de diplomados, acabam por transformar a linearidade na segurança representada pelo diploma de Ensino Superior no mercado de trabalho, no valor da remuneração ou, inclusive, na gestão da carreira, sendo que, e com base em Costa (2001, p. 265), “tradicionalmente, e ainda até há bem pouco, a universidade preparava para toda a vida. A evolução dos conhecimentos era relativamente lenta e as empresas eram

estabelecidas sobre processos de produção e tecnologia de longa duração. (…) Esta situação mudou radicalmente”.

Através da análise dos dados fornecidos pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), Fernandes (2013) conclui que a taxa de desemprego dos diplomados tem aumentado significativamente em Portugal, tendência esta que tem sido verificada em outros países pertencentes à OCDE (OCDE, 2013). Porém, Portugal é o único país deste grupo que apresenta um decréscimo na taxa de desemprego de indivíduos com educação superior, mais precisamente entre os anos de 2008 e 2009, ainda que a taxa de desemprego total tenha aumentado. Contudo, é fundamental acrescentar que a taxa de desemprego dos diplomados portugueses entre 2008 e 2010 é bastante superior à média registada na União Europeia e na OCDE.

Em 2015, Portugal registava uma taxa de desemprego dos diplomados portugueses de 12,6%, quando a média europeia, se situava nos 9,3%. Na Grécia a taxa de desemprego ascendia ao valor arrepiante de 27,3% (Chaves & Gaio, 2017).

É certo que, no âmbito dos países da OCDE, a detenção de um diploma de Ensino Superior é ainda muito vantajoso no mercado de trabalho, dado que se constata que a taxa de desemprego das pessoas que não concluíram o ensino secundário é três vezes superior (13%) à taxa de desemprego dos diplomados do Ensino Superior (5%), sendo que estes últimos recebem remunerações em média 50% superiores às dos graduados do ensino secundário. Com base no INE, por sua vez, e atentando especificamente para os dados relativos ao 2º trimestre de 2013, estes demonstram que, e apesar da atual conjuntura económica, é bastante vantajoso ser diplomado do Ensino Superior no mercado de trabalho, considerando que os licenciados são o único grupo cuja taxa de desemprego se situa abaixo da média (Fernandes, 2013).

Aparentemente, tal vantagem remuneratória tem vindo a diminuir significativamente no caso dos diplomados que entram, pela primeira vez, no mercado de trabalho, dos licenciados e dos bacharéis, mantendo-se, contudo, para os Mestres e para os Doutorados, existindo, no entanto, algumas variações consoante as áreas de educação e de formação.

Não obstante a tudo o que foi referido, como resultado da instabilidade económica que se viveu, verifica-se que as IES prosseguiram com planos para criar fluxos alternativos de formação, que assentam em situações como os cursos. O Ensino Politécnico apostou

fortemente nos cursos Técnicos Superiores Profissionais (TeSP)6. O curso, de Ensino

Superior, não confere grau académico mas a sua conclusão, com aproveitamento, atribui o diploma de técnico superior profissional.

Outras soluções imediatas surgiram, que coadunam a teoria com a prática no Ensino Superior: os estágios curriculares, extracurriculares, profissionais ou estágios de férias. As próprias IES, através de Gabinetes de Estágios e Saídas Profissionais (GESP) – Universidade de Aveiro; de um Departamento de Saídas Profissionais e Empreendedorismo – Universidade do Minho; de um Gabinete de Apoio ao Aluno (GApA) – Universidade Católica Portuguesa ou de Unidades de Inserção na Vida Ativa (UNIVA) – Universidade da Madeira7, entre outros, dão a conhecer ofertas de estágios,

de empregos e criam parcerias com empresas nacionais e estrangeiras que publicitam entre a comunidade estudantil.

Face à atual precariedade, deve ainda apontar-se as soluções inovadoras que diversas Universidades e Institutos Politécnicos dispõem aos alunos: incubadoras de empresas. Assim, a Incubadora de Empresas da Universidade de Aveiro (IEUA), criada em 1996, tem a missão de incentivar e apoiar a criação, o desenvolvimento e o crescimento sustentado de novas empresas, havendo no momento três edifícios (IEUA Edifício 1; IEUA Fábrica; IEUA Santa Joana), com gabinetes co-working, espaços partilhados e gabinetes de serviços8.

No caso do Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC) a incubação divide-se em três fases: a pré-incubação, a incubação e a internacionalização, sendo de esperar neste último passo que a empresa alargue a sua carteira de clientes, ao mesmo tempo que inicia a expansão do seu negócio através da entrada em novos mercados e/ou através do lançamento de novos produtos/serviços, podendo transferir-se para um espaço próprio ou, dentro do próprio UPTEC).9

Em Lisboa, o Tec Labs, centro de inovação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, fechou o ano de 2013 com €6 milhões faturados e 200 postos de trabalho criados, tendo albergado empresas como Science4you, Biopremier ou Fluiddo Interactive10.

6 Saliente-se que o regime jurídico do curso TeSP já se encontrava previsto no Decreto-Lei n.º

74/2006, de 24 de março, mas foi recentemente alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 63/2016, de 13 de setembro.

7 Com base em informação retirada dos sites das referidas universidades.

8 Com base em informação retirada de: http://www.ua.pt/ieua/PageText.aspx?id=17532 9 Com base em informação retirada de: http://uptec.up.pt/incubacao

10 Com base em informação retirada de: http://greensavers.sapo.pt/2013/12/12/incubadora-de-

A Incubadora D. Dinis é uma entidade de direito privado sem fins lucrativos, constituída em julho de 2004 por iniciativa do Instituto Politécnico de Leiria, da Associação Empresarial da Região de Leiria (NERLEI) e da Câmara Municipal de Leiria, com a colaboração do Instituto Pedro Nunes. Muito orientado para a investigação aplicada, muitos dos núcleos de I&D estão localizados em empresas e outras organizações, ou desenvolvem a sua atividade em estreita ligação com estas, em especial as PME’s11.

Muitos outros são os exemplos passando pela Universidade do Minho com a Associação Spinpark - Centro de Incubação de Base Tecnológica ou a Universidade Católica Portuguesa através do Spinlogic.

O que se verifica é que, na atualidade, o sistema de Ensino Superior na Europa procura responder a vários desafios em simultâneo, dando resposta às várias ‘necessidades’ sociais: por um lado, a resposta às necessidades da atividade económica e produtiva, através de desenvolvimentos tecnológicos e inovação; por outro lado, através do ensino e da formação, por via do aumento dos conhecimentos e das competências dos indivíduos. Alguns dos objetivos centrais das IES estão associadas à preparação dos estudantes para o mercado de trabalho, de modo a estarem aptos para responder aos requisitos do trabalho e da sociedade mas, no que diz respeito aos conceitos de igualdade e equidade de oportunidades vão além das políticas pré-estabelecidas (Pascueiro, 2009).

Para Ramos, Santos e Xavier (2015), apesar das diferenças e das distâncias, deveríamos avançar para plataformas de maior articulação entre estes dois universos, o que seria, sem dúvida, reciprocamente vantajoso: as empresas e organizações teriam muito a lucrar se os alunos saídos das universidades forem detentores das competências que fossem mais necessárias para o seu crescimento e desenvolvimento e as universidades poderiam enriquecer os seus currículos com um maior conhecimento de como o saber se faz substância nos contextos da vida prática.

É pertinente salientar que, na atualidade, Portugal é um dos países da OCDE com menor percentagem de população com educação superior. As transformações resultantes do processo de Bolonha, implementado em 2006, estão sobretudo relacionadas com a diminuição da duração das licenciaturas, que de quatro ou cinco anos passaram para três12, e uma atenção superior aos estudantes e à própria

11 Com base em informação retirada de: http://www.nerlei.pt/pt/a-nerlei/projetos/3683-iddnet-

incubadora-d-dinis

12 Entenda-se que esta é a regra mas há exceções; há alguns casos em que as licenciaturas se

transferência dos conhecimentos considerados como relevantes para o mercado de trabalho em geral, podendo influenciar a procura e a qualidade do Ensino Superior.

No entanto, um dos efeitos mais significativos da implementação de Bolonha é precisamente o aumento do número dos candidatos ao Ensino Superior, visto que, com cursos de inferior duração13, os candidatos enfrentam uma realidade que pressupõe

menos gastos, o que representa, em simultâneo, uma entrada bem mais célere no mercado de trabalho e, logo, o recebimento salarial mais precoce. Porém, esta reduzida duração dos cursos apresenta aspetos bastante negativos, nomeadamente devido ao facto de pressupor uma certa ideia de limitação das competências, o que faz com que o mercado de trabalho considere os novos licenciados como menos qualificados quando comparados aos graduados pré-Bolonha. Assim, os novos licenciados acabam por interiorizar que terão mais oportunidades no mercado de trabalho se concluírem o Mestrado, adquirindo mais competências para além das circunscritas à licenciatura14.

Mas, e considerando que os mestrados implicam custos muito mais elevados15, os

licenciados acabam por questionar a frequência universitária (Silva, 2015).