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A Instituição e a Incapacidade – As Questões da Tutela

II Enquadramento Teórico e Conceptual

5. A Instituição como Resposta Social para a Pessoa Idosa com Demência

5.3 A Instituição e a Incapacidade – As Questões da Tutela

A institucionalização impõe-se normalmente em situações em que a pessoa idosa deixa de ter capacidade para exercer a sua cidadania e os papéis que lhe foram atribuídos em plenitude e em condições que salvaguardem a sua dignidade. Podem ser situações relacionadas com problemas graves de saúde física e psíquica, mas também casos em que as pessoas idosas residem em domicílios sem condições de habitabilidade, ou quando a falta de suporte familiar ou exaustão do suporte familiar existente é uma realidade.

A institucionalização exige sempre um diagnóstico correto de cada situação, deve ser adaptada a cada realidade e incapacidade, e deverá ser sempre concretizada com a autorização da pessoa, desde que esta esteja capaz, e com a intervenção dos meios legais quando a pessoa não tem capacidade de decisão.

A Constituição da República Portuguesa, no artigo 72º, consigna, à terceira idade, direitos que se traduzem em segurança económica, condições de habitação, convívio

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familiar e comunitário, respeito pela sua autonomia pessoal, enformados na prossecução de realidades que previnam o isolamento ou a marginalização social.

Não obstante, sabemos que entre o texto constitucional e a vida das pessoas idosas vai uma grande distância, que se pode “medir” pelo vazio legal que existe na concretização dos princípios consignados pela lei fundamental do nosso país. As respostas do ordenamento jurídico são poucas e muito vagas, não existe uma lei de proteção às pessoas idosas como existe para os menores e a maior parte dos apoios são de carácter social/financeiro e de matriz caritativa (subsídios, contribuições, informação).

Tal situação leva-nos a afirmar que em Portugal os idosos não são encarados como entes de direitos, cerne de um “pacote de direitos” que os coloque no mapa da cidadania. A pessoa idosa não é titular de direitos pela sua condição de idosa, é-o apenas como comum cidadão, sem ver garantidos os seus direitos na condição em que se encontra. Na relação entre os direitos dos idosos e a sua vivência na sociedade nem sempre se encontram respostas para as suas necessidades, especialmente quando a pessoa idosa se encontra em situação de incapacidade.

Em Portugal estima-se que existam mais 60 mil cidadãos que se encontram em situação de incapacidade para gerir a sua pessoa e bens, em que mais de 80% não possuem representante legal que assuma a gestão da sua vida e património. Esta situação representa uma violação dos direitos fundamentais, prejudica a qualidade de vida dos indivíduos e exige às famílias e prestadores de cuidados formais, as instituições, uma intervenção para qual não estão preparados e não estão legalmente mandatados (Lopes; 2004:s.p.).

De acordo com a recomendação n.º R(99) 4 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados Membros sobre os Princípios Relativos à Proteção Jurídica dos Maiores Incapazes, são maiores incapazes as pessoas com 18 ou mais anos que “em

razão de uma alteração ou de uma insuficiência das suas faculdades pessoais, não se encontram em condições de compreender, exprimir ou tomar de forma autónoma, decisões relativas à sua pessoa e ou os seus bens, não podendo, em consequência, proteger os seus interesses.”

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As pessoas idosas com demência, objeto deste nosso estudo, são maiores incapazes, e portanto aplicam-se-lhes todas as regras instituídas no ordenamento jurídico português para proteger a sua condição de cidadão. Entendemos ser especialmente importante neste estudo entender a incapacidade na medida em que a decisão pela institucionalização no caso das pessoas com demência é feita, salvo raras exceções em que o próprio doente já oficializou a sua vontade enquanto detinha todas as suas faculdades, por outrem.

O Código Civil Português prevê duas modalidades de incapacidade aplicáveis, através de sentença judicial, a maiores – a interdição e a inabilitação, previstas respetivamente nos artºs 138º a 151º e nos artºs 152º a 156º do CC. Estas modalidades distinguem-se pelo distinto grau de severidade das causas que originam a incapacidade e pelos diferentes efeitos que provocam na limitação da capacidade das pessoas.

No caso da figura de interdição, o artº 138º do CC, prevê que “podem ser interditos dos

seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens”. A incapacidade é aqui suprida

por via da representação legal e o meio de suprimento é a tutela. O tutor age em nome do incapaz, sob a vigilância de um conselho de família, mas carece da autorização do tribunal para a prática de determinados atos.

A inabilitação, por seu turno, constitui o segundo tipo de declaração judicial da incapacidade. Tem causas que são comuns à interdição, mas que se distinguem pela menor gravidade; e causas especificas, que estão relacionadas com determinados hábitos de vida (habitual prodigalidade, abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes) (MTS; 2002: 14). Nesta situação a incapacidade é suprida tendencialmente através da assistência e o meio de suprimento é a curatela.

A decisão de institucionalizar a pessoa idosa com demência deve ser tomada pelo tutor ou curador, sempre que o deficit cognitivo não permitir uma tomada consciente de decisão por parte do próprio idoso. Esta situação até se revela de fácil execução quando a pessoa idosa tem família presente que efetivamente acomete a si a responsabilidade de prestar cuidados e zelar pelos interesses do seu familiar, contudo existem situações em

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que não é possível efetuar esta nomeação devido à inexistência de familiares ou de familiares capazes para desempenhar o cargo.

A problemática em questão assenta no facto da legislação portuguesa referente ao suprimento de vontade de maiores incapazes estar desligada da realidade atual. Assim, o nosso ordenamento jurídico limita a nomeação do tutor e do curador na medida em que reconhece unicamente esta capacidade a pessoas singulares, discriminando automaticamente as instituições, isto é as pessoas coletivas.

Ora, sabendo de antemão que muitas destas instituições são a única salvaguarda da pessoa idosa, devido a situações de abandono ou mesmo de inexistência de retaguarda familiar, seria importante redefinir os normativos vigentes. Nesta ordem de ideias, o que ainda não foi feito em território nacional é, há quase duas décadas, norma no nosso país vizinho. Através da Lei 13/1983 de 24/10 a Espanha reformou o instituto da tutela, tendo permitido, com a introdução do artº 242º do CC, o exercício da tutela através de uma pessoa coletiva (Barbosa; s.d.: 10).

À luz deste estudo, não nos cabe refletir aqui sobre as vantagens que este tipo de medida poderia trazer para a realidade portuguesa. Deixamos apenas a indicação das práticas, que consideramos boas, que se implementam lá fora.

Será importante, em jeito de conclusão, referir que para a institucionalização de pessoas idosas com demência ser legitimada tem de ser efetuada com base nos preceitos normativos aqui descritos, e sempre baseada nas necessidades dos incapazes e na garantia da sua proteção. Face aos desafios da longevidade, a legislação atual é, de facto, desadequada à realidade. Esta legislação não foi pensada, para pessoas com demências graves, no entanto, é pela legislação vigente que nos devemos regular, e assegurar o legítimo suprimento da vontade destes cidadãos; enquanto aguardamos por alterações.

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2ª Parte - Estudo de Caso – O Centro de Recuperação do