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A intensificação do debate no âmbito político e a decisão de se

5. A RECONSTRUÇÃO DO BERLINER STADTSCHLOSS

5.2. A intensificação do debate no âmbito político e a decisão de se

No início do ano de 1992 o debate sobre o destino do Palácio da República ainda estava indefinido. Boa parte da incógnita sobre seu uso era devido à recente reunificação, pois o governo federal já havia decido que Berlim seria a capital política da nação, sediando o parlamento, ministérios e outros órgãos federais. Naturalmente

que a região da Schlossplatz – denominada Praça Marx-Engels no período do socialismo – foi um dos focos dessa discussão, sobretudo pela presença do Palácio da República, à época já subutilizado. Em abril daquele ano houve inclusive uma recomendação do Senado alemão pela manutenção do edifício101. A alternativa seria a ampliação de sua área, ocupando parte do terreno que no passado era ocupado pelo castelo (FIG. 5.1). Matthias Lambrecht registra102 também que em meados daquele ano havia proposições pela substituição do palácio, sendo que ao Senado cabia, principalmente, decidir sobre qual atividade aquele lugar da cidade deveria abrigar. No mesmo artigo é abordada a questão da contaminação da estrutura por amianto. Muito embora fosse forte o argumento de que tal contaminação condenaria a edificação, Lambrecht demonstra que uma porta-voz do governo, Petra Reetz, declarara que o Senado havia manifestado durante três meses daquele ano predileção pela não demolição do Palácio da República, sendo que seria muito menor o custo de reformar o prédio, eliminando a contaminação estrutural por meio da adoção de novos procedimentos químicos.

Hennet (2005) nos mostra que, à época, o parlamento consultou três grandes grupos de investidores, que também eram detentores de conhecimentos técnicos na área de recuperação de edificações com semelhantes patologias. O grupo esclareceu que a contaminação atingia várias partes do edifício, como telhado, paredes e pisos, além de várias áreas técnicas. A conclusão foi que restariam intactas apenas o esqueleto estrutural, a caixa de escadas, o núcleo de concreto e a fundação, no caso de um processo de descontaminação do amianto. Portanto, essa solução demandaria enorme volume de recursos, mesmo em caso de uma demolição parcial do palácio. Com base nessa conclusão, o Senado decidiu, em outubro de 1992, pela demolição do Palácio da República, alegando que seu uso não poderia ser viável do ponto de vista econômico.

101

PAUL, Ulrich. Pallazo soll bleiben. In: Berliner Zeitung. 22 abr. 1992. 102

FIGURA 5.1: Sobreposição: planta do Stadtschloss e Palácio da República

Stadtschloss em vermelho, Palácio da República hachurado em preto e áreas de escavações

arqueológicas em verde e marrom. Fonte: BVBW UND SVS. Internationale Expertenkomission “Historische Mitte Berlin”. Abschlussbericht, 2002, p.47.

Tão logo foi tomada a decisão pela demolição do Palácio da República, já houve manifestações de insatisfação por parte dos senadores que questionavam se seria aceitável colocar o interesse econômico em primeiro plano, de modo a se desfazer de um edifício significativo para o lado oriental da Alemanha, além de ser uma construção que fora paga por essa população no passado.103 A decisão desencadeou um embate entre o poder executivo federal e o próprio Senado, bem como entre partidos. Representantes do CDU (União Democrata-Cristã) sugeriram a reconstrução das fachadas do castelo para reverter “a barbárie de Walter Ubricht”. Já representantes do SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha) rejeitaram a ideia, declarando um “não

103

ao castelo de Potemkin”104. No fim do ano de 1992 foi formado pelo Senado um comitê, denominado “Berlim 2000”, cujo objetivo era discutir a transição da capital federal de Bonn para Berlim. Após meses de debate, inclusive tendo se votado pela manutenção do Palácio da República, o comitê decidiu, em março de 1993, pela sua demolição, em virtude da impossibilidade de dar-lhe novo uso por “razões urbanísticas, funcionais e econômicas”. Naquele lugar da Schlossplatz deveria surgir um novo edifício que abrigasse um centro de convenções e uma grande biblioteca pública. Para sua construção o comitê sugeriu que atendesse “à exata forma do conjunto da Spreeinsel”. Percebe-se que todo o debate acerca da manutenção/demolição do Palácio da República ocorreu num momento político muito marcante e decisivo para a Alemanha. O grande significado simbólico e histórico da Schlossplatz (outrora Praça Marx-Engels) foi o pano de fundo para a difícil escolha que culminou na demolição do monumento moderno. Ao que parece, todo o debate visava não somente à edificação em sim, mas a todo o conjunto e a significação do Berliner Stadtschloss.

Nesse aspecto pode-se considerar uma conduta que esteve presente em outras cidades alemãs e até mesmo em outros países europeus em meados do século XX, ao se lidar com centros históricos. Citemos como exemplo as cidades alemãs de Münster, Lübeck e Dresden; além da cidade polonesa de Varsóvia, cujas edificações mais significativas de seus centros históricos foram reconstruídas. Ao comentar a reconstrução de Varsóvia, o historiador Konstanty Kalinowski (1978)105 relata uma forte dualidade em relação ao monumento a ser trabalhada: por um lado o “desejo”, suscitado pela reconstrução; por outro lado a realidade, representada pelo sentimento de perda que a falta do monumento desperta. Em casos de reconstrução estaria em jogo o restabelecimento de uma “dimensão existencial” fundamental para a comunidade, sendo esse restabelecimento a principal justificativa para a reconstrução.

104

MÜNTER, Christian. SPD: Nein zu “potemkinschen” Stadtschloss. In: Berliner Morgenpost, n. 8. Dez. 1992.

105

FIGURA 5.2: Demolição do Palácio da República em 2006 Fonte: HOLFELDER, 2008, p.104.

A reconstrução seria admissível caso houvesse grande quantidade de registros documentais do monumento, suficientes para embasar seu fiel refazimento. Também se considera que a reconstrução é possível somente quando o monumento é de grande significação histórica para a nação. Neste aspecto cabe mencionar que o

Stadtschloss sem dúvida marca a história do próprio país. Entretanto, a principal crítica que se faz a tal justificativa é que reconstruir o monumento não restabelece seu histórico, que seria algo único e irrecuperável, quando o monumento é destruído. Por fim, o autor pondera que a reconstrução deve considerar possíveis novos usos para a edificação, em consonância com as demandas atuais. De fato, discutiu-se sobre isso no caso do Stadtschloss e previu-se dar-lhe novos usos coerentes com a população berlinense, ainda que no Palácio da República o uso intenso pelos habitantes locais já fosse uma realidade antes da decisão por demoli-lo.